Regularização fundiária para quem?

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Publicado Quinta, 16 de Fevereiro de 2017 às 07:42, por: CdB

Vivemos um tempo em que a tergiversação é arma de elevado poder ofensivo, porque reverberada por poderosas mídias, quando se quer defender privilégios e subtrair direitos

Por  Luciano Siqueira - de Recife:

O mote invariavelmente é algo que a todos incomoda, a burocracia estatal, por exemplo.

Quem não reclama dos processos lentos, complicados e muitas vezes mediados pela figura do despachante para resolver algo relativamente simples, nas relações entre o cidadão e os órgãos públicos?

Daí a roupagem da desburocratizarão via de regra servir de glacê para um bolo indigesto aos que vivem do seu trabalho e não gozam de benesses.

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Vivemos um tempo em que a tergiversação é arma de elevado poder ofensivo

Mesma lógica do “impostômetro”. Patrocinado pelos que muito ganham e pouco pagam e se recusam a fazer também um “jurômetro”. Porque se beneficiam da ciranda financeira.

É o que acontece agora quando, desde dezembro. O ilegítimo presidente de facto da República Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 759, destinada, entre outros objetivos, a "desburocratizar" a regularização fundiária rural e urbana.

Nada mais falso!

O que a MP 759 pretende, isto sim, é atropelar os processos de desapropriação passando por cima de dispositivos legais essenciais em defesa dos que ocupam terras antes devolutas, no campo. E nas cidades, extensas e inúmeras áreas de ocupação "irregular". Em decorrência da rápida urbanização verificada em nosso país.

Pois a Constituição Federal, em seu artigo 6º. Assegura um rol de procedimentos jurídicos, urbanísticos, ambientais e sociais destinados a regularizar assentamentos considerados irregulares. E o emitir o título de posso dos seus ocupantes. Em consonância com o caráter social da propriedade territorial urbana e o direito à sustentabilidade ambiental.

Numa apreciação mais atenta, a MP 759 rompe com o texto constitucional. Pois adota dispositivos que, na prática, anulam critérios que garantem o interesse social e favorecem aos detentores de capital.

Assim, suprime o tratamento especial às áreas de interesse social por parte do Poder Público. Inclusive o dever público de investir em infraestrutura e na requalificação urbanística das áreas, para assegurar condições de habitabilidade.

Regularização

Em assentamentos “subnormais” (para usar uma expressão muito cara a alguns estudiosos), o licenciamento ambiental há de ser sempre diferenciado quando do processo de regularização fundiária. A MP 759 anula esse tratamento diferenciado, impondo restrições legais, portanto, prejudiciais à população dessas áreas.

Por outro lado, extingue a obrigatoriedade dos loteadores irregulares e grileiros de terras públicas a providenciarem medidas corretivas, transferindo ao poder público essa responsabilidade.

A matéria é complexa, o texto da MP longo e detalhado. Esse breve registro pergunta: desburocratizar para quem?

 Luciano Siqueira é médico e vice-prefeito de Recife.

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