Memória da ditadura: José Nogueira, o agente duplo morto em 1963

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Publicado Sábado, 28 de Março de 2020 às 12:37, por: CdB

José Nogueira foi um agente secreto da Marinha e jornalista do Diário da Noite que caiu da mureta da varanda do apartamento, na Rua Juan Pablo Duarte, Nº 29, na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, em 3 de março de 1963.

Por Sergio Caldieri - do Rio de Janeiro
O historiador Raphael Alberti Nóbrega de Oliveira apresentou a sua dissertação de mestrado sobre o tema 'Caso José Nogueira - Silenciamentos e Autoritarismos no pré-1964 e na Redemocratização', na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2018.
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Os militares, que ocuparam o poder no Brasil por mais de 20 anos, usavam espiões contra a resistência democrática
José Nogueira foi um agente secreto da Marinha e jornalista do Diário da Noite que caiu da mureta da varanda do apartamento, na Rua Juan Pablo Duarte, Nº 29, na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, em 3 de março de 1963. Ele tinha 28 anos, nasceu em Mundaú, no Ceará, morava com o amigo Berilo Dantas, e dizia que Nogueira gostava de beber sentado na mureta. O agente tinha muito conhecimento da atuação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que foi um dos principais órgãos juntamente com o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) no golpe militar que derrubou o presidente João Goulart, em 1964.

Testemunhas

O agente duplo Nogueira sabia dos pagamentos do IBAD aos jornalistas que escreviam matérias contra João Goulart e dos militares que faziam palestras anticomunistas em vários lugares pelo Brasil. Ele teria sido intermediário na entrega de dinheiro aos jornalistas a serviço do IBAD e do Movimento Anticomunista (MAC). O 1º Sargento da Marinha, Geraldo Majella Nogueira, ciente da insatisfação dos grupos de extrema-direita com as ações do seu irmão, também acusou o IBAD de homicídio. O serviço secreto do Exército e o Cenimar (Marinha) ajudaram nas investigações. O inquérito policial foi enfraquecendo devido à recusa das testemunhas em depor, pelos mais variados motivos. As suas atitudes teria provocado a ira dos jornalistas que passaram a exigir mais dinheiro das instituições golpistas. Nogueira sabia de muitas informações sigilosas do IBAD e do MAC, que desejavam à sua morte. O seu envolvimento com grupos da extrema-direita, tinha oportunidade de repassar muitas informações aos políticos e jornalistas.

Comunismo

Nogueira foi um dos principais colaboradores do deputado federal Eloy Dutra (PTB), que criou e presidiu a CPI do IBAD, em julho de 1963, formada pelos deputados Rubem Paiva, Bocayuva Cunha, Benedito Cerqueira, Ulisses Guimarães, João Dória, José Aparecido de Oliveira, Pedro Aleixo, Adauto Lúcio Cardoso e Temperani Pereira. O ex-agente da CIA Philip Agee disse que a CIA injetou US$ 20 milhões pelo IBAD e outras organizações, para o golpe contra João Goulart. O chefe da III Zona da Aeronáutica, João Paulo Penido Burnier, vingou-se do deputado Rubem Paiva, assassinado pelos agentes do DOI-Codi, por ter denunciado que alguns militares recebiam cheques para escrever artigos e proferir palestras alertando ao povo brasileiro sobre o perigo do país cair no comunismo. Burnier foi acusado do assassinato do militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) Paul Stuart Jones. Ele foi o mentor da tentativa da explosão do Gasômetro, em 1968, recusado pelo capitão Sergio de Miranda Carvalho, o Sergio Macaco, do Parasar. O agente José Nogueira trabalhou no jornal Tribuna de Notícias, da Cruzada Brasileira Anticomunista (CBAC), fundada em 1957, pelo almirante Carlos Penna Boto e provavelmente o responsável por levar o jornalista para a Tribuna da Notícias. Boto denunciou a infiltração de comunistas nas Forças Armadas e acusou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) de estar a serviço do comunismo.

Cubanos

Outra figura sinistra da época foi Joaquim Miguel Vieira Pereira, o Joaquim Metralha, então presidente da Liga Anticomunista do Estado do Rio de Janeiro, Secretário-geral da Cruzada Brasileira Anticomunista (CBAC), fundador da Ordem Suprema dos Mantos Negros (Ku Klux Klan brasileira), membro do Movimento Anticomunista (MAC), agente secreto dos EUA e do Serviço de Informações da Marinha (SIM), mais tarde Cenimar. O militante da extrema-direita era muito conhecido em Niterói e Itaboraí. Depois do golpe militar de 1964, foi informante do SNI e membro da organização paramilitar Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O ódio do Joaquim Metralha ao José Nogueira ocorreu após o artigo 'O que a nação agora vai saber', denunciando a falsa Carta Brandy que teria escrita por Metralha. A Carta Brandy seria um acordo do presidente Juan Domingo Perón da Argentina e João Goulart sobre a formação de um governo sindicalista no Brasil. Em 27 de novembro de 1962, o Boeing 707-441 da Varig saiu do Rio de Janeiro em direção a Lima e se chocou contra um morro, no Peru. No voo tinha passageiros cubanos. O governador Carlos Lacerda solicitou que a polícia fosse ao local do acidente e adulterasse os papéis dos cubanos criando documentos que pudessem comprometer João Goulart com os comunistas castristas. O IBAD possuía o mesmo endereço do Movimento Renovador da UDN do Carlos Lacerda, que era acusado de chefiar o MAC. O historiador Raphael de Oliveira analisou a morte do José Nogueira como um crime político e não apenas como um 'caso de polícia', associado ao IBAD. Sergio Caldieri é jornalista, escritor e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro (SJPERJ).
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