Divisão entre militares se acentua frente o discurso de apoio à ditadura

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Publicado Domingo, 01 de Março de 2020 às 12:08, por: CdB

O palavrão dirigido ao Congresso, em um desabafo do general Heleno, foi suficiente para expor o desconforto da ala legalista das Forças Armadas, comprometida com a democracia, e os radicais que integram o governo.

Por Redação - de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo
Um murmúrio ainda. Debatido em voz baixa durante os encontros do alto comando militar brasileiro, o efeito das declarações extremadas por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, tem elevado a tensão em um dos poucos pilares de sustentação do governo de extrema direita, em curso há pouco mais de um ano.
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O general Santos Cruz tem externado o desconforto entre o alto oficialato e parcela do governo Bolsonaro
O palavrão dirigido ao Congresso, em um desabafo do general Heleno, foi suficiente para expor o desconforto da ala legalista das Forças Armadas, comprometida com a democracia, e os radicais que integram o governo, levando o país a uma crise institucional sem precedentes nas últimas décadas. Parte dos militares ‘garantistas’ da Constituição, no entanto, também encontram espaço no governo, o que eleva a especulação quanto a um possível expurgo, adiante, seja daqueles que concordam com Heleno e pregam o fechamento do Legislativo e do Judiciário, seja de quem discorda da ameaça de um novo golpe de Estado, no país.

Falastrão

Ao se posicionar ao lado dos manifestantes, que sairão às ruas do país no próximo dia 15, em atos contra parlamentares e ministros da Suprema Corte, o general Heleno revelou também o posicionamento do presidente Bolsonaro, flagrado pela jornalista Vera Magalhães, do diário conservador paulistano O Estado de S. Paulo, em vídeos no qual convoca para os atos públicos golpistas. — Bolsonaro é um falastrão. Poucos militares, nas fileiras, conferem um mínimo de credibilidade ao que ele diz. Exceto se o que ele prega conta com o apoio de um setor vigoroso das Forças Armadas, que é a linha dura, favorável a um regime mais fechado. É o que está acontecendo agora, com a influência do general Heleno — disse um militar de alta patente por telefone, em condição de anonimato, à reportagem do Correio do Brasil, neste domingo. Heleno, que acionou a sua metralhadora giratória na direção do Congresso ao sugerir que deputados e senadores tentam solapar o governo Bolsonaro e instalar um regime semi-parlamentarista, conseguiu azedar o entendimento também com o Supremo Tribunal Federal (STF), alvo dos manifestantes em prol da ditadura. Quando se esperava que o chefe do GSI se desculpasse, publicamente, por ofender o regime democrático, o militar adicionou mais gasolina ao incêndio causado pela série de vídeos divulgados por Bolsonaro, nas redes sociais.

Ambiente agitado

Quase um porta-voz dos militares “garantistas’, o general de Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz, que deixou o governo Bolsonaro há oito meses, em meio a um processo doloroso de fritura, tem acompanhado de perto a cena política. Presença sempre notada nos encontros dos colegas de farda, Santos Cruz está longe de guardar silêncio sobre a percepção do momento grave em que vive o país. Em entrevista ao site de notícias norte-americano HuffPost, na sexta-feira, o militar critica, abertamente, a iniciativa de Bolsonaro na questão dos vídeos em que convoca para a mobilização contra os demais Poderes da República. Santos Cruz afirmou que a ação do presidente cria um “ambiente bastante agitado” e que “sem dúvida não faria da mesma forma”. — O problema é esse. O presidente não é uma pessoa. Ele é uma instituição. Então, tudo o que ele faz tem um reflexo muito forte. Ele é o Poder Executivo, ele é uma instituição nacional, é uma pessoa que tem todas essas imagens. (Esse tipo de ação) Cria um ambiente bastante agitado para aqueles que acompanham — disse o general ao HuffPost.

Ditadura

“Alvejado da Secretaria de Governo da Presidência após fritura nas redes sociais orquestrada pelo guru ideológico do governo, Olavo de Carvalho, e apoiada por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, o general avalia que os apoiadores do presidente que transitam pela internet ‘tumultuam’. À CPI das Fake News, o ex-funcionário do governo classificou fritura como a ‘escória do comportamento político”, afirma o site. Quanto aos protestos convocados para o próximo dia 15, Santos Cruz afirma que “esses extremismos” causam “agitação” e “perturbam”. Segundo a publicação, “esse foi um dos motivos pelos quais o general correu para se manifestar sobre o uso da imagem de quatro militares fardados, entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão, e o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), em um banner chamando para a manifestação. Nele, há porém, uma mensagem a mais: ‘os generais aguardam as ordens do povo”. — Você pegar fotografia de quatro generais fardados, para as pessoas que não têm conhecimento, parece que uma Força Armada inteira está comprometida com aquilo. Você quer criar uma ideia institucional, de que tem uma instituição militar, de que os militares estão envolvidos como instituição. Isso está errado. Isso é falta de responsabilidade — criticou o general, enquanto expõe a clara divisão no oficialato.

Sem sentido

Nos vídeos disseminados por Bolsonaro, ele apoia integralmente as agendas golpistas, que vão desde “fora Maia e Alcolumbre” até o fechamento do Congresso e o retorno do regime militar. Para Santos Cruz, a proposta de uma nova ditadura soa como “uma ideia aventureira”. — Não posso falar pelo Exército, muito menos pelas Forças Armadas, mas o pessoal que está lá é muito bem preparado. Esse anseio de militar no poder é um negócio que não tem sentido —concluiu.
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