Lula não nasceu para ser o Cavalo de Tróia

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Publicado Sexta, 11 de Novembro de 2016 às 12:12, por: CdB

Luis Inácio Lula da Silva surgiu em 1975, como comandante de um movimento sindical novo. Isso é, desvinculado por completo do sindicato criado à sombra do Estado, descompromissado politicamente. Para ele, "os sindicatos existem para defender os seus associados, e não para fazer política

 

Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro

 

Pouco tempo depois de construída e inaugurada, Brasília foi ocupado pela Ditadura que, preocupada em preservar-se, tratou de isolar-se na NovaCap, dando início à construção de uma muralha que a defendesse e para isso usando da censura que permitia ao mesmo tempo a negação da verdade e a criação de uma ficção. Os senhores de Brasília, os militares e os civis asseguraram-se com a impunidade dos que são postos acima de qualquer suspeita e lei.

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se pronunciou quanto a possibilidade de novas eleições

Luis Inácio Lula da Silva surgiu em 1975, como comandante de um movimento sindical novo. Isso é, desvinculado por completo do sindicato criado à sombra do Estado, descompromissado politicamente. Para ele, "os sindicatos existem para defender os seus associados, e não para fazer política. Os operários têm os seus interesses e os interesses dos políticos e dos estudantes são outros. O objetivo é lutar por condições de vida melhores, sendo necessário acabar com o “confisco salarial”.

"Não podemos ficar parados, esperando que alguém venha cuidar de nossos problemas. Ninguém quer resolve-los. Quem vai resolver os problemas é a própria classe”. O jovem Lula encantou o velho jornalista Ruy Mesquita: “Os estudantes estão corretos em realizar os seus movimentos, mas dentro das universidades. Não concebo a ideia de os estudantes realizarem seu movimento dentro da classe operária. Os desejos não combinam, as ambições são outras, mesmo porque o estudante mantém o idealismo por quatro anos, depois passa a explorar a classe operária”.

Não muito tempo depois, 1980, já orientado por uma visão menos simplista, ou "obreira", Lula criaria o Partido dos Trabalhadores. "O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá”. O PT nasceu com uma postura crítica ao reformismo dos partidos políticos social-democratas

Nas palavras do seu programa original: "As correntes social-democratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo imperialista". O PT foi de início um partido de ideologia "obreirista", logo depois criticada pelos intelectuais que participaram de sua criação, e pelos políticos profissionais, vários deles vindos do mundo da "política estudantil", objetivando assumir o poder, o comando político do País, sob a liderança de Jose Dirceu.

O PT dobrou rapidamente a sua bancada de deputados federais, subindo de 8 para 16. Esses congressistas integrariam a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, apesar de terem se posicionado pela formação de constituinte exclusiva. Dentre esses deputados se encontrava Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a maior votação para o cargo, em termos nominais, com 650 mil votos.

Ele foi o único a criticar a "Constituição Cidadã", reconhecendo nela a consolidação dos pilares que tinham sustentado a ditadura civil-militar de 1964. E a identificação do Partido com o povo, levando ao crescimento expressivo, encaminhou naturalmente Lula para a Presidência da República, conquistada depois das derrotas eleitorais para Collor de Melo e FHC.

Em 2002, o Partido chegava, pela primeira vez, à Presidência da República e Luiz Inácio Lula da Silva também foi o primeiro sindicalista a atingir o posto. No mesmo ano, elegeu Aloizio Mercadante senador da República com a maior votação já registrada para o cargo no país até então. Ao todo, foram dez senadores eleitos: Rio Grande do Sul Paulo Paim, Santa Catarina Ideli Salvatti, Paraná Flávio Arns, Pará Ana Júlia Carepa, Acre Marina Silva, São Paulo Aloizio Mercadante, Mato Grosso do Sul Delcídio do Amaral, Mato Grosso Serys Slhessarenko, Rondônia Fátima Cleide e Distrito Federal (Brasil) Cristovam Buarque. O partido formava maioria na Câmara, elegendo 91 deputados federais, a maior bancada que já elegeu:79 deputados. Assim garantia, no ano seguinte, a vitória de João Paulo Cunha como presidente do Congresso Nacional.

A eleição de Lula o levou para o coração do Poder, em Brasília. Ele seria o "cavalo de Troia", a penetrar por aquela muralha, abrindo-a à tomada do Poder pelo e para o povo. Não foi! Assumindo a Presidência, Lula enfatizou com toda razão que estava recebendo uma "herança maldita". O Brasil deixado por FHC vivia a presença do fantasma do desemprego e da inflação em alta, num quadro de recessão econômica agravada por desequilíbrios estruturais mais do que graves.

