Justiça proíbe repressão a mensagens políticas na Rio 2016

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Publicado Terça, 09 de Agosto de 2016 às 06:58, por: CdB

Juiz libera manifestações pacíficas, destacando que Lei Olímpica proíbe apenas protestos de caráter racista ou xenófobo. Tema divide especialistas quanto à liberdade de expressão e manutenção da ordem nos Jogos

Por Redação, com DW - de Brasília:   Após críticas nas redes sociais e revolta de torcedores e voluntários no último fim de semana, um juiz federal do Rio de Janeiro deu uma decisão liminar que proíbe a repressão e retirada de manifestantes dos Jogos Olímpicos, liberando manifestações pacíficas durante o evento.
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A decisão de proibir a repressão, anunciada pelo juiz João Augusto Carneiro Araújo na segunda-feira, foi uma resposta a um pedida do Ministério Público Federal Trengrouse: "A liberdade de expressão não atrapalha em nada o espírito olímpico"
Nos primeiros dias dos jogos Rio 2016, torcedores foram retirados das arquibancadas por forças de segurança por carregarem cartazes ou camisetas contra o governo do presidente Michel Temer. Apesar de serem manifestações pacíficas, a organização das Olimpíadas disse que mensagens e faixas com conteúdo político estão proibidas nas áreas de competição. A decisão de proibir a repressão, anunciada pelo juiz João Augusto Carneiro Araújo na segunda-feira, foi uma resposta a um pedida do Ministério Público Federal contra a União, o Estado do Rio e o Comitê Organizador da Rio 2016. Na opinião do Ministério Público, a atitude de impedir espectadores dos jogos de exibir cartazes e camisetas com mensagens políticas passa por cima do princípio constitucional da liberdade de expressão. Da mesma maneira, alguns especialistas veem as medidas como repressivas. "Vivemos um processo de cerceamento da liberdade de expressão no país. É uma tentativa das autoridades públicas de suprimir o discurso que lhes desagrada", diz o professor de direito Rubens Glezer, da FGV. O especialista em direito e marketing esportivo, Pedro Trengrouse, que foi consultor da ONU para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, considera que ao reprimir mensagens políticas, o Comitê Olímpico passa por cima de várias garantias constitucionais. "Eles fecham aeroporto, criam uma faixa olímpica nas ruas, restringem a liberdade de ir e vir. Se o governo deixar, eles fazem tudo", diz Trengrouse, que também é professor da FGV. O Comitê Organizador afirma que a proibição de protestos políticos está prevista na "Política do Espectador da Rio 2016" e na Carta Olímpica, conjunto de regras sobre o funcionamento dos jogos. E há especialistas que concordam que os organizadores têm o direito de estabelecer tais regulamentos por se tratarem de eventos esportivos privados. – É como uma apresentação artística em que você só entra de smoking. Se você não concorda com as condições, não compre o ingresso. É uma relação de direito privado – aponta o professor da PUC-SP Jorge Radi, especialista em direito constitucional. Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes defendeu a retirada dos manifestantes. "É uma vedação legal e administrativa, que não existe só pelo Comitê Olímpico Internacional, também a FIFA havia obtido isso. (...) Existe inclusive em outros jogos, no Campeonato Brasileiro e Paulista. Não pode ser confundido com qualquer restrição à liberdade de expressão e manifestação", afirmou. Os defensores da medida afirmam que ela também estaria garantida pela lei 13.284, conhecida como Lei Olímpica. Sancionada em maio pela presidente afastada Dilma Rousseff, a lei veta mensagens ofensivas ou que estimulem a discriminação e é similar à criada para a Copa do Mundo de 2014. O juiz João Augusto Carneiro Araújo, no entanto, destaca que lei não veta "a manifestação pacífica de cunho político através de cartazes, uso de camisetas e de outros meios lícitos nos locais oficiais dos Jogos Olímpicos", mas proíbe somente manifestações de caráter racista ou xenófobo. Reprimir as manifestações "afronta o núcleo inviolável do direito fundamental da liberdade de expressão", reitera em sua decisão. Por se tratar de uma liminar de primeira instância ainda cabe recurso a instâncias superiores. E como diz respeito a um tema da Constituição, é possível que o caso venha a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Segurança x liberdade de expressão

Especialistas contrários à repressão afirmam que um cartaz com a mensagem "fora Temer" não se encaixa em nenhuma das categorias descritas pelas normas. "Não é conteúdo ofensivo, nem discriminatório", diz Glezer. Além disso, a própria lei contém um artigo que protege os direitos civis: "É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana."
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Glezer explica que a regra tem o objetivo de garantir a segurança e deve ser usada apenas com esse fim. "Você só pode proibir manifestações que possam gerar conflito entre torcidas, que agravem a insegurança. A lei não é para coibir manifestação pacífica, que não atrapalha a competição. A própria lei resguarda esse direito", afirma. Por outro lado, o presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo, Luiz Marcondes, afirma que o direito à segurança também está previsto na Constituição. "O que é mais importante? Manter a ordem ou proteger a liberdade de expressão?", questiona ele, que também é membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-SP. Marcondes cita como exemplo duas manifestações que ocorrem na mesma rua. Nesses casos, as autoridades costumam proibir a realização simultânea dos protestos. Em um estádio, ressalta ele, não é possível separar as manifestações e permitir que as duas ocorram. Marcondes reconhece, entretanto, que a questão é polêmica, até porque a definição do que é ofensivo pode ser muito subjetiva. "Se o país não estivesse tão polarizado politicamente e vivendo um impeachment, talvez esses cartazes pudessem ser mantidos. Mas hoje eles têm um potencial de gerar desordem, então, o ideal é que sejam retirados", diz.

Espírito olímpico

Outra razão apontada pelo Comitê para impedir manifestações é que a medida visa proteger patrocinadores. Segundo a organização, as empresas que investiram nos Jogos não querem ter a imagem associada a conflitos políticos ou religiosos. Além disso, afirmam que as Olimpíadas devem promover a inclusão e a união, e as manifestações políticas romperiam com esse princípio. Radi considera a afirmação razoável. "Eles buscam, assim, certa isenção. Por isso também as marcas não podem ficar expostas nas arenas olímpicas", diz. Trengrouse rejeita essa ideia. Ele acredita que a suposta neutralidade política até pode ser válida para os organizadores e atletas, mas não para o torcedor. – A liberdade de expressão não atrapalha em nada o espírito olímpico. Que o comitê não faça manifestações políticas e oriente seus atletas a não fazer é compreensível, mas querer impedir o cidadão de emitir a sua opinião, sem que isso atrapalhe em nada a competição esportiva, é um absurdo – diz. Trengrouse afirma também que houve uma série de quebra de protocolos, mais graves, nos jogos do Rio. Ele cita como exemplo o fato do prefeito Eduardo Paes (PMDB) ter carregado a tocha olímpica, apesar da restrição anterior da organização a políticos. – Eles relevam no caso das autoridades e punem o cidadão, que é a parte mais fraca. A pessoa leva um cartaz de "fora Dilma" ou "fora Temer" e é retirado à força por cinco homens da força nacional. É um exagero – aponta.
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