Não. Desde Cabral!

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Publicado Quarta, 07 de Dezembro de 2016 às 13:00, por: CdB

Pois hoje, saio pra ir ao banco só com algumas moedas e um senhor, bem vestido, meio chorando,  desesperado,  chega perto de mim e conta que um cara levou tudo o que era dele,

Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:

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No Rio de Janeiro, assaltos são coisas integadas no cotidiano

Uma amiga que está morando  aqui  em casa, abriu o portão, de repente,  sem conseguir respirar,  já que tinha sido assaltada por dois garotos de olhos no seu celular: Mas logo desistiram e mudaram de vítima, já que uma senhora que passou ao lado dela parecia mais promissora com bolsa e celular maiores e mais chamativos.

Enquanto os meninos avaliavam as mulheres pra decidir quem seria a escolhida,  minha amiga correu e chegou aqui em casa, passando mal depois de ter visto o começo do assalto da mulher  ao lado, enquanto voava aqui pra casa.

Pois hoje, saio pra ir ao banco só com algumas moedas e um senhor, bem vestido, meio chorando,  desesperado,  chega perto de mim e conta que um cara levou tudo o que era dele, que ficou sem dinheiro pra comer, pois  nem um café ele podia pagar, muito menos almoço, e disse que pra completar  não tinha nem um centavo pra voltar pra casa de ônibus.

Dei umas moedas pra ele, desisti do banco  e fui pra casa pensando na brabeira que o mundo está vivendo.

Então me lembrei da minha infância, quando minha família morava em Botafogo , na casa  onde hoje em dia  é o  Colégio Andrews,  da Rua Visconde e Silva. Era um casarão enorme e existiam ladrões, sim, naquela época, só que eram muito diferentes.

Assisti  uma vez, uma tia-avó falar pra um sujeito estranho que estava na varanda, pra quem ela estendeu a mão, dizendo: “Boa-noite, seu ladrão.”

E o homem, muito mais apavorado que ela, virou as costas pra gente e foi-se embora correndo.

Uma  outra vez, na mesma casa, foi papai que ouviu um barulho no jardim, de madrugada, pegou o revólver e desceu as escadas em sua direção, onde achou um homem, em pânico,sem arma,  pedindo socorro em cima da mangueira, com o cachorro, bravíssimo, rosnando pra ele, em baixo.

Meu pai guardou o revolver, prendeu o cachorro e disse a ele: “Pode descer! Vai embora logo! Anda!” .
 Fazendo o homem sair correndo pelo jardim até o portão que meu pai abriu pra ele.

É...As coisas mudaram um pouco. Naquela época eram os caras que tinham medo dos donos da casa. Agora ninguém mais pode sair na rua por causa deles.

Então fui ver televisão com minha amiga enquanto esperávamos uma argentina, amiga dela, que tinha ficado de passar lá em casa.

Ficamos vendo a queda do avião que levava os jogadores  chapecoenses junto com os outros passageiros, ouvindo  os palpites que cada entrevistado  dava tentando explicar  a queda, assistimos a notícia de uma moça que matou o marido, enfim, só notícias  desse porte, o que me fez ir até a cozinha e  pegar uma Coca-Cola pra esquecer esses tempos  estranhos.

Mudei de canal onde , graças a Deus,  assisti a um documentário maravilhoso  falando  sobre a época do Tom Jobim, Vinícius, Baden, Miúcha e toda aquela curriola incomparável que fazia show para uma plateia tão fantástica quanto eles composta  de amigos e artistas e para surpresa geral, aparece cantando  também Tom Jobim, no  filme, a Adriana  Calcanhotto, um bebê, que alguém adicionou agora ao documentário fazendo todo mundo ficar boquiaberto.

Então fiquei grudada neles e na minha Coca, até que tudo mudou  e a TV começou  a falar novamente dos políticos  presos, da Lava-Jato e de tanto roubo que não dá pra lembrar, até passar a cena do Garotinho ,desesperado,  aos gritos, no hospital, tentando se defender na frente da filha.

Então  minha amiga argentina, ouvindo o seu nome, sem entender direito, perguntou  com sotaque espanhol:

-Mas aqui no Brasil eles roubam desde garotinhos?

Ao que eu e minha amiga brasileira respondemos repetindo uma piada que tínhamos ouvido  outro dia:

-Não. Desde Cabral!

Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.

Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.

 

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