Cinzas do carnaval de foliões e piratas

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Publicado Sexta, 12 de Fevereiro de 2016 às 10:25, por: CdB

Carnaval é a evolução da liberdade? a ilusão da liberdade? É a continuidade de uma tradição que em última instância é a revolta pagã, contra a ordem determinada pelos senhores do poder

Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro
Quarta-feira de cinzas: em algum lugar, velhas senhoras e suas mantilhas negras conduzem-se até à Igreja e a imposição das cinzas na testa, Perdão pelos pecados da carne, que não cometeram, arrependimento pelo malfeito não feito? Início da Quaresma, tempo de provações, isso sim, todos nós sabemos e todos nós provaremos. Calendário e ritual que não guardam qualquer relação com o nosso Carnaval que, antes de ser um festival do sexo, é festa do povo, que pode subverter a ordem social que o sufoca.
unnamed2.jpgMaria Fernanda Arruda é midiativista e colunista
Chico Buarque de Holanda é o pintor exemplar desse cenário: um povo que anda às cegas, ignorantes das transações nebulosas dos detentores do poder, a eles é dado um momento de alegria fugaz. "Uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval. Palmas para a ala dos barões famintos, o bloco dos napoleões retintos e os pigmeus do bulevar”. A evolução da liberdade? a ilusão da liberdade? É a continuidade de uma tradição que em última instância é a revolta pagã, contra a ordem determinada pelos senhores do poder. Nas festas medievais, festas dos loucos, elegia-se um "bispo", "Papa dos Loucos". Os clérigos dançam e pulam durante o ofício da missa e entoando canções lascivas. Adotam trejeitos indecentes e recitam versos torpes. Essa festa, catarse de um povo explorado o ano inteiro, comemora-se nas ruas, com as fantasias improvisadas, com música dos pandeiros e tamborins. Sua beleza é coletiva, não comporta destaques e alegorias. Sua realização máxima tomou forma de escolas de samba, com suas cores, compositores, sambas de enredo, comissões de frente, passistas exibicionistas de maravilhas. E assim a Cidade tornou-se o símbolo do Carnaval, sepultando os "corsos" da avenida Paulista, que enfeitavam a sobriedade bandeirante entre confetes e serpentinas. A consagração definitiva foi projetada por Oscar Niemeyer e construída pela Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), ela e a Prefeitura da Cidade (Riotur) são as responsáveis por tudo o que se refira ao grande espetáculo. Já foram seus presidentes Castor de Andrade e o Capitão Guimarães, mas hoje, modernizada e profissionalizada, ela é gerida por Jorge Luiz Castanheira Alexandre, sobre quem não existem condenações judiciais e nem suspeitas e nem críticas.
carnaval-bastidor.jpgO dinheiro corre solto nas avenidas do carnaval brasileiro
As escolas, entretanto, voltaram nos anos mais recentes às mãos da máfia controladora: Rogério Andrade, o Anísio da Beija Flor, Luizinho Drummond, Hélio de Oliveira, Wilson Vieira Alves, o Moisés, condenado a 23 anos de prisão, mas libertado pelo STF, criatura do capitão Guimarães. Para esses homens, esse ótimo negócio abre as portas para outros maiores, muitíssimo maiores.

Carnaval paulistano

A LIESA governa o carnaval oficial do Rio de Janeiro, em parceria com Eduardo Paes, camuflado pela Riotur, o prefeito que o PMDB trouxe do PSDB. Os senhores da Liga ganham prestígio e fama com suas escolas de samba. Impõem suas regras de famiglia sórdida, protegida pela Justiça do Supremo Tribunal Federal. Coragem só teve a juíza Denise Frossard. São os donos informais do Rio de Janeiro. O que ganha Eduardo Paes? Aceito pelos "capos", o prefeito do Rio de Janeiro conta com a proteção deles e faz os seus negócios, não só políticos. Em Salvador, o turista é transformado em "pipoca", pula e salta, correndo atrás dos trio elétricos, devidamente enfardado no abadá que comprou e pagou bem pago, protegido de intrusos por cordas, sob vigilância dos "cordeiros". Em 2016, o prefeito ACM vendeu o carnaval oficial a uma marca de cerveja, proibindo o consumo de qualquer outra, numa expressão perfeita de seu elitismo que o DEM injeta nos seus líderes. Parabéns São Paulo, prefeito Haddad abriu as ruas para o povo, para que fizessem o seu carnaval, proibindo a imposição de abadás e eliminando as cordas segregadoras. Não se esqueçam as escolas de samba, os desfiles, os cacoetes copiados do Rio de Janeiro. Mas o que seria monopólio passa a ter concorrência de alguns milhões de paulistanos que puderam promover a sua "catarse" com liberdade de ir e vir e tomar a cerveja de sua preferência. Não se trata apenas do Carnaval, o que já seria de bom tamanho. Mas de uma política de respeito à cultura que o povo sabe fazer, o que, vale a pena lembrar, no plano da União, vem sendo feito com competência pelo Ministro da Cultura, uma voz que clama no deserto de Brasília. E então: se adentramos pela Quaresma, tempo de meditações, que se pensem sobre dois temas: o da sordidez da política brasileira, que convive e é conivente com a Máfia ; e o da necessidade de respeito e apoio à cultura popular. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasilsempre às sextas-feiras.
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