Um golpe que cai

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Publicado Sexta, 09 de Dezembro de 2016 às 06:38, por: CdB

Por que o golpe se despedaça na sarjeta como um bêbado trôpego, sem que ninguém consiga recolocá-lo de pé e apesar da extrema boa vontade da mídia e do mercado com esse frango desossado que se amarrota sob o próprio peso?

 

Por Saul Leblon - de São Paulo:

Falta ao bêbado golpista algo que não se improvisa quando um ciclo de crescimento de uma nação se esgota e outro pede para ser construído: um projeto pactuado de futuro no qual a maioria da sociedade se enxergue e com o qual se identifique.

O oposto ocorre no Brasil agora, na verdade já ocorria desde 2012 quando se esgotou o fôlego contracíclico do Estado brasileiro e a desordem neoliberal no mundo não deu sinais de arrefecimento.

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Por que o golpe se despedaça na sarjeta como um bêbado trôpego, sem que ninguém consiga recolocá-lo de pé

Se o PT demorou a perceber o esgotamento de uma era do capitalismo desregulado. E que os bons tempos de comercio mundial crescendo o dobro do PIB não voltariam mais, o golpe foi além.

Continuou a apostar na autossuficiente restauração de um neoliberalismo tardio, enquanto seus fundamentos estrebuchavam no plano mundial, em altos decibéis a partir da vitória de Donald Trump nos EUA

A aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário tucanizado foi urdida para derrubar o PT.

O grande consenso dos derrotados em 2002, 2006, 2010 e 2014 teve notável eficácia nesse impulso.

A bem da verdade, contou com a ajuda de um alvo desgastad. Mas, sobretudo, mortalmente vulnerável por não ter se organizado para o embate de vida ou morte que viria. Como veio e o derrotou sem resistência.

A derrota petista - 'sem um tiro', como admitiu Lula - revelou uma outra ilusão não menos desastrosa em seu algoz.

A propaganda midiática de que a restauração da confiança dos mercados no governo faria o resto embriagou os golpistas que agora tropeçam e desabam na sarjeta dos bêbados da história.

Os que assaltaram o poder num processo iniciado em 2 de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, acolheu o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, não formavam mais que uma turba antipetista, antissocial e antinacional.

Não é pouco quando se trata de fazer estrago na democracia e revogar a vontade de 54 milhões de eleitores

Mas é insuficiente para compor uma nova espinha dorsal feita de respostas históricas articuladas e fortes o suficiente para estruturar um novo pacto de desenvolvimento.

Investidores

A crença cega nas virtudes autossuficientes dos livres mercados ficou à espera de que os capitais afluíssem em massa e os investidores fizessem filas nas Bolsas e nos ministérios encarregados de concluir o serviço privatizante iniciado pelo PSDB nos anos 90.

Não aconteceu e não acontecerá: nenhum governo que rasteja e reprime sua gente com o furor insustentável será reerguido pelas mãos dos mercados.

Claramente um condomínio de oportunistas e oportunidades. Desprovidos de um projeto de futuro dotado de força e consentimento para reordenar o destino da economia e da sociedade, a aventura golpista tropeça e rodopia como um joão-bobo no meio fio da desordem mundial e ao sabor dela.

Os interesses que se acomodavam no grande ônibus do antipetismo. Uma vez concluída a fase alegre dos consensos. Digladiam-se agora para decidir o rumo seguinte da viagem, quem vai dirigi-la, quem cobrará as passagens e quem sentará na janelinha.

Reina o furdunço enquanto a sociedade e a economia se dissolvem.

Presidenta da República

Em menos de 100 dias, a autofagia dos apetites díspares derrubou uma Presidenta da República, um presidente da Câmara. E colocou a cabeça do Presidente do Senado na linha da guilhotina. A fila pode andar com a cabeça do seu algoz, o ministro Marco Aurélio. Caso prevaleça a vontade de seu companheiro de toga, Gilmar Mendes.

É interminável o corredor da morte num projeto que se tornou refém da capacidade de mobilização da extrema direita, dopada pela demência histórica dos justiceiros da Lava Jato.

O resto é o horror que se sucede na crônica dos dias que rugem.

Num Brasil que enfrenta uma queda de 30% na taxa de investimento. Comparado o 3º trimestre de 2013 com o de 2016. Há obras paralisadas por conta da Lava Jato que já custaram R$ 55 bilhões. O equivalente a tudo o que o governo conseguiu arrecadar com a anistia aos depósitos no exterior.

É só um dos sumidouros por onde a nação escorre.

A industrialização se dissolve, mas os formuladores do vale tudo se preparam para extinguir a exigência de conteúdo nacional na exploração das reservas do pre-sal. Talvez o último impulso industrializante capaz de erguer uma ponte. Entre a defasagem tecnológico nacional e a quarta revolução industrial em curso no mundo...

A única forma de deter esse comboio irrefletido é opor ao desvario um projeto de repactuação negociada do desenvolvimento.

Em vez da lógica bêbada dos golpistas. Uma frente única de sobriedade política e responsabilidade histórica para devolver aos brasileiros a experiência inestimável de reassumir o comando do seu destino e acreditar nele.

Sem isso, o golpe que cai arrastará o conjunto da sociedade para uma ressaca histórica desesperadora.

Saul Leblon, é jornalista.

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