O que restará à esquerda após a inevitável prisão de Lula

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Publicado Quinta, 25 de Janeiro de 2018 às 12:16, por: CdB

A rede de emissoras das Organizações Globo, líder do cartel de comunicação que domina o setor, há décadas, justiça seja feita, foi alvo de crítica em nota assinada pela presidente da PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), com apoio de Lula.

 
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro

 

Cada centavo depositado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mais um e meio da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT), na conta da Rede Globo e seus satélites, ao longo de quase 15 anos — mais de R$ 6 bilhões, segundo as contas da ONG Transparência Brasil — encontrou o gol na sentença unânime do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-IV), por aumentar de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês de prisão para o líder petista. Algo bilhões de vez pior do que a derrota de 7 a 1 para a Alemanha.

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João Roberto Marinho, representante da Globo, premia o então presidente Lula por relevantes serviços prestados à emissora. A mesma que hoje acusa de haver colaborado com o golpe de Estado, em curso

A rede de emissoras das Organizações Globo, líder do cartel de comunicação que domina o setor, há décadas, justiça seja feita, foi alvo de crítica em nota assinada pela presidente da PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR); ainda no calor do impacto de três votos pela decisão colegiada de culpar o ex-presidente por receber um tríplex, no Guarujá, como pagamento de propina por incentivar um esquema de corrupção gigantesco na Petrobras. A estória, repetida à exaustão, no melhor estilo de Goebbels, funcionou perfeitamente.

Aqui no Rio, em uma sede secundária do império construído pela família Marinho, um grupo de jovens passou algumas horas no acampamento de protesto contra o establishment. E termina aí a capacidade da esquerda de se mobilizar contra o golpe de Estado que, agora, consegue neutralizar seu principal opositor.

Levante popular

Sem uma candidatura viável e a um passo da prisão, Lula deixa órfã a revolta popular contra a tomada do poder pela ultradireita. Recomendável que se passe a aceitar esta realidade. O eterno presidente dos pobres poderá, no máximo, recomendar aos eleitores insatisfeitos com os rumos do governo imposto pela Globo, a Avenida Paulista e o Movimento Brasil Livre (MBL) que votem neste ou naquele poste. A chance de o poste vencer as eleições até que é razoável; mas se descortina o horizonte para que as forças mais perversas aos trabalhadores cheguem às eleições de Outubro com os cascos afiados.

Ao que tudo indica, chance zero de um levante popular ser capaz de mudar os rumos dos acontecimentos.

Se houver a mínima possibilidade da reversão do quadro político, no deserto da certeza absoluta, ela se encontra nas urnas. Não há chance de uma revolta, armada ou não, seja lá de que matiz ideológico for, mobilizar os brasileiros para tomar de assalto os Três Poderes. A esquerda segue alijada dos quartéis, das forças de segurança e de todo o Judiciário; encastelada nas universidades e sindicatos.

Apoio de Lula

As primeiras já foram depauperadas por todos os cantos e os segundos perderam, com a reforma trabalhista, a principal fonte de financiamento; que era o imposto recolhido pelos trabalhadores. Estes últimos, na ruptura da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), hoje lutam para se manter empregados.

A miséria volta a arrombar as portas dos lares mais pobres; e a luta revolucionária cede à necessidade da sobrevivência.

Os malditos centavos que seguiram, em fila indiana, para os cofres do principal inimigo de todas as causas populares, financiaram não apenas o golpe de Estado, em curso, mas a derrota das lutas — mínimas que fossem — por um país mais digno e igualitário. Sem esse auxílio luxuoso dos governos Lula e Dilma, a principal ameaça à democracia brasileira estaria extinta.

A Globo teria quebrado. Após uma série de decisões catastróficas e o acúmulo de uma dívida relevante junto aos credores, nos EUA, Itália e Portugal, as empresas da família Marinho se socorreram na Secom; de onde saíram os bilhões de reais necessários ao reequilíbrio financeiro. Hoje, nadam às braçadas.

Diversidade

Qualquer chance que a mídia independente teve de florescer, durante o período de uma década e meia, esvaiu-se no pântano deste acordo entre o PT e a Globo. Atualmente, uns sites de linha progressista buscam alguns caraminguás junto às fundações mantidas por grandes capitalistas, a exemplo da Ford, de George Soros e dos mesmos irmãos Koch. Para não morrerem asfixiados, fazem acordos com os mantenedores do golpe; sob a desculpa de se manter um mínimo de diversidade. Mostrar para o mundo os miquinhos adestrados no zoológico da iniquidade.

Assim, a parte que sobra da militância socialista até os ossos resume-se a pouquíssimas fontes de informação. Uns outros, alinhados a um capitalismo mais brando — se é que possa existir algo assim —; endossam as opções menos cáusticas ao sistema. Enquanto isso, uma larga faixa próxima ao centro se mantém fiel aos meios de comunicação conservadores. Seguem em orgasmos ao lerem-se nas páginas e nas telinhas globais; em artigos inofensivos, mas com a velha retórica do marxismo consentido. Compartilham-se e curtem e colocam coraçõezinhos nas redes sociais norte-americanas; crentes que estão prestes a desencadear a Revolução dos Cravos Tropicais.

Na realidade, sinto dizer, da esquerda mesmo restará quase nada.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

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