Um apressadinho trombeteou que, nos Estados Unidos, os jornais baixariam à sepultura em 2017. Bem, o ano começou e eles continuam lá, só que nem firmes nem fortes: Wall Street Journal, New York Times, The Boston Globe, os mais prestigiosos e influentes veículos da terra do Cidadão Kane sofrem contínuas quedas na tiragem.
Por Apóllo Natali, de São Paulo:
Há muito se profetiza o fim dos jornais impressos.
Outro necrólogo dos jornais, Philip Meyer, professor da Universidade da Carolina do Norte, em seu livro The Vanishing Newspaper, concedeu uns bons aninhos a mais para os jornais em papel nos EUA, antes de expirarem inapelavelmente.
Segundo ele, de todos os meios antigos, são os jornais impressos os que mais espaço vêm perdendo para a internet, daí terem um encontro marcado com a morte no primeiro trimestre de 2043, “quando o último leitor estiver cansado e colocar de lado a última edição amarrotada”.
Chutes de datas à parte, a tendência é inequívoca. Tanto que, no último mês de março, The Independent se tornou o primeiro jornal britânico a ser publicado apenas em versão digital.
Na ocasião, El País, o jornal mais global em língua espanhola, anunciou que também preparava a transição para se tornar um veículo estritamente digital (o que não ocorreu até agora). E grandes jornais do mundo inteiro priorizavam em seus investimentos as melhoras nas edições digitais, sinal inequívoco de que não veem futuro nas edições impressas.
Até porque o modelo de negócios dos ditos cujos está implodindo, à medida que os leitores jovens vão atrás de notícias nos tabloides gratuitos e na mídia eletrônica. A internet, com sua vastidão, energia e imediatismo, deixa pra trás, ofegantes, os sonolentos dinossauros de papel.
"ABAIXO A DITABRANDA!"
No Brasil, à parte jornais influentes assassinados pela ditadura militar implantada em 1964, como o sólido Correio da Manhã, a mortandade impressa por motivos naturais já chegou.
Assim morre um jornal |
Um dos outrora mais importantes do país, o Jornal do Brasil, antes de estrebuchar de uma vez por todas promoveu, inutilmente, uma radical reforma gráfica, que trouxe como grande novidade um novo formato, o berliner (veja mais sobre isto no antepenúltimo parágrafo).
Seguia receita usada por tradicionais periódicos europeus. Prático de manusear e carregar, mais agradável aos olhos das novas gerações, tal tratamento intensivo ao paciente terminal não deu, contudo, sobrevida nem a jornais bicentenários pelo mundo, que acabaram fechando.
Seguia receita usada por tradicionais periódicos europeus. Prático de manusear e carregar, mais agradável aos olhos das novas gerações, tal tratamento intensivo ao paciente terminal não deu, contudo, sobrevida nem a jornais bicentenários pelo mundo, que acabaram fechando.
Outro cadáver, o do Jornal da Tarde, do Grupo Estado, em São Paulo, foi sepultado no final de 2012. O motivo do falecimento, segundo seu criador Mino Carta, foi ter perdido a própria razão de ser:
"Toda a imprensa brasileira decaiu, mas a morte do jornal há de ser vista como conseqüência fatal da decadência do jornalismo impresso, cercado por forças novas, encaradas com perplexidade por este velho profissional, incapaz de imaginar o desfecho disso tudo".
Uma das forças novas (por enquanto ainda imperceptível) a cercar o jornalismo impresso e a minar suas forças, não é digital e sim ideológica. O saudoso professor Perseu Abramo avaliou, em Padrões de Manipulação da Grande Imprensa, que o jornalismo precisa se libertar de seu pior inimigo, que é a própria imprensa tal como ela existe hoje.
O que é um jornal? Um punhado de cidadãos com dinheiro para comprar impressoras e montar infraestrutura de redação e distribuição para publicar o que eles querem que o público leia e não publicar o que eles não querem que o público leia, para o bem de seus próprios interesses econômicos, políticos e ideológicos. Numa palavra, manipulação das consciências. Perfeitamente democrático. Perfeitamente amoral.
