Hoje, direto da Bulgária

Arquivado em:
Publicado Terça, 10 de Maio de 2016 às 12:00, por: CdB
Por Rui Martins, de Sófia, na Bulgária:
DIRETO-RUI-MARTINS.jpg
Depois da tentativa de golpe frustrada do deputado Maranhão, os europeus não entendem mais nada das artimanhas políticas brasileiras Na Bulgária, Dilmah é marca de chá vendido nos supermercados
Por pura coincidência, tinha comprado a passagem há mais de quatro meses, me encontro na Bulgária, a convite de amigos, país com forte tradição religiosa, desde o século VII, onde estiveram missionários cristãos ainda no princípio do cristianismo. Igrejas, conventos, monumentos, placas acentuam esse passado búlgaro. Depois de ter se libertado do Império Otomano, em 1878, sob cujo domínio estivera desde o século XIV, a Bulgária lutou com os alemães na Segunda Guerra mundial e derrotada se tornou parte da URSS, em 1946. Em 1990, com a implosão soviética, a Bulgária realizou eleições gerais, deixando de ser país comunista, aderindo à OTAN em 2004 e à União Européia em 2007. Como parte da União Européia, que vem ajudando na implantação de infraestruturas, a Bulgária felizmente ainda não sofreu o impacto do liberalismo, nem mesmo no turismo. Sofia é uma cidade acolhedora, bem arborizada, sem prédios altos, diferente, portanto, da maioria dos outros países europeus ocidentais. Foi aqui em Sofia, que no Brasil se diz Sófia, que li ontem o despacho urgente do Le Monde dando conta da decisão do presidente interino da Câmara Federal de anular a votação pelo impeachment da presidente Dilma. Mas hoje ao despertar havia uma correção, não do noticiário do Le Monde, mas do próprio deputado Waldir Maranhão, cuja absurda decisão tinha sido ignorada pelo presidente do Senado Renan Calheiros.
Dilmah.jpe
Não sei se vocês aí no Brasil podem avaliar, mas esse tipo de amadorismo institucional guiado politicamente tem uma péssima repercussão internacional. Torna-se visível como os jornais europeus sentem-se indecisos ao noticiar o que se passa no Brasil, pois esse tipo de jogo e artimanha são desconhecidos por aqui. Na minha longa experiência de correspondente não me recordo de marcha à ré desse tipo. Podem ocorrer retiradas de projetos pressionados pela pressão popular, porém não anulação de decisões já votadas e ratificadas pela maioria da Câmara, mesmo num grande show político, como ocorreu recentemente no Brasil, transmitido pela televisão. Em outras palavras, o presidente do Senado falou certo, quando recusou participar da brincadeira, pois para os observadores europeus a realidade política brasileira não é mais para ser levada a sério. E aquela batida e tão citada frase atribuída ao general De Gaulle, em 1965, de que o Brasil não é um país sério, volta à atualidade. Brasil, terra do carnaval, como diria Jorge Amado. E ocorre também um absurdo – se os seguidores de Dilma alardeiam estar havendo um golpe, impossível de se ver mesmo com lupa, é o próprio governo de Dilma que sorrateiramente tenta dar um golpe nas instituições e reforçar o descrédito popular no Legislativo.  O populismo petista ou dilmista quer solapar consciente ou inconscientemente as bases da democracia, pela qual  lutamos durante os anos da ditadura militar ? Uma bem informada colunista do Estadão já havia também denunciado uma outra tentativa anterior de golpe, programada no STF mas abortada, faz apenas quatro dias, pelo ministro Teori Zavascki, que seria justamente essa de considerar nulos os últimos atos do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao confirmar sua destituição da Câmara dos Deputados, para acabar com efeitos da votação pelo impeachment e reconduzir a questão ao ponto de partida. Essas duas tentativas de golpe em nossas instituições não conseguiriam evitar mas simplesmente adiar o impeachment, prorrogando uma situação insustentável para o Brasil. Estava eu visitando a  antiga igreja de Bojana, aqui em Sófia, famosa por suas antiquíssimas pinturas religiosas cristãs, quando um dos responsáveis pelo controle de visitantes, me sorriu e citou Dilma Rousseff, ao saber ser eu correspondente brasileiro. Ele estava a par do impeachment e me contou ser Gabrovo, a terra do pai de Dilma, distante uns 130 quilômetros daqui de Sófia, uma cidade industrial, dirigida por uma prefeita. Mais tarde, num passeio pela cidade, vi que o nome de nossa ainda presidente deve ser bastante usado pelos búlgaros, havendo mesmo uma marca de chá, com um « h » a mais, Dilmah. Chá calmante, por certo. Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle. Editor do Direto da Redação.
Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo