O momento politico de uma América Latina sob ameaça severa

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Publicado Sexta, 02 de Março de 2018 às 11:22, por: CdB

O espaço dedicado à colunista, nesta sexta-feira, é ocupado pela opinião do midiativista Sebastián Ocáriz Archer. Petista de primeira hora, Archer integra o movimento OcupaPT!

 

Por Maria Fernanda Arruda - de Cárceres, MT
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Maria Fernanda Arruda é colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras

Leia, adiante, o artigo que faz uma análise sensível sobre o Partido dos Trabalhadores e a realidade nacional.

Reinventar a roda ou fazê-la rodar?

Por Sebastián Ocáriz Archer - do Rio de Janeiro

Neste debate que deveríamos travar, nos marcos “resolutivos” do VI Congresso do PT, dentro e, principalmente, fora do partido; a mensuração dos fatores externos e internos, que levaram ao golpe parlamentar, à derrota política, ao encerramento de um ciclo inclusivo e distributivo, sem rupturas, parece-nos fundamental para estabelecer uma base de análise, com perspectivas mínimas e reais, de construção de alternativas orgânicas, operacionais e programáticas para o partido e as frentes formatadas e em formatação dinâmica. Uma base para o novo período, a ser enfrentado nesta conjuntura de retrocessos históricos, entre cenários de derrotas; resistências, perdas, lutos; construções coletivas e, até intervenções militares, em Estados da federação. Entre coletivos, em movimento por verdadeiros contragolpes e desdobramentos transformadores, em um túnel com múltiplos sinais de iluminação e uma utopia tão bem enredada pela Tuiuti.

De fato a crise é aguda; tem condimentos nacionais e internacionais, ameaças às soberanias latino-americanas; exercícios militares na Amazônia com os EUA, na exata medida em que os sucessivos governos petistas inseriram o Brasil, com protagonismo soberano e integrado, ao multilateralismo em efervescência; onde afirmou-se um campo alternativo, econômico e político, com o BRICS, sem esquecer das iniciativas do MERCOSUL, UNASUL, CELAC, o esquecido e desconhecido Parlatino, etc, para um fervilhante continente latino.

Tendo na liderança do Lula, a expressiva síntese desta guinada latino-americana, que recuperaria o ideário terceiro mundista de San Tiago Dantas; de uma política externa independente, soberana e integrada; para muito além das tantas mudanças no campo das inclusões sociais, culturais e econômicas; repetindo, sem reformas estruturais e maiores tensionamentos, com os segmentos tradicionalmente privilegiados nos últimos 500 anos, bem representados pelo rentismo, uma vez mais vitorioso, neste vivo ciclo da pinguela do claro retrocesso ilimitado; sem um oi a um JB desfigurado!

Estado patrimonialista

O fato maior é que este golpe foi viabilizado e fundamentado, exatamente, pelo assim considerado aliado “estratégico” e sinalizador desta “pinguela”; leia-se, golpe parlamentar, com sustentação midiática e amparo judicial, onde as escolhas apenas ilustram seu totalitarismo recorrente. Assim, o já constatado fracasso do presidencialismo de coalizão parlamentar, nas crises anteriores de 2005, 2008, 2013 e 2015, em situações políticas ou econômicas adversas, apenas apontava para necessidade de enfrentamentos claros, na disputa de projetos, por mudanças estruturais no desenho do Estado; no sistema de representação, no regime da desordenada desoneração e regressividade tributária; nas políticas cambial e monetária, em constante diluição e conciliação negociada; no limite da simples permanência no aparelho de um Estado, ainda, patrimonialista em essência. Diga-se um passivo de 1964, para não dizer, desde da primeira república...

Temos discordâncias sobre a narrativa da escalada de afirmação de um Estado policial, apenas, após o ilegal impedimento da presidenta eleita, Dilma Rousseff, já que no Rio de Janeiro, os governos do aliado estratégico, o MDB, via ações policiais; protagonizaram e protagonizam verdadeiras chacinas, sequestros; torturas, prisões irregulares! Há décadas na periferia, a democracia, seus respectivos direitos e garantias fundamentais inexistem (nunca existiram!), se consideradas as recorrentes intervenções pontuais; sem caráter estruturante, inclusive em secretarias petistas, na capital e no Estado do Rio de Janeiro!

Temos discordâncias, sobre a contraditória definição do regime atual, assim como as decorrentes superações simplistas propostas, sem uma fundamentação plausível, em torno do estágio da transição democrática; do papel do Estado patrimonialista, onde a representação legislativa e judicial é francamente distorcida, desfavorável; para muito além da ausência de regulamentação de uma mídia oligopolizada, sem compromissos públicos com a informação plural. Entendemos que a esquerda deva exercer seu papel tensionador, potencializando a radicalização democrática; calcada na sua participação direta e livre dos intermediários atuais, presos à uma representação, recorrente, na distorção e no distanciamento das suas passivas bases entorpecidas.

Despolitização interna

As conjunturas, partidária e nacional se confundem, se justificam na patente simetria! Teremos concordância com a democracia, como valor permanente, quando as atuais direções do partido, nascidas de processos viciados; comprados, despolitizados, coloquem em prática, internamente, o respeito ao voto do filiado militante, a liberdade de expressão; o direito igualitário de opinião, o respeito aos núcleos ativos e em atividade regular; a formação política continuada, o orçamento participativo; a prestação de contas dos membros eleitos ou em cargos de confiança, a construção coletiva de um estatuto socialista; o debate aberto em torno de um programa estratégico. Este sim, democrático, popular, libertador e emancipador; como preconizado na carta de fundação de 1980!

Em larga medida, nas recentes e contraditórias análises sugeridas pelos ditos “dirigentes”; avolumam-se a ausência de detalhamento dos erros anteriores ao impedimento configurado. As contradições, entre um olhar crítico às alianças com a centro-direita, inimigos da democratização e suas práticas, locais e nacional; com reflexos eleitorais negativos em 99% dos municípios conquistados em 2012; no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Se justificam, ainda, na total despolitização interna e na afirmação da burocratização de estruturas orgânicas arcaicas; medíocres, inoperantes e subservientes; sem transparência ou consultas periódicas.

Nestes aspectos prevalecem mais certezas do que dúvidas, ao jogarem fora a água do banho de uma boneca desconhecida. O choro, assim sequer se justifica, embora a qualidade do líquido mereça reflexões ambientais, quando o assunto for moradia, transporte; educação, saúde, cultura; naturalmente, qualificados e seguros, sem intermediações lucrativas.

Congresso constituinte
exclusivo interno como
centro da tática!

Entre críticas veladas e autocríticas desconsideradas, a comissão relatora do VI Congresso começou mal o processo de sistematização; confirmando medidas limitadoras e autoritárias que desconsideram a soberania do coletivo de filiados militantes de debater tudo e, principalmente, o falido e corrompido PED que garantiu esta hegemonia nacional, estadual, municipal e zonal, sem núcleos de base e de sustentação ativa. A nova pactuação passa por um processo de ruptura com esta maioria, que ainda insiste na permanência; na ausência de canais formais, liberais, de participação indireta e, muito menos, direta.

Insiste em recompor campos minados pela descaracterização programática, estatutária e orgânica. Insiste em eleitoreiros oportunismos nucleares, sem a correspondente alteração estatutária que possibilite a qualificada participação, sem reciprocidades financeiras ou laborais, até com sentido de permuta escravagista.

Receita movimentada em 9 anos pelo PT:

Fonte: TSE

O debate perdido na sociedade não foi disputado por estes falsos representantes, intitulados de “dirigentes de caixas-pretas retaliadoras”, quando incomodados! O debate político foi desprezado no interior do partido, já sem instâncias reais, para além de executivas subservientes, com cargos e recursos paralelos moldados! A comunicação restrita, conservadora, parcial, oportunista, ufanista e ocasional nestes 20 anos, com todos os recursos circulantes (quadro acima), não viabilizou um jornal, a revista, o rádio, a TV, em rede aberta com a militância; com os simpatizantes, com esta sociedade digitalizada!

Não viabilizou um portal da transparência, com uma base integral de dados disponibilizados, para entender salários elevados, folhas milionárias, sem as naturais contrapartidas orgânicas, prestações de contas, até as partidas identificáveis em caixas.

