O legado a ser deixado pela política externa do presidente dos EUA, George W. Bush, será determinado mais do que tudo pelo Iraque, onde, segundo alguns analistas, as políticas norte-americanas no segundo mandato do dirigente precisam ser mais realistas a fim de evitar um fracasso.
Bush insistiu durante a campanha eleitoral concluída nesta semana que os esforços dos EUA para implementar um regime democrático no Iraque avançavam conforme o planejado e que nenhum ajuste era necessário.
Mas o alto nível de insegurança no país árabe - caracterizado por uma insurgência cada vez mais forte, por um crescente número de vítimas, por esforços vacilantes de reconstrução, pela falta de empregos e pelo isolamento dos sunitas - fez com que muitos chegassem à conclusão de que o presidente está errado.
A instabilidade aliada a um apoio cada vez menor ao esforço de guerra entre os norte-americanos coloca diante de Bush a ameaça de um "fracasso catastrófico e estratégico" no Iraque, disse Martin Indyk, ex-embaixador dos EUA em Israel.
No Iraque, o primeiro desafio será "tirar a venda política e ideológica que levou o presidente a afirmar durante a campanha eleitoral que tudo estava nos trilhos. Não está", afirmou Indyk, membro do Instituto Brookings.
Algumas decisões cruciais devem ser tomadas por Bush.Uma delas é sobre realizar ou não as eleições marcadas para janeiro e consideradas fundamentais em vista dos planos dos EUA de instalar um regime democrático no país árabe.
Outra é ordenar ou não um ataque total contra Falluja, a cidade mais rebelde do território iraquiano, atualmente sob bombardeio constante da artilharia e dos aviões norte-americanos.
O governo do Iraque e o dos EUA tentam capturar cidades rebeldes como Falluja e pacificar o país antes das eleições.
Larry Diamond, um ex-assessor da Autoridade Provisória da Coalizão, o órgão criado pelos EUA para dirigir o Iraque depois da invasão, afirmou que o ataque minaria uma nova iniciativa capaz de convencer os rebeldes sunitas a se integrar ao processo político.
Diamond, da Universidade Stanford, disse que uma coalizão formada por sunitas nacionalistas e por islâmicos apresentou suas exigências para participar do pleito. Para Indyk, as eleições de janeiro podem alimentar a violência se os sunitas, que controlaram o país durante o governo do ex-ditador Saddam Hussein, sentirem-se alijados do processo político.
Sugerindo que o pleito seja adiado até que a situação estabilize-se, Indyk disse:
-É muito importante, nesse processo, entender que eleições não significam necessariamente democracia."
Mas Judith Yaphe, da Universidade de Defesa Nacional, afirmou que os iraquianos insistiam na realização do pleito, em parte porque isso legitimaria o governo deles.
O secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, sugeriu que a eleição poderia ser realizada em algumas partes do território iraquiano e adiada naquelas em que a violência continua sendo um problema. No entanto, Daniel Serwer, do Instituo dos Estados Unidos para a Paz, disse que essa proposta não é realizável e que minaria a confiança no processo.
Apesar de os EUA terem insistido que o pleito acontecerá em janeiro, especialistas observam que a preocupação com a falta de segurança e com os preparativos técnicos pode obrigar as autoridades a adiar o processo por três ou quatro meses.
Rumsfeld e comandantes das Forças Armadas deram indícios de que os EUA podem reduzir o número de soldados presentes no território iraquiano - atualmente de 135 mil - em algum momento depois das eleições se a situação na área de segurança se estabilizar e se as forças iraquianas conseguirem assumir maiores responsabilidades. Mas Lawrence Di Rita, porta-voz do Pentágono, disse que não havia previsão nenhuma para a retirada dos soldados.