A falta de coragem, associada à ausência de criatividade, impediram que se balizasse o Brasil para o século XXI
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro: Uma pesquisa que procurava desenhar o perfil dos operários metalúrgicos da indústria automobilística, feita às vésperas de eclosão dos movimentos grevistas promovidos por eles, e que eram vistos então como formando uma "nova classe operária", mostrava que 90% deles jamais tinha lido algum capítulo ou artigo da Consolidação das Leis do Trabalho. Mas todos tinham consciência de seus direitos e sabiam como lutar por eles. A classe operária tinha àquela época uma cultura predominantemente verbal. Já na segunda década do século XXI, sabemos todos que existe uma Constituição, a primeira das leis, a que reconhece a nossa cidadania e os nossos direitos e obrigações. Mas não nos atraiu nunca a leitura de mais de trezentos artigos e emendas a perder de vista. O que é a nossa Constituição? Ela é a “Constituição Cidadã” exaltada por Ulisses Guimarães? Ou é a Constituição que nos deu uma “democracia consentida”, escrita com os olhos voltados para o passado? Com toda certeza, os constituintes de 1988 fizeram a Lei, ainda apavorados pelo fantasma de ditadura recém-finda e buscaram segurança em 1946. A falta de coragem, associada à ausência de criatividade, impediram que se balizasse o Brasil para o século XXI. Não se propõe aqui uma tarefa fácil, pois que até os ministros do STF, na falta de notável (ou razoável) saber jurídico, confundem-se ao tratar sobre ela, tropeçando em bugalhos que imaginam serem alhos. Atentando-se para o princípio, segundo o qual a Carta Constitucional não pode comportar supérfluos, nem frases e nem mesmo palavras, devemos pensar que os redatores de 1988 não foram fiéis a ele, escrevendo prolixamente 250 artigos, completados com mais 98 disposições transitórias. Nós brasileiros em tese temos necessidade de conhecer a todos e saber interpretá-los, pois que é preceito jurídico que a ninguém é dado alegar a ignorância da lei. Assim, e mesmo antes de iniciada uma leitura, fica a certeza de que o Brasil precisa de uma Constituição, limpa de detalhes e meandros, estruturada e redigida com a competência que faltou em 1988. Sem que se apresse o andar da carruagem, sejam feitas as primeiras ressalvas: não houve uma Assembleia Nacional Constituinte, que só poderia ser eleita pelo povo brasileiro, o que não aconteceu. Deputados e senadores outorgaram-se direito que não foi concedido a eles, pondo-se acima de suas competências, do que resultou o texto demais insatisfatório. O preâmbulo, ao mencionar sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, produz poesia romântica, mas não uma declaração de Direito. Com imodéstia risível, promulgam sob a proteção de Deus, fazem, portanto, obra divina, destinada a dar estrutura a um Estado Laico. Deus seria capaz de inspirar um Estado laico, dispensando-se todas a quaisquer religiões que já criou? Enfim, o Preâmbulo nos propõe um enigma. Ora pois, como todas as nossas constituições republicanas o fizeram, o Brasil é declarado república e república federativa. Cabe a pergunta: o Brasil é uma federação? Já foi em algum momento uma federação? Não se pode esquecer que a República nasceu federativa, dando-se aos Estados a autonomia que permitiu construir-se toda a República Velha como república “café com leite”, servindo aos partidos republicanos paulista e mineiro, isso para que, na defesa do preço do café e enriquecimento crescente e assegurado dos cafeicultores, o Brasil pudesse se encalacrar em dívidas com os bancos ingleses. Esse mesmo federalismo permitiu a Júlio de Castilhos doar ao Rio Grande do Sul uma república positivista, promulgada em nome da Humanidade. Em 1930 o positivismo gaúcho criaria a República uma e indivisa, as bandeiras estaduais tendo sido queimadas em cerimônia pública, mãos de jovens estudantes alimentando a pira da Pátria com aqueles panos. Com o fim do Estado Novo, uma nova Constituição tratou de restabelecer o regime federativo, que foi mantido durante a ditadura e aportou com segurança dogmática na Carta de 1988. Pela sua letra, a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.
Rio de Janeiro, Quinta, 28 de Março de 2024
A Constituição cidadã
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Publicado Sexta, 22 de Janeiro de 2016 às 10:36, por: CdB
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