O golpe é para impor a velha ordem política

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Publicado Quarta, 17 de Agosto de 2016 às 05:57, por: CdB

Por Renato Rabelo - de Brasília:

Ao processo de ruptura constitucional contido no curso de um impeachment fraudado no Brasil não interessa provar inocência ou culpa da presidenta Dilma Rousseff. Semelhante ao ocorrido no Paraguai e Honduras, o único objetivo perseguido aqui é destituir o presidente da República pelo novo modelo de intervenção golpista, seguido na atualidade pelas oligarquias de direita. Assim sucede na sétima potência econômica do mundo, o Brasil, onde a classe dominante pretende consumar no final deste mês de agosto a grande operação derruba-presidenta. A pantomima do impeachment em marcha segue o rito através de um golpe parlamentar com benção judicial, onde não se prova devidamente o crime de responsabilidade da presidenta.

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Ao processo de ruptura constitucional contido no curso de um impeachment fraudado no Brasil não interessa provar inocência ou culpa da presidenta Dilma Rousseff

Em nosso país cresce amplamente a consciência de rejeição ao presidente interino, demonstrada nas últimas pesquisas de opinião pública. E entre as camadas mais esclarecidas de dentro e de fora do país (quase unanimidade) torna-se presente a conclusão de que culmina na história política brasileira mais um golpe de Estado, hoje, sem tropas e blindados e sem as urnas – a léguas do voto popular. No entanto, este foi o atalho encontrado, que resultou de tentativas conspirativas e depois escrachadas de um consórcio político das forças conservadoras dominantes, após a quarta derrota eleitoral sucessiva infligida pelas forças progressistas, democráticas e de esquerda. Essas forças dominantes formaram uma coalizão parlamentar, empresarial, judicial e com ampla ação midiática, que sem pejo se aproveitaram e contaram impávidos com o difamado presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do vice-presidente da República, Michel Temer, os quais completaram uma simbiose canalha entre a trapaça e a traição, com base promíscua em seus grupos na Câmara e no Senado. Pasmem! Usaram uma fachada de vestais na luta contra a corrupção. Uma trama urdida que deflagrou e conduziu o processo de impeachment arranjado e simplesmente se aboletaram no centro do poder de Estado. Aonde se chegou a terra amada Brasil? É inédita essa situação no país, em que a oligarquia de direita, no afã de capturar o poder, se utilizar de gente tão escrachada que (des)qualifica o governo interino desde sua origem: governo que vive sobressaltado pelo homem bomba, que se resolve abrir a boca afunda o governo e enterra a Câmara. É por isso que o governo provisório vive seu impasse original, não pode abandonar a figura detonadora do impeachment, alma gêmea do presidente interino, financiador de meio regimento de deputados. O efeito bumerangue resultante será arrasador. Isto é realmente o que é recôndito do processo de impeachment, assumido pela denominada elite dominante conservadora brasileira. Daí a situação na qual o governo usurpador, o presidente da Câmara recém eleito e a base de apoio nessa casa se juntam, reféns da ameaça, para adiar para sempre, descaradamente, o julgamento de Eduardo Cunha na Câmara, com o beneplácito dos incentivadores do golpe e seus beneficiados. O crime é inevitavelmente escancarado. É preciso distinguir nas aparências o fundo da questão. Os golpes de Estado, como o atual em curso no Brasil, são preparados e conduzidos por poderes de Estado, e por suas corporações públicas, que ampliam crescentemente sua autonomia funcional e administrativa chegando até o centro do poder. A desestabilização do poder Executivo levou ao crescimento de autoridades e maior disputa entre poderes. E extrapolação de função das corporações públicas atropelando, até mesmo, o modelo clássico de liberalismo. O poder que ocupou a ponta do iceberg no processo de impeachment foi a Câmara e o Senado, que resulta num golpe parlamentar. Por conseguinte, o Orçamento Federal deste ano e do próximo será devidamente utilizado para pagar a conta do impeachment – lançaram mão de um déficit primário de mais de 170 bilhões de Reais em 2016. Imaginem se isso acontecesse no governo Dilma! Mais significativo ainda é que desde os primórdios da crise política o embate não era apenas entre a presidenta -- que “não sabia fazer política” e políticos “profissionais” -- mas o que estava em jogo era e é um projeto de poder da classe dominante capitalista, financeira globalizada, as forças conservadoras brasileiras, que se utilizaram avidamente de um atalho, por meio da via golpista, para a volta à Ordem Política fundada na sua concepção de Estado, antidemocrática e autoritária, desmontando um pacto de progresso social, e de consolidação da ordem econômica de desregulamentação financeira, liberação do fluxo de