A feira dos partidos e o rebaixamento da política no Brasil

Arquivado em:
Publicado Quarta, 06 de Abril de 2022 às 06:26, por: CdB

O que se vê é um sistema político em que interesses privados se sobrepõem e são referência para as decisões políticas. O que mais acontece são deputados votando do jeito que querem e bem entendem e, em períodos eleitorais, usam sua função para obter favores.

Por Wellington Duarte– de Brasília

A música Ideologia (1987), de Cazuza, completa 35 anos e permanece presente na nossa vida, e a tal “janela partidária” é um dos exemplos da degenerescência ideológica que permeia nosso sistema partidário. Dos 513 deputados, 130 deputados, ¼ da Câmara, trocou de partidos e a escolha nada teve de convicção ideológica, e sim de negócios, revelando (sic) ao eleitor brasileiro o quanto ele é pouco lembrando pelos deputados quando se trata de escolher seu futuro.
partidos.jpeg
O que se vê é um sistema político em que interesses privados se sobrepõem e são referência para as decisões políticas
Se observarmos com um pouco mais critério a nossa história, veremos que não existiu ou existe uma tradição partidária ideológica, à exceção do período entre 1945 e 1964, quando se formou um sistema partidário minimamente calcado no posicionamento ideológico dos seus proponentes, mesmo realçando que o Partido Comunista do Brasil, então PCB, foi legalizado em 1945 e cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 1947. Os 21 anos de ditadura mergulharam o sistema político brasileiro no limbo, esfacelaram o sistema partidário e montaram uma alegoria política, com a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), do governo, e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. O retorno, que começou em 1979, dos partidos políticos, encontrou uma sociedade em que a escolha dos partidos, e do voto, voltou a ser definida com base no “caciquismo”, relembrando o período pré-30, no qual a formatação política era desenhada a partir de interesses dos grupos oligárquicos locais, dentro do partido único, o Republicano.

Ditadura

O período pós Ditadura tornou o sistema partidário um modelo de negócios e de benesses orçamentárias, além de possibilidades de “sucesso eleitoral” pessoal, ou seja, as eleições, passaram a ser encaradas como momentos em que os candidatos fazem escolhas baseadas nas suas expectativas individuais e não nos seus compromissos com qualquer princípio ideológico e muito menos com o eleitor. A “janela partidária”, regulamentada pela Lei nº 13.165/2015, de 29/09/2015 e pela Emenda Constitucional n° 91, de 18/02/2016, estabelecendo que Essa janela partidária se abre por 30 dias, antes do prazo de 6 meses do pleito eletivo. É o tempo para que qualquer candidato, que pretenda nele concorrer, esteja filiado a um partido político. E aí a feira livre acontece nas barbas do eleitor, um mero espectador. A “janela partidária” expressa o acanalhamento do sistema partidário, que é do interesse das elites, na medida em que é muito mais interessante que o movimento dos representantes do povo, sob a égide da tal “democracia representativa”, do que um debate político baseada nos elemento ideológicos de cada parlamentar ou de cada partido. À exceção dos partidos que tem como base da sua ação política, que são poucos, o que se vê é um sistema político em que interesses privados se sobrepõem e são referência para as decisões políticas. O que mais acontece são deputados votando do jeito que querem e bem entendem e, em períodos eleitorais, usam sua função para obter favores. Quando olhamos para as nossas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara de Deputados e o Senado, vemos verdadeiros “milagres partidários” com partidos fantasmas se tornando as maiores bancadas, veja-se o exemplo do extinto Partido Social Liberal (PSL), que passou de 1 para 56 deputados; e o Partido Liberal (PL), antigo Partido Republicano Brasileiro (PRB), uma espécie de sucursal da Iurd, passou, num piscar de olhos, de 33 para 73 deputados. A democracia liberal representativa, que nunca foi nem democrática e nem representativa, mostra a necessidade de termos uma Constituinte que redesenhe o sistema político-partidário braZileiro, do contrário o circo eleitoral se manterá e os eleitorais cada vez serão os otários de plantão.

Wellington Duarte, é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Gande do Norte - UFRN, doutor em Ciência Política e presidente do Sindicato dos Professores da UFRN (ADURN-sindicato).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo