Alca em coma

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Publicado Quarta, 07 de Abril de 2004 às 05:58, por: CdB

Hoje vou escrever sobre a Alca novamente. Há bons motivos para voltar ao assunto. Nas últimas semanas, e especialmente nos últimos dias, tornou-se evidente que a negociação está em um impasse sem precedentes e de difícil superação. O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, e depois o do Brasil, Celso Amorim, admitiram pela primeira vez que o prazo estabelecido para a conclusão da negociação - janeiro de 2005 - provavelmente não será cumprido. Amorim foi um pouco mais cauteloso do que Bielsa, mas deixou claro que considera impossível manter o prazo original, tendo em vista a persistência de profundas discordâncias entre os Estados Unidos e o Mercosul.

A própria viabilidade da Alca é cada vez mais duvidosa. A julgar pelas informações disponíveis, o impasse é aquele que já se configurara na fracassada reunião vice-ministerial de fevereiro em Puebla, no México, comentada em artigo anterior (ver Impasse na Alca: vale a pena continuar?, Agência Carta Maior, 10 de fevereiro de 2004). Desde então, os entendimentos não parecem ter progredido. Marcada para continuar em Puebla, no mês de março, a reunião foi adiada para abril. Na semana passada, houve novo adiamento, dessa vez sem fixação de nova data.

Segundo declarou o ministro Amorim, os principais pontos de discórdia continuam a ser, de um lado, agricultura (área em que os EUA não querem fazer concessões apreciáveis) e, de outro, serviços e propriedade intelectual (áreas em que os norte-americanos querem ir além das regras da OMC). Aconteceu o que se podia prever: Washington e seus aliados na negociação não se conformam, na realidade, com o formato light estabelecido para a Alca no encontro ministerial de Miami, em novembro de 2003. Ficam tentando, a cada instante, retomar as suas pretensões anteriores.

As razões desse comportamento foram explicadas pelo embaixador Adhemar Bahadian, co-presidente brasileiro da negociação da Alca, em entrevista publicada na segunda-feira ("O impasse é de difícil solução", O Globo, 5 de abril de 2004, pág. 15). Washington não pode assumir o que foi acertado em Miami, afirmou Bahadian. Isso por dois motivos. Primeiro: o formato que vinha orientando a negociação até 2002, a Alca heavy, não era nada acidental. Esse formato atende a objetivos econômicos estratégicos da política externa dos EUA, tais como proteção rigorosa da propriedade intelectual, ampla abertura e regras ambiciosas para serviços e investimentos, entre diversos outros. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, o modelo heavy é muito light quando se trata de definir concessões nas áreas "sensíveis" para os EUA (agricultura, antidumping e livre circulação de trabalhadores, por exemplo). Não por acaso, esses objetivos e limitações estão fixados, de maneira inequívoca, no mandato negociador aprovado pelo Congresso americano em 2002, a chamada Trade Promotion Authority.

O segundo motivo, não menos relevante, é que muitos países do Hemisfério já têm ou estão negociando acordos de livre comércio tipo heavy com os EUA. Do ponto de vista dos outros países, observou Bahadian na entrevista citada, esses acordos com os EUA "são como um Papai Noel de shopping: magrinho e carregando caixas de presentes vazias". Como ficariam esses acordos e os países que os assinaram ou pretendem assiná-los, se prevalecesse uma Alca light, reformulada para atender as sensibilidades e preocupações do Brasil e seus parceiros no Mercosul? Se aceitasse a posição do Mercosul, Washington teria de baixar o nível dos acordos já assinados e em fase de negociação ou enfrentar as queixas dos parceiros, concluiu Bahadian.

Em outras palavras: tudo indica que a Alca light era uma ilusão.

Mas o que interessa registrar é o seguinte: se o impasse persiste, isso se deve fundamentalmente ao fato de que o Brasil e a Argentina se mantêm firmes na mesa de negociação. E vamos dizê-lo sem falsa modéstia (poucos argentinos, imagino, lêem a Agência Carta Maior): o papel do Bras

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