Tese de que exista nazismo de esquerda deixa Araújo no ridículo

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Publicado Quinta, 28 de Março de 2019 às 12:25, por: CdB

A declaração, dada em longa entrevista a um canal de extrema direita no Youtube, repete um discurso que esteve em alta nas mídias sociais brasileiras durante as eleições, mas que jamais foi levada a sério por acadêmicos, na Alemanha.

 
Por Redação, com DW - de Brasília
  No cargo de ministro das Relações Exteriores, o chanceler Ernesto Araújo voltou a cair no ridículo. Desta vez, porém, em discurso público. Ele já havia repetido a tese de que o regime nazista era de esquerda, nas mídias sociais, o que foi considerado desonesto e sem sentido por acadêmicos e diplomatas. Historiadores europeus se impressionam: "Uma asneira e um disparate".
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Göebbels, ministro da Propaganda nazista, odiava os comunistas, os judeus e qualquer um que fosse de esquerda
A declaração, dada em longa entrevista a um canal de extrema direita no Youtube, repete um discurso que esteve em alta nas mídias sociais brasileiras durante as eleições, mas que jamais foi levada a sério por acadêmicos, na Alemanha. A posição de Araújo causa espanto aos historiadores. Na entrevista, questionado sobre a diferença entre o nacionalismo que defende e o pregado pelos regimes autoritários passados da Alemanha e Itália, o ministro respondeu que o sentimento nacional teria sido distorcido por grupos que o utilizaram para chegar ao poder. — Uma coisa que eu falo muito é dessa tendência da esquerda de pegar uma coisa boa, sequestrar, perverter e transformar numa coisa ruim. É mais ou menos o que aconteceu sempre com esses regimes totalitários. Isso tem a ver com o que eu digo que fascismo e nazismo são fenômenos de esquerda — destacou Araújo, na entrevista divulgada em 17 de março na página do movimento "Brasil Paralelo", grupo que propaga a linha de pensamento do ideólogo Olavo de Carvalho.

Antissemita

Foi a primeira vez que Araújo, como ministro, classificou o nazismo como um suposto movimento de esquerda – ele já o fizera em um texto publicado em 2017 em seu blog. A teoria vai contra o amplo consenso acadêmico e político sobre o tema na Alemanha, onde a disputa sobre a classificação da ideologia nazista é inexistente entre historiadores renomados. — Quando um ministro do Exterior faz esse tipo de afirmação, considero altamente problemático diplomaticamente e um absurdo, cientificamente — afirma a historiadora Stefanie Schüler-Springorum, diretora do Centro para Pesquisa sobre Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim. Um dos pilares do nazismo foi Joseph Goebbels (1897-1945). Virulentamente antissemita, Joseph Goebbels cuidou para que a mensagem nazista unificada e forjada em ferro chegasse a cada cidadão do "Terceiro Reich". Ele sufocou a liberdade de imprensa, controlou mídia, artes e informação, e impeliu Hitler a declarar "guerra total". Goebbels e esposa cometeram suicídio ao fim da Segunda Guerra, após envenenar seus seis filhos.

Asneira

O historiador Wulf Kansteiner, da Universidade de Aarhus, acrescenta que os nazistas jamais seguiram políticas de esquerda. — Ao contrário, propagavam valores da extrema direita; um extremo nacionalismo, um extremo antissemitismo e um extremo racismo. Nenhum especialista sério considera hoje o nazismo de alguma forma um fenômeno de esquerda. Por isso, da perspectiva acadêmica histórica, essa declaração é uma asneira — afirma. Segundo Kansteiner, tanto o entrevistador quanto o ministro jogam com a palavra totalitarismo e, durante sua argumentação, Araújo tenta com ela traçar uma fronteira entre o nacionalismo, que seria algo bom, e o socialismo, que seria algo ruim. — Historicamente isso é um disparate — ressalta o especialista, que também é autor do livro In pursuit of German memory (Em busca da memória alemã, em tradução livre).

Totalitarismo

Peter Carrier, coordenador de um projeto de pesquisa da Unesco sobre o ensino do Holocausto, promovido pelo Instituto alemão Georg Eckert, acrescenta que o ministro comete erros ao fazer referências à teoria do totalitarismo. — Se Araújo tivesse lido precisamente os teóricos do totalitarismo e fosse fiel a suas teses, ele deveria condenar tanto a direita quanto a esquerda, pois o totalitarismo implica que regimes autoritários de direita e de esquerda são igualmente ruins — afirma. A estratégia de tentar classificar o nazismo como uma ideologia de esquerda não é nova e chegou a ocorrer no passado em vários países. Mas nunca chegou a virar um debate sério entre especialistas.
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