Bolsonaro e o crime organizado se confundem, em investigações sobre a milícia

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Publicado Domingo, 01 de Março de 2020 às 12:56, por: CdB

O ex-capitão da Polícia Militar Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do grupo de extermínio chamado ‘Escritório do Crime’, possível autor do atentado à vereadora Marielle Franco, e sua proximidade ao clã Bolsonaro têm sido alvo de suspeitas ainda mais graves.

 
Por Redação - do Rio de Janeiro
À medida que avançam as investigações sobre a extensão, o comando e as áreas de atuação dos grupos criminosos formados por integrantes das forças de segurança, do tráfico e do jogo do bicho, as chamadas ‘milícias’, o possível envolvimento do presidente da República e de seus filhos no apoio aos contraventores expõe uma fratura entre grupos de ultradireita, no Estado do Rio. Estaria em curso uma guerra entre o presidente da República e o governador do Estado do Rio, Wilson Witzel.
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Garcia, o Bidi, foi surpreendido pelos assassinos ao chegar ao condomínio de luxo em que morava, na Barra da Tijuca
A morte do ex-capitão da Polícia Militar Adriano da Nóbrega, apontado como integrante de um grupo de extermínio chamado ‘Escritório do Crime’, que teria cometido o atentado à vereadora Marielle Franco, assassinada há quase dois anos, tem sido alvo de suspeitas ainda mais graves, como aquela externada, neste domingo, em mensagem do ex-presidente da OAB-RJ Wadih Damous. O advogado estranha que a perícia aos 13 celulares de Adriano da Nóbrega não tenha ainda qualquer conclusão.

Cúmplice

"Na operação que resultou na morte do miliciano Adriano foram apreendidos 13 celulares. Estão de posse da polícia do Rio que anunciou seriam periciados. Já deu tempo mais que suficiente para a conclusão da perícia. A demora é para chantagear Bolsonaro? Witzel deve uma explicação”, escreveu Damous, em uma clara referência à disputa entre as alas neofascistas que disputam a cena política nacional. Nóbrega, que foi morto no início do mês em uma operação policial na Bahia, já integraria um grupo de contraventores no Rio de Janeiro, no mesmo ano em que recebeu homenagem do hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido/RJ). O miliciano também foi defendido publicamente, por Bolsonaro, na semana passada. A cumplicidade entre Nóbrega e o jogo do bicho consta no depoimento de 2008 do pecuarista Rogério Mesquita, um ex-colaborador do grupo de Waldemiro Paes Garcia, o Maninho, um dos chefes do jogo do bicho na capital fluminense. O teor das declarações foi vazado, neste domingo, à mídia conservadora.

Negócios ilegais

Mesquita confessou aos investigadores que indicou o ex-capitão, um amigo de sua família, para compor a segurança de Alcebíades Paes Garcia, o Bidi, irmão de Maninho, após a morte do contraventor e de seu pai, Waldomiro Garcia, o Miro, em setembro e outubro de 2004, respectivamente. Bidi foi morto na última terça-feira, por rajadas de metralhadoras, quando chegava ao condomínio onde morava, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da Cidade. O fazendeiro seria homem de confiança de Maninho e assumiu a gestão de bens da família após o assassinato do amigo. Ele não especificou, no entanto, a data em que indicou Nóbrega para a segurança de Bidi, que havia assumido parte dos negócios ilegais da família; mas disse ter ficado à frente do grupo por apenas quatro meses. Na época, Adriano teria participado mesmo estando preso, dando orientações para os seus comandados. "Quando Bidi resolveu assumir a fazenda, o declarante lhe disse que ele deveria se precaver e contratar um corpo de seguranças que pudessem lhe trazer mais tranquilidade", aponta o depoimento de Mesquita, vazado para a imprensa.

Na cadeia

O documento levanta mais dúvidas quanto à versão de Bolsonaro de que, quando Adriano foi condecorado a seu pedido, o ex-PM era considerado um herói. O ex-capitão recebeu a medalha Tiradentes de Flávio em junho de 2005 e foi defendido por Jair em discurso na Câmara em outubro do mesmo ano, após ser condenado por homicídio. — Isso (homenagem) aconteceu há 15 anos atrás (sic). As pessoas mudam. Para o bem ou para o mal — disse o presidente, há duas semanas. Em recente entrevista a um dos diários conservadores cariocas, o vereador Ítalo Ciba (Avante-RJ) afirmou que Flávio Bolsonaro visitou Nóbrega na cadeia, "mais de uma vez”, quando o ex-capitão esteve preso, entre 2004 e 2006. Ele foi acusado da morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24, assassinado em novembro de 2003.

Nada a declarar

Mesquita relata que, mesmo preso, Adriano recebia um salário de R$ 5 mil dos contraventores e indicava colegas policiais para proteger Bidi. Em novembro de 2006, quando foi solto, ele passou a exercer a função fora da cadeia, acumulando também a segurança de um genro de Maninho. Após a saída de Adriano da prisão, novos vínculos entre o ex-capitão e a família Bolsonaro se estabeleceram. O ex-PM teve dois parentes nomeados no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O ex-PM também foi citado na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPE-RJ) que apura a suposta prática da "rachadinha" no gabinete de Flávio na Alerj. Diante dos fatos, por meio de sua assessoria, Bolsonaro adiantou que não comentaria a investigação em andamento. O senador Flávio Bolsonaro também não respondeu aos pedidos de entrevista dos jornalistas.
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