A grande oportunidade

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Publicado terça-feira, 6 de junho de 2006 as 13:34, por: CdB

Se vencer as eleições, Lula sabe que o próximo mandato poderá colocá-lo na História ao lado de Vargas ou ao lado de Fernando Henrique. Cabe-lhe escolher o seu companheiro de posteridade. Mas como será possível retomar um projeto de desenvolvimento com o Congresso que temos?

Começa a esboçar-se a consciência de que o próximo governo Lula (frágeis que são as possibilidades de que venha a ser derrotado) será a grande oportunidade para que o Brasil reorganize o Estado e, voltando atrás 50 anos, retome o velho projeto de desenvolvimento econômico soberano e de solidariedade nacional. É nesse momento que o Presidente Luís Inácio é chamado a refletir seriamente em como conduzir a campanha eleitoral, de forma a garantir, sem sobressaltos maiores, a reeleição, e comece a pensar em como liderar a nação nos próximos quatro anos.

O Presidente conhece as suas fragilidades, mas também a sua força. Se lhe faltam os conhecimentos acadêmicos, sobra-lhe a experiência do sofrimento do povo. Desde que os gregos descobriram a dialética, sabemos que a força pode nascer da aparente debilidade. Um líder, ainda que seja o mais erudito de todos os homens, deve saber ouvir até mesmo o mais ignorante deles. Se alguém souber tudo, ainda lhe faltará saber alguma coisa. E mais, se o conhecimento não for amparado na sabedoria da dúvida, corre-se o risco de comprometê-lo com a infecção da vaidade e da arrogância. Saber ouvir e calar-se nas horas que a exigem, é a maior virtude dos líderes.

Vamos passar por horas difíceis, no plano interno e no plano externo. Temos que buscar o equilíbrio entre a austeridade administrativa e a necessidade de investir a prazo maior, na educação, na saúde e na segurança pública. Estivemos, nos últimos quarenta e dois anos, sob a ditadura do pensamento técnico. É hora de substitui-lo pelo pensamento humanista. Em recente artigo, o Sr. Delfim Neto lembrava o clássico Adam Smith e suas idéias éticas sobre o papel da economia. É uma boa lembrança, quando o pensamento do filósofo inglês é freqüentemente mal traduzido em nosso País.

Criticam-se, e este mesmo colunista o fez, programas meramente assistencialistas, como o Fome Zero. Seria melhor que adotássemos a estratégia do New Deal, de oferecer empregos, mesmo precários e para atividades desnecessárias, em troca de salários, ainda que reduzidos, do que simplesmente distribuir dinheiro. As contrapartidas exigidas dos assistidos, importantes do ponto de vista social, não são vistas como trabalho – e só a consciência de que ganhamos o pão com o suor do rosto confere dignidade às pessoas. Mas, de qualquer forma, embora não atinja todo o universo da miséria, e possa ser fraudado pelos espertos (entre os pobres também os há, porque as falcatruas não são privilégio dos ricos, embora sejam eles mais bem sucedidos e sempre impunes), o programa trouxe grandes resultados.

No caso da educação, a crítica à preferência atual pelo ensino universitário procede. O Ministro Haddad defende esse privilégio com o argumento de que é preciso vir de cima para baixo, ou seja, formar professores secundários para que esses formem professores primários. Ora, o ministro, provavelmente um técnico, está enganado. As antigas escolas normais substituíam as universidades e formavam excelentes mestras e mestres, não só para o ensino fundamental, como, também, para os ginásios e colégios. Ensinar a ler e a escrever não é bicho de sete cabeças: basta aos professores saber ler e escrever, coisa que está sendo difícil hoje, mesmo entre os licenciados pelas universidades privadas (e, para nosso desespero, algumas públicas). A mania de dar parâmetros técnicos e formais ao ensino elementar dele retirou o básico e fundamental, que é ensinar a ler, a escrever e a contar – e, assim, a pensar -, como ocorria no passado. Mais do que isso: mesmo sob o domínio das oligarquias, os governos estimulavam os princípios éticos que constroem as nações. Livros como Contos Pátrios, de Bilac e Coelho