capital, tudo pela estabilidade da moeda, através de políticas de austeridade, com cortes de despesas primárias essenciais – o capitalismo contemporâneo, dito neoliberal. Segue então a linha dos países capitalistas centrais, nos quais a grande crise capitalista é respondida com o resgate antes de tudo do grande capital, principalmente o financeiro, desemprego aberto, concentração e centralização da riqueza, aprofundando o fosso da desigualdade. Por isso, é que a crise mundial, sistêmica, não encontrou ainda uma solução de superação. No caso do Brasil, vejam o tamanho do resgate financeiro: Congelamento das despesas federais, desde o nível mais baixo, por 20 anos. Eles é que vão se apropriar de enorme parcela do Orçamento federal, que aproximadamente equivale a uma queda de 50% per capta das despesas federais, num desmonte sem paralelo das sofridas conquistas sociais, atingindo de cheio o destino do SUS e do sistema de educação público. E mais, na vigência desse governo usurpador, porquanto ele se volta para a manutenção da base macroeconômica, que vem, sobretudo, desde o plano Real, presa ao círculo vicioso e perverso de juros altos e câmbio apreciado – desastre que levou à desindustrialização do país e a enormes déficits nas contas externas e deu adeus ao desenvolvimento nacional. Por isso que a presidenta Dilma foi acerbamente desqualificada quando tentou sair desse círculo vicioso e conduzir, o que eles cunharam como sendo uma nova matriz macroeconômica, considerando isto a causa do descaminho econômico. E mais, agora sua enaltecida equipe econômica segue o mesmo padrão moldado pela ortodoxia ultraliberal brasileira de manter e justificar sempre os juros altos, diante de um curso de dois anos de uma queda de 8% da economia, ou seja, em plena recessão. Em suma o golpe é a saída para fundamentalmente instituir essa velha ordem política, que pela via eleitoral seria inviável. As forças conservadoras pró-submissão às potências imperialistas, para imporem sua ordem republicana, ostensivamente e rapidamente já iniciaram e indicaram nesses dois meses, que seu desiderato e sua avidez são essencialmente voltados para desmontar o pacto de conquistas democráticas, sociais e de igualdade de direitos lavrados na Constituinte de 1988. É um retrocesso do avanço civilizacional em mais de três décadas. À volta a ordem política conservadora e de realinhamento as grandes potências, imperialistas, como versa seu conceito estatal, parte da hipertrofia de corporações e ações de inteligência, que amolda até o próprio Ministério Público Federal e a Policia Federal, distinguindo sua doutrina de “inimigo interno” ou a “teoria dos fatos”, que neste momento histórico no Brasil, situa-se na existência engendrada de uma “organização criminosa” conduzida pelo PT e por Lula e seus aliados, com os cunhados “núcleos políticos e operacionais”. A criminalização é seletiva e a repressão se intensifica tendo como norte esse inimigo interno. A utilização desregrada da Lei antiterror já começa ser aplicada visando criminalizar a ação dos movimentos sociais. A pretendida consumação da farsa do impeachment ainda este mês, que conduz à concretização do golpe de Estado, é uma viragem para consolidação e desenvolvimento dessa velha ordem política, com suas consequências econômica, social e cultural, razão de ser do golpe dito legal. E recorrentemente, quando as forças conservadoras voltam ao poder central, vêm para ficar. Enfim, nosso país está essencialmente diante de uma disjuntiva que coloca em jogo o destino da Nação e do povo brasileiro – avançar ou retroceder em nossa trajetória civilizacional. Por isso a premissa para restaurar a democracia, o Estado Democrático de Direito é a volta da presidenta da República, Dilma Rousseff, legalmente eleita com mais de 54 milhões de votos. Os senadores serão colocados diante dessa encruzilhada – condenar o absolver uma presidenta sem crime de responsabilidade. A luta popular contra o golpe não recrudesceu. Ao contrario, a consciência e a luta contra o governo intruso e pela democracia se estendem. Os trabalhadores começam a se mobilizar mais amplamente diante de reformas estruturais reversas, antidemocráticas: as reformas da providência e trabalhista. Ganha força a alternativa política apresentada pela presidenta Dilma, que após sua volta proporá e se empenhará pela convocação de um plebiscito, onde o povo é convocado para se pronunciar sobre a antecipação ou não da eleição direta presidencial. Esse é o anseio de ampla maioria do povo, no atual estágio da crise. Em contraste, os mais diversos setores e porta-vozes das forças conservadoras, fogem das urnas como o diabo da cruz, e se insurgem contra essa alternativa de renovação da democracia. Em síntese, hoje, é o eco mais uníssono: Fora Temer!

Renato Rabelo,  foi presidente nacional do PCdoB, atualmente é presidente da Fundação Maurício Grabois.
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