O autogolpe de Dilma

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Publicado Sábado, 19 de Março de 2016 às 18:31, por: CdB
Por Rui Martins, de Genebra:
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Anunciavam um golpe, houve um autogolpe da própria presidente Dilma
O que já era dramático virou trágico. A política brasileira virou um ringue e a presidente Dilma que, durante meses vinha resistindo aos rounds, de repente, cansada ou distraída, tomou uma direta no queixo, quase mordeu a língua e perdeu por nocaute técnico. O PT vinha alertando o povo quanto à iminência de um golpe e o golpe realmente ocorreu, mas foi detonado não pela oposição e sim pela própria presidente, ao nomear seu Pigmalião Lula como chefe da Casa Civil, numa tentativa de protegê-lo contra a prisão, como todos puderam comprovar ao ouvir uma sua conversa com o ex-presidente, grampeada por um juiz inédito na história jurídica brasileira. Ao defender e querer salvar Lula, de quem vinha marcando distância desde sua posse com um Ministério neoliberal, Dilma acabou se molhando e pode até ser processada. Foi um verdadeiro autogolpe ou autogol. A ação foi dolosa e durante a encenação desse autogolpe seus inimigos aproveitaram para montar o impeachment, programado para o mês de abril. Como as manifestações da sexta-feira foram bem menores que as do domingo treze, as portas do Planalto vão se abrir para o vice-presidente, exceto se o TSE decidir impugnar a vitória da chapa Dilma-Temer e provocar novas eleições, nas quais Lula não poderá provavelmente participar. Seria uma sábia maneira de se evitar confrontos. O clima é de caos porque se a causa da crise é corrupção, os autores do impeachment também são corruptos. Se os evangélicos conseguissem levar Cristo para Brasília e ele adaptasse sua célebre frase ao momento atual, dizendo « quem nunca roubou atire a primeira pedra », essa história ia acabar numa abençoada pizza, com todos se desculpando, se abraçando e prometendo uma alternância na sangria das estatais e do dinheiro público. Maluf, Cunha e Lula iriam até Curitiba propor uma boa comissão ao Moro, porque afinal ninguém é de ferro. E acabaria essa história de delações e processos seletivos - « se os tucanos fizeram por que nós não podemos ? » E o Brasil nisso tudo, enlameado e ridicularizado aqui fora no Exterior, tem algum peso ? Não, não tem. Releiam todo noticiário publicado desde meados de 2014, quando começou essa história da Lava Jato, e procurem se algum desses tristes personagens se preocupou com isso. Não, absolutamente. Eles estão preocupados com seus mandatos, suas contas bancárias em paraísos fiscais, suas comissões ou com a manutenção de seus partidos no poder. Existe algum combate ideológico nesse caos ? É o combate da esquerda contra a direita, como dizem os petistas ? Nada disso, o que se vê é um mero incentivo ao culto pessoal, mesmo porque, é bom lembrar, o governo Dilma se elegeu sem ter apresentado um programa. E por que ? Porque se os discursos e a publicidade lançada pelo marqueteiro João Santana insinuavam um governo social, a candidata Dilma sabia que faria um governo neoliberal. O governo de Dilma Roussef vai chegando ao fim e arrastando consigo a possibilidade de Lula retornar em 2018. Uma tragédia política para Lula, que chegara a obter o respeito e os elogios de toda a imprensa internacional e mesmo de chefes de Estado como do presidente Obama dos Estados Unidos. Uma tragédia também para a ex-resistente à ditadura militar transformada em tecnocrata e retirada do anonimato por Lula, para exercer o cargo de presidente, no qual não soube usar sua formação de economista, enfrentou uma crise internacional com a queda do valor das matérias primas de exportação, viu seu partido e seu Pigmalião envolvidos no maior processo de corrupção da história brasileira e não soube também avaliar o tamanho da crise política na qual foi envolvida e acabou por se envolver. De nada adianta o PT e seus filiados clamarem serem vítimas de um « golpe » porque ninguém mais neles acredita, muito menos a imprensa internacional depois das delações e revelações feitas pelo processo Lava Jato, dando conta de uma corrupção desenfreada dentro da Petrobrás. A reeleição de Dilma foi fatal para Lula e o PT, por