O pato manco

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Publicado Quinta, 16 de Maio de 2019 às 08:23, por: CdB

Para além da ‘reforma’ da Previdência e seu furor austericídico, o “Posto Ipiranga” não conseguiu sinalizar para a sociedade com algum projeto, seja de desenvolvimento, seja de recuperação da economia.

 
Por Roberto Amaral - do Rio de Janeiro
  Velho em seu quinto mês, o governo, desarticulado na política, incompetente na gestão econômica, navega como nau sem rumo, frustrando não apenas as esperanças do eleitorado que mobilizou, mas, até, muitas das expectativas da Avenida Paulista.
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Jair Bolsonaro acumula um número de gafes internacionais jamais visto na diplomacia brasileira
Para além da ‘reforma’ da Previdência e seu furor austericídico, o “Posto Ipiranga” não conseguiu sinalizar para a sociedade com algum projeto, seja de desenvolvimento, seja de recuperação da economia. Esta caminha da estagnação para a recessão, e dela não sairemos enquanto o “mercado” não entender que a única alternativa para a crise fiscal (que, ademais, não é nosso desafio crucial) é o desenvolvimento do país, a saber, a promoção da riqueza. Mas tal objetivo é uma incongruência, tratando-se, como é o caso, de um governo retracionista. A proposta do novo regime, diz em alto e bom som o capitão, não é construir, mas desfazer, desconstruir, desconstituir, irresponsavelmente, pois não sabe o que fazer sobre a terra que deseja ver arrasada. É um regime de ruptura, não exatamente com governos passados, mas com o projeto de nação e país que, há décadas, mas muito especialmente a partir da reconstitucionalização de 1988, vínhamos tentando construir, aos trancos e barrancos, após vencermos a ditadura militar que, todavia, renasce como valor.

Retracionista

No plano político, o projeto é a busca do caos, fácil de alcançar quando a insatisfação social é alimentada pelo radicalismo, quando a esclerose da democracia representativa é agravada pela crise dos partidos; quando a política é exorcizada, os políticos desmoralizados, e as instituições decaem no apreço nacional. O recesso político faz-se acompanhar de uma política econômica retracionista, antinacional, antipovo, segregacionista, concentracionista. A necessidade do desenvolvimento acelerado, pois a pobreza é raiz de todos os nossos problemas, econômicos, sociais e políticos, deu lugar à busca dogmática pelo equilíbrio fiscal, elevado à condição de fim em si, artigo de fé que dispensa demonstração; sonho de acadêmicos e tecnocratas treinados nas agências financeiras internacionais. Assim, somos condenados a nos afastar do desenvolvimento sempre que dele estamos próximos e, assim, décadas e décadas perdidas, permanecemos esperando um futuro que nunca chega. Nessa toada, nossas elites suicidas destruíram os espasmos desenvolvimentistas experimentados na República a partir de 1930, afogados por um liberalismo anacrônico que adiou, de forma irrecuperável, nossa industrialização, e nos condenou à dependência multiforme.

Copom

Se o país vai mal, se o povo vai mal, se o desemprego se acelera, se a Universidade é asfixiada, se o desenvolvimento cientifico e tecnológico – de que depende nosso futuro – é condenado às calendas gregas, isso tudo não passa de ‘detalhe’, como nos dizia em tempos passados madame Zélia Cardoso de Mello; ou quando, muito antes dela, e inumeráveis vezes mais ilustre e por isso mesmo incontáveis vezes mais pernicioso, Eugênio Gudin combatia nossa industrialização; os investimentos estatais e, de particular, nossa autonomia na produção de petróleo, renúncia lesa-pátria que o governo do capitão recupera. O PIB para 2019, que em janeiro foi calculado em 2,53% (já muito pequeno), tem sua estimativa reduzida para 1,1% (projeção do Banco Itaú que se pode ler também nas entrelinhas da Ata do Copom do dia 14), assinalando três anos consecutivos de estagnação. E não há qualquer expectativa de recuperação no médio prazo, o que se reflete nos índices de insegurança econômica apurados pela pesquisa IBRE/FGV; os quais, em abril, atingiram 117 pontos. O mais alto indicador desde novembro de 2018. A panaceia da ‘reforma’ da Previdência – o cantochão do mercado tonitruado em uníssono pela grande imprensa – só oferecerá resultados, quaisquer que sejam, no médio e no longo prazos, para quando são adiados os milagres. No plano interno, é grave a renitente crise da indústria, setor caracterizado pelo maior emprego de mão-de-obra formal, cuja produção recuou 2,2% e cujo faturamento caiu 4,1% comparado com os resultados do último trimestre de 2018, carregando consigo o baixo desempenho do setor serviços — responsável por 70% do PIB! — que despencou 0,7%.

