O fim do último resquício da ditadura

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Publicado Terça, 31 de Dezembro de 2002 às 13:23, por: CdB

O ano termina com um jeito de fim de uma era. Conclui-se em 2002 o ciclo de uma perversidade iniciada ainda na década de 60 que, aos tombos, lançou esta nação ao limbo, seus habitantes à miséria, sua sociedade aos porcos. Mas acabou. enfim. Esgueirou-se para o esgoto assim como chegou ao poder, no Dia da Mentira de um ano trágico, há quase quatro décadas. A sucessiva ação dos mecanismos construídos pela ditadura militar no Brasil entronizou, no cotidiano nacional, a idéia de que seriam necessárias décadas para que cessassem os seus efeitos. E votou-se uma, duas, três, quatro, cinco vezes até que - por força do mundo que se transformou e da juventude brasileira daquela época, que envelheceu - o processo interrompido na noite estúpida de uma quartelada, com tudo para atolar na própria inconseqüência, fosse retomado, ainda que aos trancos. Os sobreviventes chegaram ao poder. Nada, porém, garantia naquele tempo - como continua sem garantias hoje - que as idéias defendidas por líderes e militantes de esquerda poderiam levar o país ao desenvolvimento e à justiça social. Parecia óbvio, no entanto, que a divisão da riqueza nacional é mais equânime do que a concentração violenta que ocorreu ao longo de tantos anos. Parece ainda mais claro que o pagamento de juros escorchantes ao império do Norte torna-se impossível, diante tamanha fome e necessidades a que a imensa maioria do povo brasileiro é submetida. Pode ser que existam outros caminhos a seguir, diferentes destes que aquela mesma esquerda de então propõe hoje. Mas nenhum até agora se mostra mais viável do que a distribuição das terras a quem nela precisa trabalhar, ou o emprego para quem quer viver de maneira digna, ou também as plenas condições de trabalho para aqueles que têm iniciativa e vontade de construir um país, e deixar sua assinatura no livro dos cidadãos que ajudaram a erguer esta nação. A responsabilidade de quem irá governar o Brasil, nestes primeiros passos para um novo tempo é justamente provar a viabilidade das idéias socialistas que ora chegam ao poder. Há que se respeitar os tais contratos que tanto preza o Fundo Monetário Internacional, sim, mas até o limite da decência. Segurar a política monetarista e vendilhona, sustentada pelos borra-botas da era encerrada pela força dos votos, até pode ser, mas na estrita medida da urgência de quem tem fome. Qualquer coisa diferente destes prazos irá parecer, aos olhos do povo, que nada mudou. Apenas se adiou, com um discurso mais eloquente, a sensação que impregna a realidade dos dias de hoje: a de que esta pátria foi irremediavelmente vendida, dilacerada.

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