Mas a acusação não mereceu detalhes e nem a identificação dos culpados. O Presidente assumia com limitações muito sérias ao seu poder, Celso Furtado acusou isso, o ocupante do cargo maior da República obrigado a concessões e negociações. FHC não só não foi inculpado, ou ao menos hostilizado, mas recebeu deferências, como os elogios nos seus 80 anos, comemorados em honra de um "grande brasileiro".

O partido, uma vez no poder, adaptou-se à lógica da economia capitalista como um todo e a uma política econômica bastante ortodoxa. E não se trata, aqui, apenas da Presidência da República: já na década de 1990, prefeitos petistas como o futuro Ministro da Fazenda Antônio Palocci adotavam políticas de governo de tipo neoliberal (privatizações, cortes drásticos de gastos públicos) que em pouco distinguiam-se das propostas por seus análogos do PSDB ou dos Democratas (antigo PFL). Em julho de 2006, o próprio presidente Lula se declarou distante da esquerda, admitindo que em um eventual segundo mandato prosseguiria com políticas conservadoras.

O que fez de Lula o Presidente excepcional, reconhecido assim pelo Mundo? Um resumo pode ser contido em dois pontos: 1. A vitória brilhante na luta contra a miséria e a pobreza, com os programas sociais que implantou, sem preocupar-se com críticas ou restrições. Para milhões de brasileiros Lula transformou o "Cabo das Tormentas" em "Cabo da Boa Esperança". 2. a adfirmação e reafirmação da dignidade do Brasil como Nação independente, livrando-o da tutela absoluta a que os governos FHC tinham criado.

Para obter sucesso e aceitação, Lula contou com as condições do mercado internacional, extraordinariamente favoráveis para os exportadores de produtos primários. E, com a presença de Palocci no Ministério da Fazenda e de Henrique Meirelles no Banco Central, acenou sua bandeira-branca ao sistema fiinanceiro, que se deu por bem atendido e satisfeito. Por último, mas não o menos importante, Lula contou com as simpatias de Obama, para quem "ele é o homem".

Pode-se dizer e provar que, no PT, o trabalho ideológico-teórico sempre foi levado à reboque das origens concretas do partido. Lula não se preocupou em nenhum momento em construir e propor uma "ideologia". O velho metalúrgico aceitou as limitações do pragmatismo: quero que todo brasileiro tenha três refeições por dia, que tenha onde morar e possa educar seus filhos, fazendo-os doutores. E foi por aí que, durante os oito anos de governo de Lula, o Brasil não teve definido, proposto e perseguido um projeto.

Lula atravessou as "muralhas" de Brasília, mas o seu "cavalo" tinha o ventre vazio, ou quase isso. De dentro dele, saiu a figura temerária de Jose Dirceu, que se empenhou na viablização política do novo governo, negociando, fazendo alianças, aproximando-se cada vez mais daquela herança da Ditadura, o chamado "centrão", sedento e aético. Os aliados, que se pretendeu, não que ajudassem na abertura das portas do Poder ao povo, mas na conquista do poder, esses seriam recrutados .

Criado o escândalo maléfico do chamado "mensalão", como primeiro passo para a destruição do "cavalo de Troia", Lula optou pelo silêncio. Dirceu e vários outros companheiros de partido, os poucos que tinham aportado no ventre do "cavalo", foram objeto de uma Justiça infame, mas não foram defendidos. E assim Lula e o PT começavam a ser identificados para o povo como símbolos da corrupção: quando se deram conta do que acontecia, estavam aprisionados pelas muralhas de Brasília e as portas não seriam definitivamente abertas.

Lula buscou sempre a negociação com os que via como adversários políticos, mas que sempre foram seus inimigos mortais. E acabou por mostrar-se um negociador inábil: não planejou sair de Brasília e voltar ao povo, refazendo a sua proposta política, o que implicaria em reassumir a agressividade do velho líder sindical. E, se imaginado o "cavalo" invasor como o próprio PT, será preciso reconhecer que ele aceitou até mesmo a sua desfiguração, fazendo-o, de instrumento de "guerra", em máquina burocrática, a ser alimentada pelos frutos do poder exercido.