terem utilizado de todos os artifícios de uma propaganda enganosa e de uma campanha insidiosa de destruição dos adversários, técnica que se voltou contra eles já na nomeação dos ministros e desde o primeiro dia de posse de Dilma, quando se confirmou a trapaça eleitoral. Levy e Kátia Abreu, lembram-se ? Esse já era um golpe nos eleitores. Tragédia igualmente para todos simpatizantes do lulismo e do petismo, quando começaram a ser reveladas as mazelas praticadas por petistas e membros da base aliada do governo com empreiteiros ainda antes da compra da refinaria de Pasadena. Os primeiros desacertos da política do governo Dilma mostraram o despreparo total do PT no poder, por não ter criado bases e infraestruturas já desde o primeiro governo de Lula. E por não ter se preocupado em dar cultura política e ideológica aos seus seguidores. Não houve um plano econômico consequente quando a distribuição da Bolsa Família permitiu fossem retirados da pobreza cerca de vinte ou trinta milhões de pessoas, utilizou-se apenas o mecanismo do consumismo e seu valor eleitoreiro, na crença de ser uma fórmula eterna, sustentada igualmente pela elevação progressiva do salário mínimo. O país não se industrializou, muito ao contrário, acreditou na perenidade nada ecológica do petróleo e projetava o futuro no pré-sal, embora as constantes punções da base aliada na Petrobrás acabassem por comprometer a própria Petrobras ao ocorrer a queda do preço do petróleo e das matérias primas. Embora alguns representantes da esquerda venham acusando a direita, como nos esquemas clássicos do passado, como responsáveis pelas quedas de Lula e Dilma, nada disso tem base concreta e nada disso corresponde à verdade. Seria mais verdadeiro se falar em conservadores e aproveitadores, porque o governo simplesmente não é (não era) de esquerda, embora se vestisse e quisesse falar como de esquerda. O PT embora não tivesse sabido criar uma imprensa própria, capaz de concorrer com a mídia já existente, criara em torno de si uma muralha de blogueiros, encarregados de sua segurança e publicidade, na verdade repetidores da direção do partido. Essa proteção excessiva acabou por criar sua própria perda, por ter impedido aos seus próprios dirigentes uma visão geral do descontentamento popular. Lula e Dilma falharam na política agrícola, não protegeram a saúde dos brasileiros dos produtos químicos das grandes multinacionais dos agrotóxicos. Cederam à Monsanto, na questão dos OGM (organismos geneticamente modificados), mesmo quando os europeus preferiam receber produtos agrícolas brasileiros não geneticamente modificados. Lula e Dilma não realizaram a esperada e sonhada Reforma Agrária, desde os anos 60 quando se projetavam as reformas de base. Não protegeram as populações indígenas contra os posseiros e deixaram a porta aberta para a revisão das reservas indígenas. A política do desenvolvimentismo fechou os olhos à necessidade do desenvolvimento sustentável, permitindo a continuação dos desmatamentos criminosos na Amazônia, massacres de indígenas ou desalojamentos de populações como os consequentes à Barragem de Belo Monte. Embora tendo aberto maiores oportunidades com as cotas universitárias para afrodescendentes e indígenas, não há ao mesmo tempo uma proteção real para eles, vítimas constantes de massacres por policiais e posseiros. Um recente relatório da ONU sobre tortura no Brasil confirma ser a tortura um método aplicado em todas as delegacias e prisões e a realidade de que os negros são sempre considerados e presos ou abatidos como culpados sem qualquer investigação prévia. A educação no Brasil não conseguiu se reerguer dos baixos níveis deixados pela ditadura militar, o setor da saúde pouco evoluiu. A esquerda brasileira, que será estigmatizada pelos desvios dos governos petistas, embora minoritária não vinha aprovando e não aprova as iniciativas do governo Dilma. Dentro do próprio PT, um setor também minoritário, não esconde suas divergências. É falso falar-se em golpe, em luta entre direita e esquerda, trata-se de uma mera luta de uns pelo poder enquanto outros usam de tudo para permanecer no poder. Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle. Editor do Direto da Redação.
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