Rio de Janeiro, 16 de Fevereiro de 2025

Partidos e homens

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Segunda, 02 de Janeiro de 2006 às 14:20, por: CdB

Um dos graves males da política é o personalismo, que dificulta o predomínio das idéias e coloca em homens carismáticos a condução da vida pública. Todos os partidos brasileiros têm sofrido dessa distorção, que, na América Latina, encontra sua origem no caudilhismo ibérico e nas raízes africanas e autóctones das chefias tribais. Quando o partido é criado por uma personalidade invulgar, como foi o caso do Partido dos Trabalhadores - e do PDT - essa fragilidade é mais evidente. O PT, partido que contou com a presença de grandes intelectuais entre os fundadores, não conseguiu, neste quarto de século, criar doutrina política clara.

Mesmo tendo vago programa declaratório de esquerda, sua equipe dirigente decidiu agir contra a própria bandeira, ao aceitar as regras do mercado neoliberal. Não lhe será fácil retornar a seu curso natural, que se encontra vazio, à espera de um partido firmemente de esquerda. As dissidências registradas, e organizadas, como a do PSOL, não chegaram a reunir militantes nem a preocupar a burguesia, para usar a linguagem conhecida.

Em defesa do presidente da República e principal personalidade do partido, usa-se o argumento da Realpolitik, ou seja, da imposição das circunstâncias. Mas os partidos reformadores - e essa era a promessa do PT - existem exatamente para contrariar as circunstâncias com a vontade política. Não tendo atuado assim, a organização cai no grupo dos chamados partidos burgueses, e se alia à corrente social-democrática européia, cuja missão histórica tem sido a de conter o velho ímpeto revolucionário dos assalariados, quando a eles se alia a intelligentsia engajada.

É também certo que, desde a sua origem, o PT não foi um partido monolítico - mas não existem partidos monolíticos. O PT nasceu para distinguir-se da oposição de centro-esquerda que se reunia no PMDB. A fragmentação do PMDB era de interesse do governo militar, como garantia de que a distensão seria, como pretendiam seus estrategistas, "lenta e gradual". Daí a decisão de acabar com o bipartidarismo imposto. Se o jogo político continuasse na disputa entre a Arena e o PMDB, o partido de Ulysses e de Tancredo ganharia todos os pleitos eleitorais, colocando o regime em xeque-mate, antes que estivesse preparado para a retirada. Não se condene o PT por aproveitar a brecha. Naquele tempo, o partido se considerava à margem do jogo costumeiro, tanto assim que, em nome de seu purismo, recusou-se a votar em Tancredo no Colégio Eleitoral e expulsou, sem piedade, os parlamentares eleitos sob sua legenda que contrariaram a decisão.

Há, hoje, visível desacordo entre Lula e algumas personalidades históricas do partido. Ao que parece, o presidente e os que o seguem mais de perto acreditam que o seu carisma e o resultado do trabalho do governo em favor dos mais pobres garantem a vitória eleitoral. Mesmo que Lula tenha a maioria dos votos populares e se reeleja, o partido não será o mesmo. Ele perderá os que se encontram mais próximos do neoliberalismo - como ocorreu com o senador Cristovam Buarque - e os que se encontram mais à esquerda, como já ocorreu com a senadora Heloísa Helena. Os eleitores mais à direita, provavelmente se somarão ao PSDB, seja no apoio a Serra, se ele se eleger, seja na oposição ao próprio Lula, no caso de sua vitória. Os mais à esquerda provavelmente votarão com o Partido Socialista, ou com o PDT, se não preferirem o PC do B. O PSOL não parece destinado a grandes vôos. Seu discurso, carregado de raiva pessoal, principalmente no caso de José Dirceu, assustou muitos de seus prováveis militantes e eleitores.

Haveria lugar para o PT no futuro, se ele construísse pensamento ideológico de esquerda, consistente, coerente e ajustado às condições da vida moderna, sem concessões à direita. Outra coisa que tem faltado ao PT, e isso dificulta sua consolidação histórica, é o sentimento nacionalista, só presente, de forma clara, na seção gaúcha do partido.

Este é o ano decisivo para o PT. S

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