Foi ainda e tão só o carisma de Lula que permitiu sua reeleição e por duas vezes a de Dilma Rousseff. O preço que foi pago por isso? A autoconfiança desmedida: a vitória de Dilma, prevista para um primeiro turno, acabou-se decidida em "olho mecânico", vitória por focinho, vantagem obtida no último segundo. As proporções do desgaste, mostrado pelas urnas em 2014, era apavorante, mas não o suficiente para que preocupasse: o Congresso de Salvador, a crise do 2o Governo Dilma já deflagrada, naquele momento por ela mesma, ainda sem a atuação direta e diabólica dos golpistas.

Em última instância, a vitória de 2014 tornou-se a vitória de Pirro. Admitamos o inevitavelmente evidente: Dilma Rousseff elegeu-se com o programa Guido Mântega, para governar com o bancário Levy, promovendo a política econômica que havia sido a proposta básica de Aécio Neves. O PT, nem Lula e nem ninguém, contrariou o erro elementar, de resultados inevitáveis, as objeções tendo sido as que foram formuladas por economistas, que não estavam na linha decisória do governo.

A desculpa apresentada, a "crise internacional" e queda de preços das exportações brasileiras, isso não só era previsível, como já começava a acontecer em vésperas da eleição. Aquilo que os golpistas passaram a denominar como "estelionato eleitoral", sem a má-fé que se atribuiu ao caso, existiu, possivelmente um expediente de campanha eleitoral, que não foi nunca explicado, de forma a parecer, numa melhor hipótese, como incompetência. Foi quando Lula pediu paciência, como aquela que se tem para com a própria mãe... Providência de cautela elementar seria fazer ouvir ao que foi ministro, Guido Mântega.

Lula e sua equipe de confiança aceitaram o modus vivendi que já havia marcado profundamente a vida dos brasileiros que viviam e vivem intra muri: o que não se deve fazer é radicalizar, negociemos e nos entendamos: nós aqui e o povo lá. O que dizer sobre as negociatas em torno da Petrobrás? Que elas sempre existiram, disso todos sabemos, com a exceção compreensível e planejada do juiz Moro? Graça Foster, a mulher admirável que veio da favela para tornar-se a grande especialista na gestão do petróleo, não tinha ela conhecimento, nem suspeita do que se fazia ao lado dela? Dilma Rousseff, especialista na área, também não desconfiava? Ou foi impedida de desconfiar, para que não se desarranjassem os acordos e combinações?

Os diretores da Petrobrás, indicados quase todos pelo PMDB de Renan Calheiros e José Sarney, dispensavam a auditagem do que faziam? Essas perguntas e muitas outras ficaram e estão sem resposta. Com a "Operação Lava-Jato", a má-fé habilidosa do juiz Moro enxovalhou o PT, Lula e Dilma. A imprensa divulgava e divulga à saciedade as aventuras e desventuras da "república de Curitiba", plágio daquela outra que se praticou no Galeão do brigadeiro Carlos Lacerda, o que o escriturário, o bancário, o taxista, a dona de casa e a doméstica ouvem pelas ondas da Jovem Pam e da Bandeirantes do Latifúndio. Um IBOPE muito apurado quantificou os resultados: as urnas de 2016 marginalizaram o PT. Mas os sectários estão ainda convencidos na saída sebastianisita: Lula 2018.

Para que fosse possível à elites da casa grande a retomada do poder perdido, foi de importância fundamental o controle que souberam obter do Poder Judiciário. A incompetência do PT não foi mais gritante em nenhum outro momento: oito dos onze membros do STF, indicados pr Lula & Dilma, compuzeram o tribunal de exceção, pronto a executar o ódio mortal ao PT e tudo o que se possa identificar com ele. Mas não só: as eleições são hoje controladas por Gilmar Mendes, presidente do TSE, sem mais, exatamente ele, o amigo das intimidades de FHC. E o Tribunal de Contas da União afirma-se como entidade re-caracterizada, muito mais e muito maior do que a Constituição o fazia, ele também conduzido por petulantes inimigos do Lula. O que foi tentado fazer, para que se impedisse a hecatombe? Nada. Com uma única indicação, a de Gilmar Mendes, o PSDB de FHC manda e desmanda na Justiça do País de Macunaima.