Déficit primário

É o terceiro mês em queda. O setor de mineração, atingido por tragédias criminosas, é outro em crise, e apresenta, no primeiro trimestre, uma queda de 7,5%. De um modo geral o faturamento industrial recuou 6,3% em março com relação a fevereiro, as horas trabalhadas caíram 1,5%, a massa real de salários caiu 0,8% e a utilização da capacidade instalada recuou 0,9%. A indústria sofre com a ausência de demanda, o primeiro efeito da estagnação. Em depoimento da Câmara dos Deputados, ainda nesta terça-feira, o ‘Posto Ipiranga’ declara que o país ‘está no fundo do poço’. No primeiro trimestre de aventura bolsonarista, 28,231 milhões de brasileiros não tiveram trabalho ou desistiram de procurar emprego. Mas o Brasil responde por 29% do lucro mundial do Santander e o Itaú teve, no trimestre, um lucro líquido de R$ 6,9 bilhões. Nada obstante a obsessão dos ‘Chicago boys’ com o déficit primário, o rombo das contas públicas – R$ 21,1 bilhões – é o segundo pior para março, desde 1997. Nos últimos 12 messes o déficit chegou a R$ 118,6 bilhões. E a arrecadação continua serra abaixo, e em queda deve permanecer, pois este é o lado inafastável da recessão.

China

O desarranjo interno é agravado pelo quadro externo desfavorável, como a crise argentina que vem afetando nossas exportações de manufaturados, de especial as exportações do setor automobilístico, e, para além do plano regional, a tensão em alta entre Washington e a Comunidade Europeia, já às voltas com o Brexit. A perspectiva mais grave, porém, é a iminência de conflagração no Golfo Pérsico que, com ou sem invasão do Irã, com ou sem guerra, aponta para uma crise na produção e fornecimento de petróleo e o consequente e inevitável aumento do preço do barril. Os desdobramentos da guerra comercial que Donald Trump move contra a China estão em aberto, tudo pode acontecer. Termômetro dessa insegurança, caem as bolsas de todo o mundo e aqui a queda do índice Bovespa se faz acompanhar da alta do dólar. Como responde o governo? Anunciando novos cortes (mais R$ 10 bilhões), novos contingenciamentos, menos investimentos, ou seja, mais recessão, mos produção, menos emprego, menor arrecadação…

Descalabro

A lógica do governo se encerra num máximo de abertura comercial e liberação econômica associadas a um programa de privatizações liberal para atrair o investimento estrangeiro, a panaceia com a qual nos apontam o ministério da Economia e os analistas dos grandes bancos. Faltou, porém, combinar com Wall Street. No rol dos 25 países preferidos dos investidores (Índice Global de Confiança para Investimentos Estrangeiros, elaborado pela consultoria A.T. Kearney), o Brasil sequer é mencionado. O quadro do descalabro da economia nacional, acrescido da percepção da queda de sua popularidade, aumenta a paranoia do capitão, hoje, certamente muito preocupado com o cerco que o Ministério Público do RJ começa a costurar em torno do ainda senador Flávio Bolsonaro, acusado de ligações com as milícias fluminenses e o crime organizado, quando já não são poucas as turbulências em suas hostes; acicatadas pela truculência escatológica do astrólogo. • O pagador de promessas: o capitão anuncia que, grato, cumprirá o trato com o ex-juiz Sérgio Moro, indicando-o para a primeira vaga que se abrir no STF. * O partido da farda. Diz o Estadão (29/4/2019): “a ordem entre os militares é evitar disputas estéreis e se lembrar sempre de quem é o inimigo comum: a esquerda e o PT”. Pode? • A pergunta que não pode calar: quem mandou matar Marielle Franco? Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
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