Para pacificar o país é preciso distensionar as relações pessoas e sociais, desinterditar o debate, descriminalizar as instituições democráticas e os agentes políticos, praticar a tolerância política, fortalecer a cidadania e fugir da mania de transformar divergência em agressão.
Por Antônio Augusto de Queiroz – de São Paulo

Como regra, pela natureza das relações em comunidade, temos mais convergência que divergência. Entretanto, temos a propensão de priorizar a divergência em detrimento da convergência. Precisamos controlar nossos instintos “primitivos”. Somos seres humanos.
Se países com interesses antagônicos mantêm relações diplomáticas e negociam acordos e tratados internacionais, porque os brasileiros, que falam a mesma língua, habitam o mesmo território, têm interesses semelhantes, não conseguem se relacionar civilizadamente? Algo está muito errado! Evidentemente que nações desenvolvidas também são submetidas a situações semelhantes.
Desinterditar o debate, por sua vez, passa por priorizar os conteúdos em substituição aos meros julgamentos morais. Devemos identificar os problemas comuns, propor soluções e não apenas apontar supostos culpados.
Uma das principais motivações da interdição do debate é que os brasileiros, em lugar de priorizarem o diálogo sobre políticas públicas que possam resultar em justiça, em igualdade e em liberdade, preferem explorar reações e emoções, ampliando a polarização.
Como para o senso comum é mais fácil a compreensão de temas polêmicos (como família, religião, futebol e patriotismo), do que de outros mais complexos (como macroeconomia, compreensão do funcionamentos das instituições e da própria democracia), os líderes populistas se aproveitam dessa situação para inserir suas visões de mundo na mente das pessoas.
O diálogo
Quem, em sã consciência, poderia ser contra, por exemplo: a) a políticas de proteção social: b) a utilização dos recursos públicos para combater desigualdades regionais e de renda; c) a inclusão social de vulneráveis e excluídos?
Com calibragem na linguagem é perfeitamente possível, sem abrir mão de valores e convicções, dialogar e conviver, pacífica e amistosamente, com a diversidade, bastando que respeitemos a opinião alheia.
Vivemos um momento de muita intolerância política, com esquerda e direita, situação e oposição se hostilizando reciprocamente. Precisamos desenvolver a capacidade de controlar nossos impulsos, controlar nossa cólera e não nos deixar envenenar por palavras.
Desde as manifestações de 2013, quando os brasileiros já vinham externando, de modo mais ostensivo, suas divergências sobre a condução do País, e isso se ampliou nas eleições de 2014, chegando ao apogeu durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma.
A eleição de Jair Bolsonaro acirrou ainda mais os ânimos e a divisão entre os brasileiros, que se assumiram com os rótulos de esquerda e direita, sendo considerados de esquerda os defensores dos governos do PT e também os que discordam do atual governo e de direita, a maioria dos adeptos do antipetismo e os Bolsonaristas.
A percepção de degradação moral do País, exposto de modo ostensivo pela Lava-Jato, e agravada pelas fake news, de um lado, e a facilidade de comunicação, via redes sociais, de outro, potencializaram esse comportamento de torcida entre os brasileiros.
Lava-Jato
Os dois ingredientes necessários para alimentar e difundir o conflito estavam presentes: a mensagem, no caso a suposta degradação moral do Brasil associada a um partido de massas, e o meio, no caso a internet.
O fenômeno da internet, com acesso fácil e gratuito, deu voz aos ignorantes (incultos, broncos ou boçais) que, sentindo-se empoderados, se tornaram arrogantes e formaram verdadeiros exércitos digitais para espalhar boatos e notícias falsas, por desconhecimento ou má-fé.
Aliás, a mistura de arrogância com ignorância, que Roberto Campos, economista, ex-senador, ex-deputado e ex-ministro do Planejamento do governo Castello Branco, para se referir pejorativamente à esquerda, chamava de “arrognância”, tomou conta das redes sociais e agora é quase monopólio da direita bolsonarista.
Essa é uma junção perigosa, que pode levar ao autoritarismo, especialmente quando estimulada pelos governantes de plantão. Por isso é urgente conter esse movimento insano. E para isto, a senha é a tolerância.
Tolerância
Nessa perspectiva, é preciso paciência, tolerância, didatismo e abordagem amigável. Ou seja, é necessário que sejam respeitadas, além da deficiência de formação, as diferenças culturais (que inclui os valores, costumes e comportamentos) para que se tenha uma convivência saudável.
Outra forma eficaz de enfrentar o impasse instalado é investir no fortalecimento da cidadania e da educação. E a cidadania traduz a ideia de participação do cidadão em todos os aspectos políticos da sociedade, em especial na construção e usufruto de direitos, o que pressupõe não apenas conhecimento sobre o Estado, suas instituições políticas e as leis, mas também a consciência das obrigações. A boa educação sustenta o crescimento social e econômico, pois sem uma boa base educacional não há desenvolvimento sustentável.
Ser cidadão é, antes de tudo, ter consciência política e fazer valer seus direitos e cumprir seus deveres. Não pode ser considerado cidadão, no sentido literal do termo, quem bate no peito e se orgulha de negar a importância da política e o papel do Estado, que tem a função de regular a relação entre as pessoas e entres estas e as instituições, públicas e privadas.
A política foi a invenção mais criativa da humanidade, porque permite mediar e resolver, de forma pacífica e democrática, os conflitos e contradições que o indivíduo, na sociedade, não pode nem deve avocar para si, sob pena de retorno da barbárie.
As conquistas
O Estado, por sua vez, detém os monopólios: 1) de impor conduta e punir seu descumprimento (o direito de uso legítimo da força, da violência, para fazer valer suas decisões, 2) de legislar (fazer leis obrigatórias para todos e para cada um, seja criando direitos, seja impondo deveres, e 3) de tributar (arrecada compulsoriamente de toda a sociedade).
Esse ambiente de disputa, de negação da política, das instituições e dos agentes políticos, não produzirá prosperidade, esperança nem confiança ao povo, só desalento. Enquanto não inventarem outra forma de organização social, caberá ao Estado, por intermédio da política, mediar as relações e organizar a vida em sociedade.
As instituições do sistema político são fundamentais e precisam ser valorizadas porque, além de mediar conflitos e intermediar demandas da sociedade, tem a finalidade de: a) satisfazer necessidades humanas, b) estruturar as interações ou relações sociais, e c) determinar, mediante regulação, os processos de tomada de decisão.
O pluralismo
Vencedores comemoram e governam, mas precisam respeitar àqueles que representam correntes minoritárias de pensamento. Também os derrotados devem reconhecer os vencedores, recompondo suas forças e fazendo oposição, com responsabilidade para garantir conquistas histórias e com pensamento voltado sempre à coletividade.
É preciso, portanto, em nome da unidade nacional, do interesse do povo brasileiro, pacificar as relações e desinterditar o debate. É preciso adotar a cultura de acender uma vela em lugar de condenar à escuridão.
Antônio Augusto de Queiroz , é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil