Procurador da Lava Jato compra imóveis do Minha Casa Minha Vida

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Publicado Terça, 29 de Novembro de 2016 às 11:32, por: CdB

Evangélico, frequentador da Igreja Batista do Bacacheri, em Curitiba, Dallagnol agradece aos céus por registrar, no Cartório de Imóveis de Ponta Grossa, em fevereiro do ano passado, duas unidades no condomínio Le Village Pitangui

 

Por Redação - de Curitiba e São Paulo

 

Procurador da República e nome de frente na Operação Lava Jato, o promotor Deltan Dallagnol é um homem de convicções fortes. Acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com base nas mesmas diretivas imaginárias que o conduziram a um processo, movido pela defesa do líder petista. Mas, no campo dos negócios, a crença para o mercado imobiliário não falha. Com base na persuasão de um corretor, muito bem informado, comprou dois apartamentos construídos no programa Minha Casa, Minha Vida. O dinheiro rendeu.

procurador.jpgProcurador da República Deltan Dallagnol falou de suas convicções sobre Lula e foi processado
Vista do apartamento comprado por Dallagnol, para investimento

Evangélico, frequentador da Igreja Batista do Bacacheri, em Curitiba, Dallagnol agradece aos céus por registrar, no Cartório de Imóveis de Ponta Grossa, em fevereiro do ano passado, duas unidades no condomínio Le Village Pitangui, construído pela construtora FMM. Foi o que apurou o jornalista Joaquim de Carvalho, para o site de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM).

Pato Branco

Segundo a apuração, a FMM recorreu a um financiamento subsidiado pela Caixa Econômica Federal (CEF) para construir o empreendimento. “Mas os compradores não precisavam ser, necessariamente, pessoas de baixa renda. Dallagnol pagou R$ 76 mil por um apartamento, o 104 do bloco 7, e R$ 80 mil em outro, o 302 do bloco 8. Nas duas compras, uma escritura foi assinada em 22 de agosto de agosto de 2013 e outra, de rerratificação, em 20 de fevereiro do ano passado”.

“As escrituras foram assinadas pelo dono da construtora, Fernando Mehl Mathias, como vendedor, e por Deltan Dallagnol e a esposa, que é advogada, como compradores”, acrescenta. O promotor, natural de Pato Branco, no interior do Paraná, não pretende morar em Ponta Grossa. A compra serve apenas para investimento de capital. Sua residência, onde vive com a família, situa-se em um bairro de classe média, em Curitiba. Imóvel semelhante ao dele está anunciado para venda por R$ 895 mil. Ocupa 130 metros quadrados, com três suítes, cinco banheiros e duas vagas na garagem.

“Muito diferente dos seus apartamentos de Ponta Grossa, padrão Minha Casa, Minha Vida: 55 metros quadrados de área privativa". O condomínio tem 29 blocos de quatro andares, com quatro apartamentos por andar. Uma vaga na garagem, em princípio descoberta”, cita Carvalho.

Preço baixo

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Em Ponta Grossa, os apartamentos estão sendo vendidos a R$ 135 mil cada. “Diferença de R$ 59 mil em uma unidade (77,6%) em relação ao que ele pagou e de R$ 55 mil na outra unidade (68,7%)”, acrescenta. Uma corretora de Ponta Grossa disse ao jornalista que muitos apartamentos do condomínio ficaram nas mãos de investidores – “acho que a maioria”. Quem pode pagar à vista ou em poucas parcelas, quando o condomínio foi lançado, “fez um excelente negócio". "Ao contrário de quem agora está nas mãos dos investidores”, observa.

Os investidores pagam barato esperando pela valorização ou colocam o apartamento para alugar. Os do procurador Dallagnol nunca foram ocupados e, segundo uma corretora, ele não tem interesse no aluguel, em torno de R$ 600.

Comprar apartamento destinado preferencialmente ao programa Minha Casa, Minha Vida não é ilegal, mesmo quem tem altos rendimentos. Em outubro, os vencimentos totais brutos de Deltan Dallagnol foram de R$ 35.607,28, segundo o Portal da Transparência do MPF.

Os vencimentos líquidos do procurador foram de R$ 22.657,61, mas neste ano houve um mês – abril –,  em que ele recebeu líquidos R$ 67.024,07, com “indenização” e “outras remunerações retroativas/temporárias”, acima do teto constitucional.

