A esquerda é responsável pelas PMs golpistas

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Publicado Domingo, 29 de Agosto de 2021 às 11:24, por: CdB

A fraqueza da esquerda, na remoção do entulho autoritário deixado pela Ditadura Militar, tem muito a ver com a atual adesão das Polícias Militares ao golpismo. Por não havermos feito a lição de casa quando do final do arbítrio e volta à civilização (ou seja, durante a redemocratização), voltamos a nos defrontar com problemas que deveriam ter sido resolvidos lá atrás, como  o do acentuado componente autoritário das polícias estaduais.

Por Celso Lungaretti
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Por que existem Polícias Militares atraídas por um Golpe?
Por não havermos feito a lição de casa quando do final do arbítrio e volta à civilização (ou seja, durante a redemocratização), voltamos a nos defrontar com problemas que deveriam ter sido resolvidos lá atrás, como  o do acentuado componente autoritário das polícias estaduais.
Na sua trajetória para concentrarem poder na segunda metade da década de 1960, os militares encontraram alguma resistência por parte dos governadores civis que ajudaram a dar o golpe mas depois viram, com óbvio desagrado, esfumarem-se suas ambições presidenciais.
Precavidos, os usurpadores do poder resolveram assegurar-se de que tais paisanos não contariam com tropas a eles leais, no caso de tentarem resistir à nova ordem que ele estavam instalando.
O governador paulista Adhemar de Barros, p. ex., até o último momento acreditou que a Força Pública impediria a cassação do seu mandato (tiraram-no do caminho acusando-o de corrupto –o que ele sempre fora– mas, principalmente, porque não se conformava com o monopólio castrense do poder).
Então, nas Constituições impostas de 1967 e 1969, a ditadura fez constar, de forma inequívoca, que "as polícias militares (...) e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército".
Na prática, seus comandos foram sendo cada vez mais subordinados aos das Forças Armadas; e as lições de tortura aprendidas de instrutores estadunidenses e aprimoradas nos DOI-Codi's da vida acabaram ciosamente repassadas aos novos pupilos.
Daí a tortura ter continuado a grassar solta, longe dos holofotes, até a atualidade, só mudando o perfil das vítimas (passaram a ser os presos comuns).
Além disto, a ditadura estimulou a absorção da civilizada Guarda Civil de São Paulo pela truculenta Força Pública (que atuava como tropa de choque em conflitos), sob a denominação de Polícia Militar.
Vale notar que o decreto-lei neste sentido, o de nº 217, é de 08/04/1970, bem no auge do terrorismo de Estado no Brasil.
E tal modelo de militarização do policiamento urbano, iniciado em São Paulo  foi espalhado por todo o País, assim como se deu com o próprio DOI-Codi, criado em SP (com o nome de Operação Bandeirantes) como uma entidade repressiva autônoma, sustentada por doações de particulares, liderada por oficiais das Forças Armadas e utilizando pessoal subalterno das três Armas e das polícias civis.
Paradoxalmente, a Oban não tinha existência ilegal, mas o órgão legalmente incumbido da repressão política, o Deops, estava a ela subordinado na prática. Depois de vários meses, contudo, o modelo da Oban, rebatizado como DOI-Codi, foi incorporado à estrutura do Exército e disseminado pelo País.
Enfim, a esquerda tinha plena ciência de que tal ovo da serpente havia sido chocado durante a ditadura militar mas nos deixou, ao Marcelo Freixo e a mim, falando praticamente sozinhos, quando passamos várias décadas pregando insistentemente a desmilitarização do policiamento urbano.
E os governos petistas, além de não assumirem tal bandeira, quase sempre evitaram se posicionar firmemente contra chacinas e o uso excessivo por parte das PM's, inclusive quando da bestial repressão aos manifestantes de junho de 2013.
Consequentemente, o que havia de pior no regime de exceção continuou vigendo nas polícias estaduais após a ditadura militar ter sido jogada na lixeira da História. E fazendo a cabeça dos oficiais de vários contingentes das PM's, como a Rota, cujos índices de letalidade estarreciam o mundo!
Em 2012, p. ex., o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou a extinção das polícias militares brasileiras, em função de seu altíssimo índice de letalidade e de parte expressiva de tais óbitos se dever a execuções extrajudiciais.
A ONU chegou a tal conclusão após analisar 11 mil casos de alegadas  resistências seguidas de morte, constatando quão frequente era não haver resistência nenhuma e as autoridades brasileiras acobertarem os homicídios desnecessários e covardes perpetrados pela PMs.
Segundo um levantamento então divulgado, em São Paulo, no ano de 2011, a PM havia matado seis vezes mais pessoas (!) durante ações de combate ao crime, do que seus pares da Polícia Civil.
Os omissos, que cruzaram os braços enquanto ocorriam tantos episódios escabrosos e inaceitáveis, serão moralmente responsáveis pelas mortes que porventura ocorrerem quando da micareta golpista de 7 de setembro. (por Celso Lungaretti, jornalista, combatente contra a Ditadura, editor do blog Náufrago da Utopia).
Direto da Redação é um painel de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.
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