No início da década de 90, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou o Mapa da Fome no Brasil, com grande repercussão na mídia, dando amplitude aos debates sobre segurança alimentar e nutricional (SAN).1 Tal iniciativa contribuiu significativamente, naquele momento, para uma mobilização na luta contra a fome no país. Em março deste ano, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (Mesa) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleceram acordo de cooperação técnica, para chegar a um conceito unificado de "linha de pobreza" e construir um indicador oficial para direcionar as próximas ações do programa Fome Zero. As questões levantadas neste artigo abordam os critérios utilizados até hoje para se medir a fome, os desafios colocados e o que se tem feito no sentido de construir indicadores voltados para a SAN no Brasil.
O Mapa da Fome mostrou que a condição de pobreza atingia 32 milhões de pessoas em 1994. Hoje, o Ipea calcula um número em torno de 22 milhões de pessoas nessa condição. Pelos critérios do Ipea, são pobres todos os brasileiros e brasileiras cuja parcela do orçamento gasta com alimentos não cobre suas necessidades calóricas. Nesse cálculo, é utilizado o fator renda para medir o acesso dos indivíduos aos alimentos.
Outras pesquisas realizadas apontam um número maior de pessoas vulneráveis à fome e à desnutrição. Para ilustrar, pesquisa realizada pelo Instituto da Cidadania calculou que, em 2001, 46 milhões de pessoas viveriam nessa condição, utilizando o critério do Banco Mundial – pessoas que ganham menos de US$ 1 por dia.
Há também o estudo da Fundação Getúlio Vargas, chegando a um número absoluto ainda maior: 50 milhões de pessoas têm uma renda inferior a R$ 80 por mês, que seria o valor mínimo para uma pessoa se alimentar conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo como parâmetro os preços encontrados em São Paulo. Vale ressaltar que todos esses estudos estão baseados nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE).
No plano internacional, prevalece o critério do Banco Mundial para se calcular o número de pobres e, a partir daí, estabelecer as relações com a fome e a desnutrição. Assim, estima-se que cerca de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo.
Esses dados refletem, principalmente, a falta de um critério único sobre a definição da "linha de pobreza" e, mais do que isso, a clara correlação estabelecida entre fome e pobreza. No entanto, essas estimativas sobre o número de famintos no Brasil, que consideram como critério único a renda per capita familiar dos indivíduos, indicam no máximo uma situação potencial. São, antes de tudo, indicadores de pobreza, ou de pobreza extrema, mas não atestam efetivamente o número daqueles que passam fome e dos que apresentam uma situação de vulnerabilidade nutricional.
Apesar de os dados sobre renda e acesso aos alimentos serem centrais para o diagnóstico da fome, esse indicador não é suficiente. A capacidade de acesso da população aos alimentos, observada isoladamente, é uma informação incompleta, pois não detecta tendências ou mesmo reflete a realidade efetiva das condições sociais, tendo em vista a complexidade das questões envolvidas nos conceitos de pobreza e de SAN.
Nesse contexto, fica claro que traçar o quadro da SAN no Brasil e no mundo nos coloca diante de alguns desafios. A principal tarefa que se impõe é a construção de indicadores que nos possibilitem dar um significado mais ampliado às discussões e ao próprio conceito de SAN. Essa perspectiva permite abordar questões que nos apresentam diagnósticos precisos sobre a fome e a desnutrição, tratando conjuntamente das mais diversas áreas sociais, como saúde e nutrição, educação, acessibilidade às políticas públicas, trabalho e renda, hábitos de consumo alimentar, de sustentabilidade do sistema alimentar, entre outras.
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Números que revelam o Brasil
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Sexta, 08 de Agosto de 2003 às 07:22, por: CdB