Rio de Janeiro, 04 de Novembro de 2024

Em 2023 a economia tem que mudar!

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Sexta, 18 de Fevereiro de 2022 às 06:00, por: CdB

 

É importante levarmos em conta a natureza proto-fascista deste governo e as imensas dificuldades que seu chefe e as forças que a apoiam colocarão para reconhecer o resultado adverso no voto popular e inviabilizar uma transição menos traumática para uma equipe governamental da oposição.

Por Paulo Kliass – de Brasília

Faltam menos de oito meses para realização do primeiro turno das eleições de 2022. Neste ano, o primeiro domingo de outubro cai no dia 2. Apesar de todas as particularidades e indefinições ainda existentes a respeito do pleito presidencial, o fato concreto é que a candidatura de Lula segue se consolidando como a alternativa mais viável para derrotar Bolsonaro nas urnas e permitir que o Brasil volte a se encontrar com o rumo que havia começado a trilhar desde 2003.
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Faltam menos de oito meses para realização do primeiro turno das eleições de 2022
É importante levarmos em conta a natureza proto-fascista deste governo e as imensas dificuldades que seu chefe e as forças que a apoiam colocarão para reconhecer o resultado adverso no voto popular e inviabilizar uma transição menos traumática para uma equipe governamental da oposição. Bolsonaro tem dito e repetido que não reconhecerá qualquer outra hipótese que não seja a sua própria reeleição. Ele vive lançando provocações quanto à suposta insegurança do nosso modelo de votação eletrônica, que se tornou uma das melhores referências no mundo a esse respeito. Inspirado na tentativa putschista articulada pelo seu ídolo norte-americano, Donald Trump, ele especula sobre uma possível invasão das instituições na Praça dos Três Poderes, a exemplo do que fizeram os extremistas frustrados com a vitória de Joe Biden, ao promoverem a invasão irresponsável do Capitólio. Para não perder o foco de seu permanente espírito golpista e também com o intuito de manter suas tropas ensandecidas para qualquer tipo de ação desesperada, Bolsonaro fustiga diariamente os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tendo inclusive colocado um general de sua confiança para integrar a corte responsável pelo acompanhamento das eleições. O General Fernando Azevedo, que foi Ministro da Defesa, está ocupando o estratégico cargo de Secretário Geral do TSE. No entanto, o tempo da política costuma ficar mais acelerado nos anos de eleições, em especial pelo acompanhamento sistemático das tendências apontadas pelas pesquisas de opinião por parte de todas as forças políticas do País. E, nesse caso, aparece uma espécie de unanimidade entre os institutos de pesquisa quanto à vitória de Lula. Se a eleição tivesse ocorrido em cada um dos inúmeros dias de todas as pesquisas já realizadas desde setembro do ano passado, o ex presidente teria vencido em todos eles. A dúvida que ainda permanece refere-se à cada vez mais provável vitória no primeiro turno ou a hipótese de termos que aguardar pelo resultado definitivo a ser anunciado ao final do dia 30 de outubro, o último domingo daquele mês, quando será realizado o segundo turno. É bem verdade que “jogo é jogo; treino é treino” e que “pesquisa é fotografia e não filme”. Mas é mesmo difícil escapar da tentação das projeções, por mais que o salto alto deva ser evitado a todo custo.