Abramo foi além, captando outra tendência que, vampirescamente, drenaria o sangue das jugulares dos jornais: a de que as classes dominadas não mais teriam motivos para acreditar ou confiar na imprensa, em papel ou digital, muito menos para seguir suas orientações:
Abramo foi além, captando outra tendência que, vampirescamente, drenaria o sangue das jugulares dos jornais: a de que as classes dominadas não mais teriam motivos para acreditar ou confiar na imprensa, em papel ou digital, muito menos para seguir suas orientações:
"Passariam a intensificar sua postura crítica, sua análise de conteúdo e forma, diante dos órgãos de comunicação. Por meio de seus setores mais organizados, contestariam as informações jornalísticas, fariam a comparação militante entre o real acontecido e o irreal comunicado, fariam a denúncia sistemática da manipulação e da distorção. Tomariam como uma de suas principais tarefas de luta a desmistificação organizada da imprensa e das empresas de comunicação".
Um episódio emblemático neste sentido foi o contundente e abrangente repúdio, nas redes sociais e em manifestação de rua, a um editorial da Folha de S. Paulo que, em fevereiro de 2009, minimizou os horrores do regime militar, afirmando ter havido no Brasil uma mera ditabranda.
UMA HISTÓRIA DE 2 MILÊNIOS
Enquanto isto, ao redor das tumbas dos jornais finados, ecoam os sussurros da fascinante história da imprensa escrita.
Acta Diurna, a vovó dos jornais |
O primeiro jornal de que se tem notícia no mundo foi criado pelo imperador romano Júlio César em 59 a.C., para divulgar suas conquistas militares e informar o povo da expansão do Império, fazendo embutir, como bom marqueteiro que era, muita propaganda pessoal nos relatos.
Tratava-se da chamada Acta Diurna, publicado em grandes placas brancas de papel e madeira, que eram expostas nas principais praças das grandes cidades a fim de que as pessoas lessem de graça. Para escrevê-lo, surgiram os primeiros jornalistas, com a denominação de correspondentes imperais.
O formato, semelhante ao dos outdoors atuais, foi adotado porque a fabricação do papel era muito onerosa utilizando-se a tecnologia então conhecida em Roma (desde 105 a.C. já se fabricava papel a partir de fibras vegetais na China, mas a novidade ainda não havia chegado no Mediterrâneo).
Passamos então pela prensa de Gutenberg, inventada em 1438; e tivemos na Revolução Francesa o maior impulso de um dos mais antigos métodos de impressão, a tipografia, com a publicação de 1.500 títulos na época, duas vezes mais que no século e meio anterior a 1789.
Inventamos, nestes 578 anos transcorridos desde o surgimento da prensa, velocíssimos, nítidos e econômicos métodos de impressão em superfícies lisas ou não, chamados, entre outros, de off-set, flexografia, rotogravura, litografia, tampografia, xerografia.
Ao chegarmos no ano de 2006, resolvemos diminuir o tamanho do velho jornalão, que ora xingamos de mastodonte. Os primeiros de menor tamanho circularam e ainda circulam pelo mundo e também no Brasil, denominados padrão berliner, imagens e textos curtos pipocando em seu formato de 47 x 37,5 centímetros, um pouco menor do que o tabloide.
Jornal de Marat, o mais emblemático da Revolução Francesa |
Ingressamos na era do plasma, um pedaço de papel eletrônico, espécie de plástico dobrável, para pôr no bolso. Uma tela portátil, denominada e-reader, de 12,2 por 16,3 centímetros. Impresso e alimentado via internet sem fio, a rotatividade das notícias é monitorada via digital. Encostamos a ponta da unha e pronto, temos sempre novas e novas notícias.
Não há jornal impresso que resista ao furacão de avanços tecnológicos a que chegamos neste século 21 e das tempestades eletrônicas que se avizinham.
Não há jornal impresso que resista ao furacão de avanços tecnológicos a que chegamos neste século 21 e das tempestades eletrônicas que se avizinham.
E os avanços ideológicos nas classes dominadas, estes igualmente carregam a alça do esquife dos jornais impressos rumo ao cemitério.
Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmente para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.