Aborto de menina grávida após estupro não devia ter ido ao Judiciário, diz OAB

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Publicado Quarta, 22 de Junho de 2022 às 10:51, por: CdB

O caso chegou à justiça após o hospital negar o aborto à criança. Em uma das audiências, a magistrada chegou a perguntar à vítima se ela acha “que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção”. A conduta de Joana é alvo de diversas representações no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Por Redação, com RBA - de Brasília

A presidenta da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Patrícia Vanzolini, defendeu, nesta quarta-feira, que o caso da menina de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, em Santa Catarina, “nem deveria ter chegado ao Judiciário”. De acordo com a seccional, a família buscou acesso ao aborto legal, ou seja, um direito previsto em lei. Então, o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, o HU, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), errou ao se recusar a fazer a interrupção da gravidez.
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Para conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, do CNJ, destacou: "Não se pode falar em pai. Estamos falando de um estuprador"
Na época com 10 anos e 22 semanas de gestação, a criança teve seu direito negado pela unidade de saúde, que alegou que só faria o procedimento em gestações de até 20 semanas. O Código Penal permite, no entanto, o aborto em caso de violência sexual, sem impor limitação de semanas da gravidez ou exigir autorização judicial. O hospital informou à criança e sua mãe que somente faria o procedimento após decisão judicial. – Isso nem deveria ter chegado ao Judiciário. Sendo direito previsto na lei, o hospital deveria ter feito (aborto em uma criança estuprada), sem autorização judicial. O que o hospital tem que analisar é se é possível realizar a intervenção, do ponto de vista médico. Nada a ver com o Judiciário – observou a presidenta da OAB-SP em entrevista ao portal UOL.

Entenda o caso

De acordo com Patrícia, o que poderia acontecer é um médico, individualmente, alegar “exceção de consciência” por crenças pessoais. No entanto, “o hospital, enquanto ente do Estado, não pode (se recusar a fazer o aborto)”, explicou. “Se o ‘médico A’ não pode, tem que conseguir o ‘médico B'”, acrescentou a jurista. O Ministério Público Federal (MPF) anunciou, na terça, que um inquérito civil foi instaurado para “apurar os fluxos e trâmites do HU” em relação ao caso. Desse modo, o caso da menina grávida após estupro que teve o aborto deve ter ao menos três investigados por conduta irregular. Primeiro, o hospital. Depois a promotora Mirela Dutra Alberton e também a juíza Joana Ribeiro Zimmer. A história ganhou repercussão na segunda-feira após os sites The Intercept Brasil portal Catarinas revelarem que a menina, atualmente com 11 anos, estava sendo mantida pela Justiça em abrigo, no município de Tijucas, há mais um mês, para impedir o aborto. A reportagem teve acesso a audiências do caso que mostram a promotora e a juíza pressionando a vítima e sua mãe, contra a vontade delas, a seguir com a gravidez e realizar o parto antecipado. Ambas defendem que a gestação prossiga para que o bebê seja entregue à adoção. Mas isso em contrariedade ao direito da família e aso riscos à saúde da criança, apontados em laudos médicos anexados ao processo.

‘Não é pai, é estuprador’

O caso chegou à justiça após o hospital negar o aborto à criança. Em uma das audiências, a magistrada chegou a perguntar à vítima se ela acha “que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção”. A conduta de Joana é alvo de diversas representações no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma delas, ingressada ontem, partiu de de sete conselheiros do órgão. Durante sessão do CNJ nesta terça, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello destacou que a menina foi também vítima de “violência institucional”. “Eu tenho uma filha de 10 anos também. Eu imagino a agonia que é uma violência dessas com sua filha e depois ainda tentarem tratar com algum grau de carinho essa situação, como, por exemplo, perguntando ‘que nome você gostaria de dar pro bebê?’ ou ‘você acha que o pai concordaria em dar pra adoção?’. Não estamos falando de pai. Estamos falando de um estuprador”, contestou. A promotora do caso, que pediu à menina que mantivesse a gravidez “por mais uma ou duas semanas” e ainda comparou de modo indevido o aborto à eutanásia, também terá sua conduta investigada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A Corregedoria-Geral do MP de Santa Catarina também afirmou que iniciou ontem um procedimento disciplinar para apurar a atuação de Mirela Alberton. O processo corre em segredo de Justiça.

Revitimização pelo Estado

Ainda na terça-feira, a criança recebeu recebeu autorização da desembargadora Cláudia Lambert de Faria para voltar para casa. A defesa dela também impetrou um habeas corpus no Tribunal de Justiça para que seja determinado o aborto legal da menina. Psicóloga e integrante do Observatório da Mulher, Rachel Moreno, também comenta que a criança sofreu um “assédio institucional”. Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, a apresentadora do programa “Observatório da Mulher”, da Rádio Madalena, defendeu o afastamento da juíza. – Ela utilizou de métodos de terrorismo psicológico, promoveu a revitimização da menina e violou normas legais e direitos e garantias. Portanto, na verdade, é chocante tudo o que ela fez. (…) A magistrada cometeu uma série de crimes e deveria ser punida por isso – justificou a psicóloga. O advogado criminalista e membro do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad) José Carlos Portella Júnior também defendeu, na Rádio Brasil Atual, mudanças no sistema de justiça brasileiro. A começar pela implantação do controle externo e democrático sobre o Poder Judiciário. Portella lembrou que o juiz Mônami Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis, chegou a autorizar o aborto legal. Mas ele próprio cassou o alvará após a promotora pedir para o caso retornar a competência da juíza Joana Ribeiro Zimmer. O que foi visto como uma manobra para justamente impedir a interrupção da gravidez. Um conluio, de acordo com jurista, que ficou explícito na Lava Jato. “Não se tem controle externo do Judiciário e quando se tentou fazer pelo CNJ, que foi uma criação do governo Lula, houve uma gritaria dos juízes que esvaziaram o CNJ. (…) Volta e meia se denuncia uma violência ao CNJ, mas nada acontece. Um exemplo clássico é o do ex-juiz Sergio Moro. Quantas e quantas reclamações não feitas e todas arquivadas”, criticou.

Ato amanhã 

Com a reviravolta do caso, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no estado de São Paulo está organizando protesto para esta quinta, em frente ao Ministério Público Federal na capital paulista (Rua Frei Caneca, 1.360). O ato está previsto para as 17h. O coletivo feminista Juntas! também criou um abaixo-assinado para pressionar pelo afastamento da juíza do exercício de suas funções. O documento já foi assinado por mais de 70 mil pessoas. Joana acabou sendo promovida e transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí, e deixou o caso ontem. Em entrevista ao Diário Catarinense, a magistrada alegou que “não é contra o aborto”. Mas, que no caso da menina, o “aborto passou do prazo”.
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