Berlim - a história mal contada do nazista na Berlinale

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Publicado Quinta, 20 de Fevereiro de 2020 às 09:37, por: CdB

Está começando o 70. Festival Internacional de Cinema de Berlim, porém o tema mais debatido entre os correspondentes estrangeiros ainda é a estranha história do primeirio diretor da Berlinale, ex-membro do partido nazista, cujo mandato se prolongou por 25 anos.

Rui Martins, do Festival Internacional de Cinema de Berlim:
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A secretária da editora queria também ser escritora
O filme de abertura é My Salinger Year, de Philippe Falardeau com a conhecida atriz Sigourney Weaver. Um filme literário: a secretária da agência Margaret tem como emprêgo responder as cartas dos leitores enviadas ao autor culto, J. D. Salinger. Os filmes na principal competição começam amanhã, 21, entre o filme brasileiro Todos os Mortos de Caetano Gotardo e Marco Dutra. Alfred Bauer e seu passado nazista Enquanto, no Brasil, o presidente Bolsonaro não esconde seu namoro com o nazifascismo, a Alemanha de Angela Merkel faz questão de mostrar seu repúdio a qualquer tentativa de restauração da ideologia nacional-socialista de extrema-direita. Foi o caso da anulação das eleições na Turíngia, onde seu partido, CDU, tinha vencido com os votos dos neonazistas do partido Alternativa para a Alemanha. Foi também o caso, num âmbito artístico cultural de repercussão mundial, da anulação do Urso de Prata com o nome de Alfred Bauer, concedido há 33 anos pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim. Seria muito ingênuo imaginar não ter havido ninguém, nestes 75 anos depois do término da Segunda Guerra Mundial, que conhecesse o passado nazista de Alfred Bauer, homem de confiança de Goebbels no setor da propaganda e cinema.Bauer dirigiu a Berlinale durante 25 anos, de 1951 a 1976. Havia, sim, muita gente bem informada sobre o passado de Bauer – tanto que, em 1951, ao ser criado o festival de cinema em Berlim, houve protestos, tendo em vista seu trabalho no Reichsfilmkammer. Ironias da vida: foi um oficial americano judeu, Oscar Martay, quem convenceu as autoridades militares americanas a criar um festival internacional de cinema. E foi também por influência dos americanos (começava a época da guerra fria entre EUA e URSS) que se ignoraram as acusações levantadas contra Bauer de ter participado do regime nazista. Novas acusações contra Bauer surgiram em 1973, levantadas pelo historiador Wolfgang Becker, segundo as quais Bauer trabalhara na Diretoria de Cinema do Reich. As mesmas acusações ressurgiram feitas por Hans Blumenberg, em 1983; com Felix Moeller, em 1998; e com Tereza Dvorakova, mais recentemente, em 2008. Foram ignoradas pela imprensa nacional e internacional: não havia interesse político em se provocar uma crise na Berlinale, que o tempo transformara num festival de esquerda. Com o ressurgimento da ideologia nazista, as novas revelações do jornal Die Zeit chegaram, dessa vez, num momento politicamente adequado. Uma história mal contada Como nunca ninguém soube do passado nazista do criador do Festival Internacional de Cinema de Berlim? Foi um segredo bem guardado ou houve pessoas que preferiram não contar? É uma história digna de um filme de espionagem – o criador e primeiro diretor do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Alfred Bauer, tinha sido homenageado com a criação de um Urso de Prata com seu nome, destinado a um filme inovador. Isso em 1987. Houve, portanto, 32 Ursos de Prata com o nome de Alfred Bauer até o ano passado. Doloroso foi descobrir que ele mantinha estreitas relações com o regime nazista de Hitler antes do fim da Segunda Guerra. O impressionante é isso só ter sido descoberto em janeiro deste ano por investigações do jornal alemão Die Zeit, ou seja, 33 anos depois da morte de Alfred Bauer e 75 anos depois do fim da Segunda Guerra. Em janeiro, a nova direção do Festival escreveu a todos que ganharam o prêmio com o nome de Bauer explicando a situação. Não se sabe se algum dos contemplados devolveu a honraria e se o Festival pretende manter o prêmio de inovação no cinema, mas com outro nome. Ele foi entregue a conhecidos cineastas, como o polonês Andrzej Wajda, o chinês Zhang Yimou, os franceses Leos Carax e Alain Resnais, além do realizador português Miguel Gomes, em 2012. Por Rui Martins, de Berlim, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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