Um novo Maio 68 na França?

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Publicado Terça, 01 de Maio de 2018 às 12:00, por: CdB

Celso Lungaretti. jornalista, autor e frequente presença aqui no Direto da Redação, que foi um jovem resistente à ditadura militar,  é um náufrago da utopia, como ele próprio se declara. Celso é um visionário que escreve todos os dias contando suas visões de um novo mundo sem desigualdades. Felizmente, ele é um sobrevivente daqueles anos de resistência, dos quais restaram alguns visionários, que não participaram das aventuras lulistas, que se agravam dia a dia com a ausência de uma autocrítica do PT,  desacreditando hoje as bandeiras da verdadeira esquerda brasileira.  E Celso se pergunta, poderá haver um novo Maio 68 na França? Greves dos ferroviários e dos aeroviários da Air France, descontentamento popular com um presidente liberal que se considera chefe de uma empresa, decepção dos aposentados cujos pagamentos foram diminuídos, poderiam levar a uma revolta, porém não vivemos mais em Maio 68, o individualismo minou a consciência social. Por que não imaginar um novo Maio 68, que chegasse ao Brasil como um tsunami e provocasse uma grande transformação política, distribuindo além da justiça social a cultura para as novas gerações, instrumento capaz de evitar - como diz o senador Cristovam Buarque - a violência e a nossa endêmica corrupção? (Nota do Editor, RM)

Por Celso Lungaretti, de São Paulo:

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Maio 68 se transformou num sonho

Da minha parte, torço exatamente para as manifestações se avolumarem a tal ponto que reeditem as jornadas de 1968, reatando os fios da História.  

 
Lê-se na edição digital do jornal francês Le Monde que trabalhadores de ferrovias e hospitais, carteiros e funcionários públicos estavam, há alguns dias,  lado a lado com estudantes em atos convocados pela CGT e Solidaires (as centrais sindicais de esquerda e extrema-esquerda). 
 
O título: Entre 119.500 e 300.000 manifestantes contra governo, sendo o primeiro número da polícia e o segundo, dos organizadores.
 
 
Estará renascendo na França/2018...

O Libération destaca que o prédio principal da Sciences-Po, escola na qual o presidente Emmanuel Macron se formou, foi tomado por estudantes contrários à ditadura macroniana.

E,  mais reacionário ainda do que o Jair Bolsonaro, Le Figaro mancheteou o que torce muito para ver tornar-se realidade: Franceses divididos sobre uso da força para evacuar universidades.
 
Da minha parte, torço exatamente pelo contrário: para as manifestações se avolumarem a tal ponto que reeditem as jornadas de 1968, reatando os fios da História. 
 
Trata-se de uma esperança que frequenta meus escritos há décadas. Talvez a explicação mais completa que dei tenha sido esta:
...a esperança que inspirou o mundo em 1968?
"...a União Soviética, sob a tosca tirania de Stalin, serviu como espantalho para a propaganda capitalista dissuadir os operários das nações economicamente mais avançadas de seguirem na mesma direção. 
 
Contrariando a constatação de Marx, segundo quem eram os países mais pujantes que determinavam o destino da humanidade, com as demais sendo arrastados por sua dinâmica, as revoluções seguintes se deram em países pobres, desorganizados por guerras ou ainda emancipando-se da dominação colonial.
 
E o capitalismo foi aprendendo a lidar de forma cada vez mais eficiente com as várias tentativas vanguardistas que foram surgindo: seja vencendo militarmente as guerrilhas urbanas e rurais, seja asfixiando economicamente ou derrubando governantes adversos por meio das Forças Armadas, do Judiciário ou do Legislativo de seus respectivos países.
 
Mas, a revolta jovem de 1968 na França foi o primeiro indício de que a História não tem fim e, quando algumas portas se fecham, outras se abrem. O capitalismo não tem tudo dominado, nem jamais terá; pelo contrário, marcha em passos rápidos para a extinção, que só vai significar o fim da História profetizado por Francis Fukuyama se a própria espécie humana extinguir-se junto com ele.
 
Uma nova esquerda despontou em 2013. E foi tratada a pontapés pela velha...
A sociedade que desenvolveu ao máximo os meios de comunicação é também a sociedade em que uma simples centelha evolui rapidamente para incêndio, surpreendendo governos e suas polícias.

Já em 1968, uma onda de paralisações em escolas de Paris evoluiu rapidamente para uma formidável greve geral, fazendo o presidente De Gaulle balançar no cargo, que só conservou graças à boia que o Partido Comunista Francês lhe atirou, mais interessado em manter sua liderança nas entidades sindicais do que em fazer a revolução. 
...que parece ter esquecido totalmente o próprio passado.

Merecidamente, ao agir como fura-greves da nova Comuna de Paris (são marcantes as semelhanças entre o que propunham communards de 1871 e a pauta de seus congêneres de 1968, ambas, aliás, inspiradíssimas!), o PCF se condenou à insignificância. Os franceses não são tão condescendentes com relação às atuações desastrosas de seus partidos quanto os esquerdistas brasileiros...

E, nas manifestações contra o capitalismo e suas mazelas que vêm marcando a década atual, incluindo as jornadas de junho de 2013 no Brasil, a pulverização da vanguarda é uma característica comum. Não há força majoritária da esquerda as convocando e conduzindo, mas uma imensidão de células independentes imantadas pelas redes sociais.
 
Este título se revelará profético?

Fazem lembrar as ondas revolucionárias que, segundo Marx, varreriam o mundo. Dá para imaginarmos que, com a agonia capitalista chegando ao ponto decisivo, uma crise do tipo da imobiliária de 2007/2008 possa não só evoluir para um clash como o de 1929, mas também gerar uma reação da sociedade equivalente à Primavera de Paris.
 
Concordo com Zuenir Ventura: 1968 não terminou. Os fios da História poderão até ser reatados meio século depois, por que não?".
 
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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