Fim da restrição social coloca mortes da Covid-19 na conta de Bolsonaro

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Publicado Sexta, 27 de Março de 2020 às 14:58, por: CdB

O médico sanitarista, professor universitário e ex-ministro da Saúde no governo da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT), Arthur Chioro, avalia o cenário da pandemia, no Brasil, com “muita preocupação”.

Por Redação - de Brasília e São Paulo
Enquanto o vírus Sars-CoV-2 evoluia para mais de 70 vítimas fatais e cerca de 3 mil pessoas infectadas nesta sexta-feira, em todo o país, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) investe pesadamente no isolamento vertical — que afasta do convívio social apenas os grupos de risco —, uma solução que, na Itália, foi responsável pela perda de milhares de vidas. A medida tem sido repudiada por governadores e autoridades médicas.
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Bolsonaro fez uma aparição pública, nesta sexta-feira, para anunciar medidas contra a pandemia
O médico sanitarista, professor universitário e ex-ministro da Saúde no governo da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT), Arthur Chioro, avalia o cenário da pandemia, no Brasil, com “muita preocupação”. O ex-ministro confirma que estamos reproduzindo a mesma tendência identificada em países europeus, na China e no Irã no início da pandemia e defende a manutenção das medidas de restrição social. — Nós não estamos vivendo uma situação tranquila, não estamos vivendo uma situação diferente daquela da Itália e Espanha e de outros países. Portanto, com qualquer medida de volta à normalidade, muito provavelmente reproduziremos a tragédia que foi e está sendo a pandemia na Itália e na Espanha — destaca Chioro. A preocupação do médico sanitarista leva em conta a posição de Bolsonaro, que, ao longo desta semana, contrariando as diretrizes e recomendações do próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), pediu em pronunciamento nacional a “volta à normalidade” e o fim da ordem de isolamento social, uma vez que a doença Covid-19 não “passaria de uma gripezinha”.

Nota de repúdio

Na véspera, sete ex-ministros da Saúde divulgaram nota repudiando as declarações de Bolsonaro minimizando a pandemia, e pontuaram que, no país, “há três grandes inimigos para se combater”: a emergência sanitária, a criação de medidas econômicas que reduzam o impacto da pandemia principalmente sobre os mais pobres, e o próprio Bolsonaro. “Além dessas duas frentes, que já são por demais desafiadoras, nós temos que lidar o tempo inteiro em tentar neutralizar a bestialidade do presidente da República e de parte dos seus seguidores”, avalia. Economia Em nota, os ex-ministros da Saúde contestam a utilização da máquina governamental e dos recursos públicos para a produção de vídeo “conclamando as pessoas a desobedecerem todas as indicações e diretrizes do isolamento social”, e destacam que Bolsonaro será denunciado à OMS e à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pela campanha de desinformação, que já estimulou mensagens pelo Whatsapp, com grupos de seguidores pedindo a reabertura de comércios e até organizando carreatas. — É uma absoluta irresponsabilidade, não vejo como nós conseguiremos enfrentar adequadamente, reduzir o número de mortos e o sofrimento das famílias e encontrar soluções econômicas com essa postura inconsequente — ressalta Chioro. O ex-ministro ainda aponta o raciocínio de “volta à normalidade” como uma atitude “mesquinha, tacanha, um caminho para o desastre anunciado”. De acordo com o OMS, o número de mortos em decorrência do coronavírus já ultrapassa os 20 mil em todo o mundo. — Hoje, efetivamente, o nosso presidente da República não governa mais, governa para uma pequena minoria de lunáticos, de pessoas que, infelizmente, não percebem que não pode haver dicotomia entre saúde e economia. Neste momento, é preciso salvar as vidas primeiro e, ao mesmo tempo, ir encontrando soluções para minimizar o prejuízo que a pandemia já causou no mundo para que os países possam sair rapidamente desta crise. Mas, acima de tudo, é preciso proteger a vida, particularmente das pessoas mais vulneráveis, da classe trabalhadora, que sequer conseguem ter um emprego formal — afirma Chioro. O exemplo de Milão Um movimento semelhante ao que o presidente Bolsonaro pede, de fim do isolamento social, ocorreu em Milão, na Itália, onde o prefeito da província, Giuseppe Sala, apoiou a campanha intitulada “Milão não para”. O gestor, no entanto, admitiu há algumas horas que errou na decisão. Hoje, a cidade é a mais atingida pela doença no país, com 32.346 casos de pessoas contaminadas e 4.474 óbitos, de acordo o último com balanço da Defesa Civil. — Era exatamente o mesmo tom que Bolsonaro coloca nesse momento, e (teve) uma repercussão extremamente trágica. Nós estamos com 14 casos para cada 1 milhão de habitantes. A epidemia já explodiu de tal maneira, por exemplo, na Itália e na Espanha, que já está na ordem de 1.300 casos para cada 1 milhão. Mesmo nos Estados Unidos já está chegando a 260 casos para um milhão de habitantes. Então, muito rapidamente, as pessoas vão ter vizinhos, parentes e pessoas queridas sucumbindo em função do Covid-19 se nós não mantivermos o isolamento para abalar a curva de surgimento, segurar a força de intensidade — explica.

Mourão

Não há consenso quanto às medidas sugeridas por Bolsonaro nem mesmo na alta cúpula do governo. Ministros militares e o general Hamilton Mourão (PRTB) posicionaram-se favoráveis ao contigenciamento total da população. Mourão tem, por isso, sofrido a censura do mandatário neofascista, que o desautorizou, na noite passada, por defender o isolamento social no combate à pandemia de coronavírus. — O presidente sou eu, pô. O presidente sou eu. Os ministros seguem as minhas determinações. E o Mourão tem ajudado bastante, colaborado, dado opiniões, é uma pessoa que está do meu lado ali. É o reserva de vocês. Se eu empacotar aí, vocês vão ter que engolir o Mourão. É uma boa pessoa, podem ter certeza — disse Bolsonaro em conversa com jornalistas diante do Palácio da Alvorada, nesta manhã. Mourão disse que a posição oficial do governo é o isolamento social e que Bolsonaro se expressou mal. — A posição do governo por enquanto é uma só, a posição do governo é o isolamento e o distanciamento social — disse o vice.
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