Duplo subsídio

“Quem compra apartamentos habilitados para o Minha Casa, Minha Vida tira a oportunidade de quem procura conseguir um imóvel com financiamento com taxa de juros subsidiada – máximo de 8,16% ao ano. Na mão do investidor, caso de Deltan Dallagnol, o comprador terá que pagar à vista ou recorrer ao financiamento imobiliário regular – com taxa de 12% ao ano”, pontua.

— Podemos dizer que ele fez um excelente negócio. A valorização foi muito maior do que a maior parte dos investimentos. Mas não cometeu nenhuma ilegalidade — disse ao repórter um advogado, especialista em Direito Imobiliário, que não quer ter o nome divulgado por temer represália.

Segundo a ex-secretária nacional de Habitação no governo Dilma Rousseff, Inês Magalhães, durante a regulamentação do programa Minha Casa, Minha Vida, houve preocupação de vetar o duplo subsídio.

Mérito ético

— O imóvel que é financiado uma vez recebe o subsídio. Mas, se o imóvel for vendido, o segundo comprador não poderá ter o financiamento com taxa subsidiada. Isso nós evitamos, mas não pudemos impedir que quem tem dinheiro compre sem financiamento. E, com isso, ganhe com a especulação imobiliária — disse Inês Magalhães.

O procurador Dallagnol comprou como investimento, apostando na valorização de um imóvel popular, mas, como não recorreu a financiamento. Assim, não houve meio legal de impedir que ele (e outros investidores) fizesse isso.

— Impedir que quem tem dinheiro compre é interferir nas regras de mercado. Mas esta é uma discussão que temos de fazer: quem tem dinheiro pode comprar imóvel destinado ao Minha Casa, Minha Vida? — questiona Magalhães.

Embora a ex-secretária tenha preferido não entrar no mérito ético da compra dos imóveis por parte do procurador, deixa a crítica:

— Hoje, nós estamos sendo vítimas de julgamentos morais, numa campanha que tem à frente alguns procuradores. Eu não me sinto à vontade para fazer o mesmo. Mas que temos de discutir essa questão da especulação imobiliária, à luz da política habitacional para o país, isso temos.

Anticorrupção

“Dallagnol, na sua campanha em favor do projeto das dez medidas contra a corrupção – propostas idealizadas por ele e outros procuradores da Lava-Jato — já esteve em grandes jornais e igrejas. Em fevereiro deste ano, em entrevista ao canal do YouTube da Igreja Batista Atitude Central da Barra, do Rio de Janeiro, foi questionado. Os fiéis queriam detalhes sobre a razão de “trazer” o tema para debate dentro da igreja. Dallagnol respondeu:

— Esse processo de transformação envolve todos os atores da sociedade, e a Igreja, em especial, tem um papel muito particular nisso. Porque a Igreja é uma instituição ou um grupo de pessoas que amam a Deus, mas que tem um mote central de amor ao próximo, de amor à sociedade.

Em nota de sua assessoria, Dallagnol admite que adquiru “para fins de investimento, os dois apartamentos localizados em Ponta Grossa”. Ainda na resposta, afirma que a compra foi fechada “com recursos oriundos de salários”.

“Todos estão declarados em Imposto de Renda e foram pagos todos os tributos e taxas atinentes”, garante.

À vista

O repórter perguntou, ainda, se comprar apartamentos destinados a famílias com renda máxima de R$ 6,5 mil e depois revendê-los com um ganho superior a 60%, em um ano e meio, não seria uma prática questionável do ponto de vista ético. O procurador respondeu:

“O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) funciona com quatro faixas (faixa 1, faixa 1,5, faixa 2 e faixa 3). Dentre essas faixas, apenas a primeira oferece empreendimentos exclusivamente voltados para famílias de baixa renda. As demais faixas oferecem linhas de crédito para pessoas que atendam aos requisitos do programa” (…) O Le Village Pigangui é um empreendimento não exclusivo do programa.

“Assim, os imóveis comprados estavam disponíveis para aquisição por qualquer pessoa, independentemente de atender os requisitos do programa MCMV. Os apartamentos que adquiri foram comprados com recursos próprios, à vista, declarados em imposto de renda e sem qualquer financiamento. Não obtive financiamento do program MCMV ou de qualquer outro banco, pois comprei à vista”.

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