O exercício de um direito cósmico

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Publicado Quarta, 01 de Fevereiro de 2017 às 11:39, por: CdB

Segundo o relator desse sistema, o britânico Adam Smith, “todos podem ter razão, mas nem todos podem ter razão ao mesmo tempo”. Quero essa razão hoje porque tenho direito, porque completo 57 anos

 

Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro

 

Hoje é meu aniversário. Único dia do ano que o ateu sem vergonha que sou se concede o direito de celebrar o simples fato de estar vivo. Nessa época e nesse planeta. Combinei isso com o Cosmo, depois de muita reflexão. É um dia em que me permito dizer, sem nenhum rodeio, que — na condição de um ponto micronésimo na escala universal — considero a sociedade capitalista o extrato da mais pura selvageria.

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Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil

Segundo o relator desse sistema, o britânico Adam Smith, “todos podem ter razão, mas nem todos podem ter razão ao mesmo tempo”. Quero essa razão hoje porque completo 57 anos. Porque trabalho desde os 16 anos e nunca vou me aposentar. Talvez peça, nos últimos estertores, alguns segundos a mais para completar o raciocínio do texto. E, com sorte, chegar ao ponto final.

'Goiabas'

Ao longo destes 41 anos ininterruptos no exercício do Jornalismo, fiz do meu trabalho um aprendizado contínuo. E rendo, aqui, um ‘Salve!’ imenso aos meus mestres, em sinal de respeito à sabedoria e à técnica, ferramentas sem as quais não chegaria até a esquina. Sem eles, e a precisão científica que sempre me exigiram na lida com os fatos, sem esquecer a paixão sem limites pela busca da verdade e o amor imenso pela Humanidade, teria mudado de profissão.

Dito isso, retomo meu direito autoconcedido. Digo que, sem uma profunda revolução na sociedade brasileira, tudo o que vivemos hoje, no país, será o que sempre tivemos. Um Brasil dividido entre a estupidez e a violência de uma parcela abastada na tentativa de manutenção de seus privilégios. E, do outro lado, milhões de seres humanos, imersos na ignorância, muitas vezes no analfabetismo. Extasiados com as meras ‘goiabas’, como traduzem os marinheiros sobre coisas sem valor mas práticas e úteis, às vezes, concedidas para alegria geral. Alienados por ondas em série de mensagens fúteis e dramáticas, espalhadas por tantos meios de comunicação a que os privilegiados tiverem acesso para disseminar o imobilismo daqueles que podem ameaçar suas heranças.

Na resistência

Mas chego a esta idade perplexo. Distante da minha cidade querida, Resende, no sul do Estado do Rio, onde escrevi aos 17 anos um artigo publicado no valoroso jornal Movimento, ainda na ditadura civil-militar de outrora, percebo que o rito golpista se repete. E, mais uma vez, encontro-me na resistência. Sigo ao lado de bons companheiros. Mas constatamos, todos, que as medidas paliativas adotadas ao longo de décadas, na vã tentativa de misturar água e óleo, apenas alimentaram os corvos. Estes mesmos que hoje arrancam os olhos e a consciência daqueles milhões de brasileiros e os abandonam à própria sorte. Não há como contemporizar.

Quando completei 40 anos, após conhecer a realidade do Jornalismo brasileiro nas mais diferentes redações, adquirida a experiência necessária e mareado com tamanho cinismo dos tubarões da mídia, fundei um jornal diário. Fui louco a tal ponto. Desde então, mantemos a linha editorial equidistante e sóbria no noticiário. Nossos leitores mais antigos podem comprovar. E sempre com espaço aberto às esquerdas na Opinião, sem nos desviar um milímetro sequer ao longo de 17 anos. Desde sempre, o Correio do Brasil tem sido uma trincheira contra a iniquidade.

Direito

Quando se beira os 60 anos, faixa limite dos seres humanos para a velhice, tenho que dizer da minha intenção de seguir em frente. Vamos adiante, aqui no velho CdB, ainda que sob o fogo de barreira das crises impostas pelas forças das trevas. Estas que insistem em nos levar de volta aos períodos mais sombrios da nossa História.

Em outras palavras, se tudo der certo, ainda vão ter que me aturar por mais algumas décadas.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.

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