Uma vez bem posto intra muri, o PT não só houve por bem silenciar, mas juntou a isso uma alta vocação para a omissão. Faça-se uma listagem:

1. Omissão quanto à reforma agrária, que patinou durante os 8 anos de Lula e em seguida no governo Dilma; os posseiros e seus pistoleiros agiram com notável liberdade, inclusive contra os índios, sempre ameaçados, temendo perder a terra que sempre foi sua. O mesmo aconteceu com as demais reformas: a tributária, a administrativa, a política. A visão pobre do PT sobre a reforma politica, restringindo-se ao capítulo do financiamento de campanhas, numa postura ao mesmo tempo simplista e utilitarista, só veio a ser momentaneamente superada, quando Dilma Rousseff afirmou com toda razão que ela só se tornaria possível a partir de uma Constituinte.

2. Omissão na regulamentação da mídia, onde registraram-se duas etapas: com Lula, montou-se um projeto para a regulamentação, que foi se fazendo mais necessária a cada momento. Dilma Rousseff, em seguida, arquivou o projeto pronto, entendeu que "não é o momento" e tranquilizou a Globo e seus sequazes, afirmando que qualquer regulamentação jamais atingiria "o conteúdo". Ao mesmo tempo, as verbas de propaganda do Estado contnuaram a financiar o "sistema" que já não era um mecanismo e informação à opinião pública, mas uma máquina de "lavagem cerebral" serviço das elites e do sistema financeiro.

3. Omissão na defesa do meio-ambiente: não aconteceu apenas em Belo Monte, mas nos olhos fechados para o uso cada vez maior de defensivos químicos e de sementes transgênicas - o caso mais exemplar: a autorização de plantio de "eucalíptos transgênicos". A presidente Dilma contrariou a iniciativa que pretendeu proibir a fabricação do pó-de-amianto, o que já acontece em todo o mundo, preservando os lucros dos exportadores nacionais.

4. Omissão na restrição aos crimes cometidos contra o povo brasileiro por seitas pentecostais: as novas igrejas, massificadoras e exploradoras do povo, foram deixadas em paz ou mesmo prestigiadas, como na lastimável inauguração do "templo de Salomão" do bispo Edir Macedo, honrada com a presença da Presidência da República. e Crivella prepara-se para assumir a cidade do Rio de Janeiro, no passado tendo o apoio de luta ao candidatar-se ao senado, fazendo-se em seguida ministro de Dilma. O povo brasileiro, empobrecido na sua expressão cultural, distorcida e anulada pela TV, passou a ser inoculado com o germe de um fanatismo tosco e tendente à violência.

5. Omissão e subserviência na definição de descaminhos para a Petrobrás. Sem prejuízo das constantes alegações, em defesa da empresa estatal, a presdienta Dilma Rousseff negociou com o grupo Serra, no caso representado pelo senador Jucá, o projeto de lei que ainda tramita, mas que o governo da Ditadura anrecipou, passando a fatiar a exploração do pré-sal.

6. Omissão no trato das badernas e agressões praticadas em 2013 e durante a Copa do Mundo. Numa atitude acovardada, negociou-se com o PSDB uma lei "anti-terrorismo" descabidamente violenta e que será de utilidade maior para a ditadura.

Enfim, e já em estágio terminal a "democracia consentida", aquela que foi permitida pelas elites em 1985, aprontado e com execução encaminhada o "golpe parlamentar", Dilma Rousseff acenou para a possibilidade de um "plebiscito" sobre a convocação antecipada e eleições, uma proposta de inviabilidade infantil, enquanto Lula imaginava um poder de convencimento a ser exercido junto aos deputados que promoviam a orgia dos votos SIM, para incriminação e deposição da Presidenta.

Não se negue a competência ardilosa das elites, preparando um golpe que ficou decidido e sem ponto-de-retorno a partir da regulamentação do pré-sal, feita em termos competentes e que contrariavam os interesses da "máfia do petróleo", mas atenta ao Brasil, nas suas necessidades de educação e saúde. Mas tudo se tornou mais fácil, rápido e eficiente. Lula invadiu sim as muralhas de Brasília, mas perdeu-se na vida e nas práticas das gentes que encontrou no intra-muri.

A necessidade de exames de consciência, confissão, atos de contrição, seguidos de sincero arrpendimento estão sendo propostos desde o Congresso de Salvador. Não há sinais de que isso acontecerá. Lula está preocupado, não com o povo, mas com a bancada do PT. Para que serve essa bancada? Ou, melhor ainda, a quem serve essa bancada?

E que se lembre: Moisés também deixou o seu povo e subiu à montanha para dialogar com o seu deus; ao voltar, encontrando esse povo a dançar e a cantar em honra do "bezerro de ouro", ele rasgou as vestes, praguejou e determinou a morte de muitos. Moisés não estava disposto a dialogar.

Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil.

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