Relação ilegal entre Lava Jato e EUA tende a anular processos em curso

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Publicado Terça, 01 de Dezembro de 2020 às 12:00, por: CdB

Em conferência realizada em 2017, em Nova York, o procurador norte-americano Kenneth Blanco, confessou publicamente a existência da parceria “fora da lei” entre os procuradores da Operação Lava Jato.

Por Redação - de Brasília
Em despacho oficial, o Ministério da Justiça informou à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não encontrou qualquer registro quanto à cooperação internacional entre os procuradores da Lava Jato e autoridades do governo norte-americano. A ausência de atos formais entre os dois países após a transferência de informações sensíveis e quantias de dinheiro ainda não apuradas, mas superiores à casa dos R$ 100 milhões — segundo extratos de posse do Supremo Tribunal Federal (STF) — o relacionamento entre os procuradores de Curitiba e agentes federais norte-americanos se configura prática ilegal e poderá levar à anulação dos processos, muitos deles ainda em curso.
moro-dallagnol.jpgLava Jat
A oposição cita as supostas conversas entre Moro e procuradores da o com agentes do FBI, reveladas em reportagens do site The Intercept Brasil
De acordo com a legislação atual, qualquer cooperação internacional desse tipo deve passar pelo crivo do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). “Como resultado das pesquisas, não foi identificado nas bases de dados deste DRCI qualquer pedido de cooperação que atenda aos critérios supracitados”, informou o órgão do Ministério da Justiça. O Ministério, porém, não encerra o episódio e deixa uma janela aberta ao não descartar que o pedido de cooperação pode ter sido fechado durante os procedimentos de investigação. Seus sistemas, contudo, não estariam “parametrizados” para vincular pedidos nessa fase de investigação.

Relacionamento

Em conferência realizada em 2017, em Nova York, o procurador norte-americano Kenneth Blanco, confessou publicamente a existência da parceria “fora da lei” entre os procuradores. Blanco classificou a relação como um “relacionamento íntimo”, que desprezava “procedimentos formais”. “Esse é Kenneth Blanco, um procurador norte-americano, em uma conferência em Nova York, em 2017. Aqui ele explica a "teoria da conspiração" da colaboração entre Lava Jato e o Departamento de Justiça dos EUA. Um "relacionamento íntimo", que desprezava "procedimentos formais". pic.twitter.com/ycGcocEXtT", escreve o ex-presidente Lula, em seu perfil no Twitter.

De malas prontas

Na sequência de atos discutíveis quanto ao futuro da Lava Jato, o ex-ministro e ex-juiz da operação, Sergio Moro, anunciou que assumirá a Diretoria-Geral da Alvarez&Marsal, escritório norte-americano especializado em recuperação judicial e gestão de ativos. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no entanto, questiona o novo cargo do ex-juiz e deverá notificá-lo, nos próximos dias, para que ele esclareça se o trabalho a ser desenvolvido na consultoria de gestão de empresas tem alguma relação com a advocacia. A consultoria é especializada em recuperação judicial e gestão de ativos, e atua como administradora judicial do Grupo Odebrecht, grupo empresarial praticamente destruído durante o período de investigações da Lava Jato, no Brasil e no exterior. Dentre os clientes do escritório; além da Odebrecht, está a empreiteira OAS, outro alvo dos promotores de Curitiba, que entraram em recuperação judicial. Moro, assim, passa a trabalhar na recuperação de ativos das empresas que ele próprio ajudou a demolir. Mas ele nega que exista qualquer tipo de “conflito de interesse”. Moro, no entanto, está de malas prontas para os Estados Unidos. A mudança para Washington (DC), e seu novo contrato milionário têm gerado discussões acaloradas nas redes sociais. O mais recente a se posicionar foi o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que vê o novo status de Moro como uma espécie de retribuição por seus esforços em promover não somente o golpe de estado que depôs Dilma Rousseff em 2016, mas também pela liquidação de empresas como a Odebrecht através da Operação Lava-Jato. Em seu Twitter, Haddad postou a seguinte mensagem: “Pelo que entendi, Moro decidiu receber sua parte no golpe em dinheiro”.

Íntimos

Tal relação, aparentemente ilegal, da Lava Jato com os norte-americanos foi revelada em julho pela agência norte-americana de notícias The Intercept Brasil. Em parceria com a Agência Pública, a reportagem da série Vaza Jato mostrou que 18 agentes do FBI, a polícia federal norte-americana, estiveram em Curitiba, em outubro de 2015. Eles se reuniram com procuradores da Lava Jato e advogados de delatores. Tudo isso, sem passar pelo Ministério da Justiça. As conversas vazadas entre procuradores da Lava Jato também revelam intimidade com os americanos. A procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Lava Jato em São Paulo, chegou a enviar uma foto em que agentes do FBI aparecem com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira de Deltan Dallagnol. Ele se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”. A personagem em questão é Leslie R. Backschies, designada, em 2014, pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. Ela se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act. Trata-se de uma lei que permite que o Departamento de Justiça (DoJ, na sigla em inglês) dos Estados Unidos investigue e puna atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano.

Confirmação

Ainda antes, em agosto de 2019, um grupo de 13 membros do Partido Democrata dos EUA exigiu respostas para evidências sobre o papel do DoJ na cooperação com a Lava Jato. No entanto, quase um mês depois, em julho de 2020, o procurador-geral Willian Barr deu respostas evasivas. Ele alegou que não poderia tratar “sobre aspectos não públicos desses assuntos”. Mas citou quatro artigos publicados no próprio site do departamento que confirmam as relações antigas com os promotores de Curitiba. Além do DoJ, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos também teria participado do intercâmbio de informações.
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