Perseguição econômica em anistiado

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Publicado Terça, 12 de Março de 2019 às 15:10, por: CdB
Como passamos por tempos bizarros, é bom que sempre haja registros das ocorrências suspeitas no nosso dia a dia, pois podem prenunciar algo pior (ou não).
Por Celso Lungaretti, de São Paulo:
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Uma ação insidiosa e disfarçada
Então, informo que, como anistiado político desde outubro de 2005 (quando foi publicada a portaria ministerial respectiva), sempre pude obter os mesmos empréstimos consignados dos demais pensionistas da União e, em momentos de apuros financeiros, renová-los, recebendo de volta parte do valor das parcelas quitadas.
Em 2019, o site específico ficou inoperante por alguns dias, durante os quais, segundo a imprensa, foi passado um pente fino nas nossas pensões.
Quando voltou ao ar, tentei renovar um ou algum desses empréstimos, mas, estranhamente, aparecia para mim que havia saldo positivo para tanto, mas os bancos recebiam posição diferente, de que eu estaria com saldo negativo e impossibilitado de realizar tal operação.
Mas, eu e o gerente de uma instituição financeira descobrimos que tal dado não coincidia com outros registros; então, ele requereu a Brasília a uniformização. Depois de uns 10 dias o resultado chegou: o saldo negativo realmente inexistia.
Mas, quando tentei obter autorização para uma nova consignação (visando substituir uma antiga), apareceu um novo e diferente impedimento:
"O Anistiado (ANS) não está contemplado para contratar empréstimo consignado com base no disposto no parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto 8.690 de 11/03/2016".
Fui atrás do decreto:
"Art. 1º  Este Decreto dispõe sobre a gestão das consignações em folha de pagamento no âmbito do sistema de gestão de pessoas do Poder Executivo federal. Parágrafo único.  Este Decreto aplica-se: II - aos empregados, militares, aposentados e pensionistas cuja folha de pagamento seja processada pelo sistema de gestão de pessoas do Poder Executivo federal".
Ou seja, depois de 12 anos de entendimento e prática em contrário, aparentemente não estou mais igualado aos "pensionistas cuja folha de pagamento seja processada pelo sistema de gestão de pessoas do Poder Executivo federal", embora minha pensão de anistiado político seja processada exatamente por tal sistema; e embora tal decisão tenha sido tomada quase três anos depois de promulgado o decreto que a estaria embasando.
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OUTRAS ESTRANHEZAS – Mas, as estranhezas não se referem apenas a 2019. Já em 2018 os anistiados políticos beneficiados por uma decisão exemplar do Supremo Tribunal Federal começaram a encontrar dificuldades insólitas.
Assim, depois da novela sem fim na qual se transformou o recebimento da indenização retroativa que me foi também concedida em outubro de 2005 e deveria ter sido integralmente paga no prazo de 60 dias, houve finalmente o julgamento definitivo (vinculante) da questão por parte do STF no final de agosto de 2017, no qual, novamente o direito dos anistiados foi reconhecido por todos os ministros.
Aliás, o mesmo ocorrera nos julgamentos do mérito da questão e dos vários embargos de declaração interpostos pela Advocacia Geral da União durante a interminável tramitação do meu processo individual no Superior Tribunal de Justiça: nunca houve sequer um voto contrário!
O relator no Supremo foi Dias Toffoli, que fez esta afirmação contundente:
"...a opção do legislador, ao normatizar e garantir os direitos a esses anistiados, foi a de propiciar àqueles que tiveram sua dignidade destroçada pelo regime antidemocrático outrora instalado em nosso país um restabelecimento mínimo dessa dignidade".
O STJ, ao receber de volta meu processo, concedeu rapidamente a segurança, extinguindo-o em seguida.
No mesmo mês de dezembro de 2017 demos entrada no processo de execução da dívida, que tramitou rapidamente até março de 2018; porém, quando já estava concluso para decisão, não avançou mais.
Ao ficarmos sabendo que a União se recusava a pagar os juros e correção monetária referentes à duração totalmente anômala desse mandado de segurança, eu e o escritório de advocacia refizemos o pleito em outubro de 2018, pedindo apenas o valor constante na portaria interministerial de outubro de 2005 (o restante poderia ser buscado depois com outra ação judicial, cujo desfecho provavelmente eu nem estaria vivo para presenciar...).
Nem isto adiantou. O pagamento daquilo que um ministro de Estado me concedeu e as duas maiores cortes do país reconheceram continua pendente, 13 anos após o prazo fixado na lei e 12 anos depois de eu ter entrado com mandado de segurança.
Se, como avaliou Toffoli, tive minha dignidade destroçada durante a ditadura, a isto se acrescentou minha família e boa parte da minha vida destroçadas em plena democracia, pois as incertezas financeiras (e minha ingenuidade em sempre acreditar que as leis seriam cumpridas e as decisões dos tribunais, respeitadas) geraram tais efeitos em cascata que hoje, aos 68 anos, moro sozinho num quarto de hospedagem e passo por grandes dificuldades financeiras.
Mas, como nada que possam fazer comigo será pior do que já fizeram, em todos os sentidos, uma coisa é certa: não fugirei nem para o exterior, nem para fora da vida. Se algo diferente acontecer, é bom que todos estejam cientes disto.
 
Por Celso Lungaretti, jornalista, escritor e anistiado político.
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