Bolsonaro acuado e Lula na liderança

Esse quadro complexo apontando para uma possível consagração de um terceiro mandato para Lula nas urnas opera como um complicador no xadrez das elites brasileiras e de seu comportamento junto às forças que tradicionalmente lhes prestam serviço nas diversas esferas dos poderes do Estado. Ao contrário do que fizeram em outubro de 2018, tudo indica que boa parte das classes dominantes tupiniquins devem mesmo abandonar o barco de Bolsonaro no pleito que se aproxima. Seja pela inviabilidade eleitoral do ex capitão, seja pela incapacidade de articularem um representante da chamada “terceira via” com chances reais de disputar a Presidência da República, seja por assumirem um certo conformismo frente à inevitabilidade de um novo quadriênio com Lula ocupando o Palácio do Planalto. Alguns setores chegam mesmo a esboçar publicamente um mea culpa e reconhecem o equívoco de terem contribuído para o advento desses quatro anos de desgraça e tragédia que se abateram sobre o nosso País. Ora, a tradição de se operar a política em nossas terras faz com que o cheiro de vitória apresente como contrapartida necessária – mas um tanto incômoda, reconheçamos – todo o tipo de arrivismo político em direção ao potencial ganhador. O entorno de Lula começa a receber a pressão de setores tão díspares como o movimento dos sem-terra e os representantes do agronegócio; as centrais sindicais e os representantes dos empresários de várias tendências; os grupos políticos associados ao fisiologismo do Centrão e os partidos alinhados mais à esquerda no nosso espectro político; os representantes dos movimentos identitários e os grupos ligados a setores até mesmo do fundamentalismo religioso. Enfim, Lula será mais uma vez confrontado à sua enorme capacidade de conciliação e de negociação, com a árdua missão de colocar em um mesmo barco interesses tão diversos e, por vezes, até mesmo antagônicos. A tentativa de atrair Geraldo Alckmin para o cargo de vice-presidente tem por objetivo ampliar politicamente o apoio à chapa e facilitar a aceitação de Lula no interior das elites ainda reticentes a seu nome. Além disso, a operação visa facilitar a penetração em setores vinculados historicamente ao tucanato, em especial em São Paulo e nas regiões Sul e Sudeste. No entanto, ao promover esse movimento em direção ao centro e à direita, o ex presidente começa a sentir também o peso dos representantes do pensamento conservador na dimensão econômica. As forças vinculadas ao financismo em nosso País permanecem rigidamente amarradas ao paradigma da ortodoxia monetarista que deu base e sustentação à época de ouro do neoliberalismo por todos os continentes. As mudanças verificadas no capitalismo global a partir, inicialmente, da crise econômico-financeira de 2008/9 e, posteriormente, com a eclosão da pandemia do coronavírus não encontram o necessário espaço para debate por aqui. A impressionante resistência em abrir a discussão nos ambientes acadêmicos e universitários, nos meios de comunicação e no interior das instituições governamentais faz com que o austericídio siga sendo a política econômica oficial desde 2015. Questões como a Emenda Constitucional (EC) nº 95, as tentativas de privatização de empresas estatais ou a Reforma Trabalhista seguem consideradas como intocáveis. Os setores que vêm sendo tratados como os “farialimers” fazem de tudo para impedir que qualquer medida considerada como do campo da hetedoroxia possa ser considerada como parte do programa de um futuro governo Lula.

Lula para mudar a economia

Ora, qual o sentido dessa busca de um novo mandato para ele, caso não haja espaço para as mudanças tão esperadas quanto necessárias? A esperança vem justamente da comparação que cada cidadão e cada cidadã deste País está fazendo em sua cabeça, nos espaços da família, nas conversas no trabalho, nas reuniões do bairro, nos encontros da igreja. Como estávamos entre 2003 e 2010? Como estamos desde a posse de Bolsonaro e a chegada a Brasília de Paulo Guedes, o ex-super ministro? E Lula sabe que para recuperar condições mínimas de vida para a maioria da população e para retomar o caminho do crescimento das atividades e de um projeto de desenvolvimento nacional é fundamental recuperar o protagonismo do Estado. As condições da economia internacional não devem oferecer, a partir de 2023, o ambiente que colaboraram para o jogo de “ganha-ganha” que ele encontrou à sua disposição a partir de 2003. A profundidade da crise gerada pelo governo atual vai exigir um enorme esforço de restabelecimento das políticas públicas que têm sido desmontadas e de reconstrução de instituições do Estado que foram sendo destruídas ultimamente. Ora, para tanto, é necessário adotar medidas que questionam as bases do modelo que o financismo resiste em manter intocável. Lula sabe que qualquer projeto de redução das desigualdades e de afirmação da soberania nacional passa pelo fim do teto de gastos. E não se trata aqui de mera introdução escondida de alguma gambiarra oportunista, como foi o caso dessa vergonhosa submissão de Paulo Guedes aos desejos do Centrão e a liberação de verbas para as emendas parlamentares ou para programas que miram apenas na tentativa da reeleição de Bolsonaro e de sua base. O esforço pela concertação de um novo pacto pró crescimento e desenvolvimento deve oferecer ao País o reconhecimento de que a austeridade burra não pode mais continuar existindo como o centro da política econômica. Recuperar a capacidade do Estado significa redesenhar a política fiscal com recursos suficientes para ancorar as necessidades de despesas de toda ordem: políticas sociais, valores para os recursos humanos, novas linhas de investimento, programas redução de desigualdades, dentre tantas outras.

Revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e as privatizações

Além da revogação da EC 95, outra medida necessária refere-se à anulação das alterações realizadas na legislação trabalhista implementadas ao longo dos últimos anos. É importante romper com o espectro da herança escravagista que nos ronda até os dias de hoje, além de contribuir para recuperação de um mercado interno consumidor digno do nome. Por outro lado, é preciso também ter a coragem de promover mudanças no interior do modelo que assegura ganhos parasitas ao financismo, com o objetivo de estimular a produção de bens e a oferta de serviços. E isso implica dizer em alto e bom tom que as preocupações dos engravatados da Faria Lima com assuntos considerados icônicos por eles virão à tona desta vez. Dessa forma, questões como a elevação dos níveis das despesas orçamentárias, o aumento nos montantes de emissão monetária, a busca de superávit primário a qualquer custo ou idolatria a qualquer índice de dívida pública/PIB devem ser debatidas maneira franca e aberta, à luz das mudanças em curso nos próprios países do centro do capitalismo financeiro. A crise atual recolocou a relevância do papel das instituições governamentais para o futuro. E isso inclui também a necessidade da presença de empresas estatais em setores estratégicos, como é o caso do ramo energético. Ora, é mais do que sabido que Paulo Guedes fez da promessa de “privatização total” um dos fatores que o impulsionaram à condição de comandante supremo da área econômica do governo Bolsonaro. Além de criminosas, as tentativas de transferência de tais ativos públicos ao capital privado revelaram-se prejudiciais ao próprio sistema econômico. A lógica da gestão empresarial de um bem público restringe-se à mera busca da maior rentabilidade possível no menor espaço de tempo. Assim, para esse pessoal pouco importa a qualidade do serviço prestado ou os efeitos sobre a população de determinada decisão assumida pela direção da empresa. As tarifas absurdas da energia elétrica, a política de preços da Petrobrás ou a devolução para União de aeroportos que haviam sido cedidos ao capital privado devem ser mais do que suficientes para que seja redefinida a política de privatização levada a cabo durante os últimos anos. A desculpa falaciosa do “não temos recursos” já se revelou como uma grande mentira para sustentar a diminuição da presença do Estado em áreas essenciais. Os recursos existem – basta verificar o saldo credor de R$1,8 trilhão que o Tesouro Nacional tem à sua disposição junto ao Banco Central. Além disso, o que falta é a vontade política de organizar programas governamentais e colocar em marcha políticas públicas para a consolidação de um projeto nacional de desenvolvimento, com redução das desigualdades e inclusão social. Caso necessário, o desenho desse plano pode e deve incluir a emissão de novos valores de dívida pública com o fim de assegurar recursos orçamentários para tanto. O Brasil não vai quebrar se o Presidente optar por esse caminho. Enfim, as tarefas são muitas para um novo governo. Lula passou oito anos na Presidência e mais seis acompanhando de perto o governo Dilma. Ele sabe das limitações oferecidas pelo establishment conservador. Assim, a questão central é que, caso haja vontade mesmo de criar um novo ambiente, a política econômica precisa mudar!

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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