É fato, o total recuo nas reformas estruturais necessárias, mesmo com todo o poder financeiro do Estado herdado dos tempos da ditadura, em processo de depuração com as privatizações iniciadas no governo do caçador de marajás, Collor e consolidado pelo FHC; sem interrupções no ciclo posterior, seja com Lula ou Dilma, onde sutis programas de abertura de capitais e financiamentos transversais agravaram mais as excepcionalidades; posteriormente confirmadas com a crise de oportunidades globalizantes e a frutífera financeirização concentrada como uma polpa; sem rótulo do transgênico papel circulante.

Se a existência original se deveu aos núcleos de base, por que estes perderam seu poder nas instâncias? Se o modo petista de governar estabelecia o orçamento participativo, por que nunca foi praticado no interior do partido? Se somos um partido de trabalhadores, por que parte dos envolvidos, em supostas ilicitudes, eram eficientes consultores de organismos empresariais, corporações e reconhecidos rentistas?

Uma constituinte exclusiva convocada pelo partido, confirmaria a atualização estatutária deste PT  com afinidades democráticas e socialistas, à concretizar nas suas relações internas e externas, já que as bases atuais negam esta democratização e socialização, com sentido libertário e emancipatório.

Um programa partidário
como centro de
transversalidades
estratégicas

Se, por um lado, o ciclo da transição democrática se encerrou com este golpe, a distensão golberiana se afirmou, uma vez mais, com o esgotamento deste frágil presidencialismo de coalizão parlamentarista; refinanciado e judicializado ao sabor das resistências às reais inclusões promovidas por políticas redistributivas. Sem as reformas estruturais que a amparassem e impedissem sucessivos retrocessos desde a constituinte de 1988.

O contragolpe somente se efetivará com o referendo revogatório de todos os atos do golpe. Mas, infelizmente, este fato ganhou apenas alguma consistência em poucos discursos, entre quatro paredes, embora dialogue com todos os segmentos excluídos e a excluir ainda; onde a desindustrialização e precarização social confirmam a escandalosa concentração de renda. Lula não deve ser um candidato em um processo eleitoral fraudado. Lula deve liderar o movimento de contragolpe;  e assumir um governo provisório que restabeleça a transição para a democracia inconclusa.

Sem uma reforma política manteremos intacta a distorcida representação bicameral. Voltemos a debater a extinção do Senado criado no Império. Voltemos a debater a representação proporcionalmente pura, como forma de respeitar o direito igualitário de um voto, um cidadão! Confirmemos o financiamento público à todos os partidos constituídos, estabeleceremos prioridade para o debate franco, aberto e plural sobre projetos partidários estratégicos!

Reformas

Sem uma constituinte exclusiva, com previsão de referendo obrigatório não voltaremos à transitar para a democracia, mas apenas estaremos engessados pela distensão golberiana, entre sístoles e diástoles monitoradas por aparelhos, bem geridos pelo mercado!

Sem uma reforma tributária progressiva e simplificada, a concentração de renda permanecerá em patamares criminosos, para muito além das anistias, desonerações parciais e integrais, em segmentos sabidamente retrógrados e patrocinadores de golpes e patos amarelos infláveis!

Sem uma reforma das comunicações, o mercado de notícias permanecerá dominado pelo cartel de oito famílias, amparadas por grades publicitárias, para justificar versões de um cotidiano que exige circular informações, entre recomendáveis análises críticas plurais!

Sem uma reforma educacional, sanitária, alimentar, ambiental, laboral, energética, mineral, urbana, rural, inclusiva com a equidade necessária justificaremos o retrocesso atual no Brasil e na América Latina; cuja integração merece incorporar, menos governos e mais povos e culturas circulantes e ricas!

Democracia

Sem uma auditoria da dívida, das dívidas, dos contratos inexistentes continuaremos sustentando a bolsa rentista passivamente; entre doses homeopáticas de um “Boa noite Cinderela” federalizado por uma quadrilha, entre quadrilhas à extorquir-nos.

Façamos a roda rodar, para dar sentido socialista à democracia participativa e representativa, sem intermediários externos ou acordos de gabinetes e com uma liderança popular efetiva de Luiz Inácio Lula da Silva, como contraponto real e objetivo!

Sebastián Ocáriz Archer é ativista digital, fundador clandestino do PT, fundador do PSB, refiliado ao PT e membro do movimento OcupaPT!

 

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Edição digital

 

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