Alfie, o sedutor leva Dom Juan barato às telas

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Publicado quarta-feira, 22 de dezembro de 2004 as 13:14, por: CdB

Mais velho, mais moderno, mas nem um pouco mais sábio, Alfie está de volta na pele do belo e elegante Jude Law, que, sem dificuldade, assume o lugar antes ocupado por Michael Caine no papel do sedutor cafajeste do filme original. Alfie, o Sedutor estréia nesta sexta-feira em todo o país. Muita coisa aconteceu desde que o original Alfie – Como Conquistar as Mulheres saiu, em 1966 – entre outras coisas, a Aids -, e o mundo de hoje está tão assolado por males sociais, religiosos, políticos e culturais que uma crítica ao hedonismo descompromissado parece algo superado, quase estranho. Será que a “filosofia playboy” ainda merece esse tipo de análise e atenção?

Jude Law tem uma atuação brilhante e cheia de energia, conseguindo revelar algo um pouco mais profundo num personagem basicamente superficial. E Charles Shyer, o diretor do novo Alfie (além de ter dividido o roteiro com Elaine Pope), fez algumas modificações na história: Alfie não vive mais em Londres, mas em Nova York, nos dias de hoje. Diferentemente do sedutor cockney encarnado por Michael Caine, que se prestava a praticamente qualquer coisa para levar uma mulher à cama, o Don Juan barato de Jude Law é mais calculista e discriminador.

Além disso, não passa pelos momentos desagradáveis vividos pelo Alfie de Caine. Não há no novo filme nenhum aborto feito em condições deploráveis, algo que realmente chocou o público em 1966. Afinal, hoje em dia o aborto é legal nos Estados Unidos. Infelizmente, o novo Alfie é um remake que não tem razão de ser, já que Alfie, o sedutor, não choca mais. Sempre haverá Alfies e sempre haverá mulheres desavisadas que caem em sua rede, mas Alfie deixou de ser um personagem cinematográfico inovador.

Mais ainda do que o original, este Alfie vem apenas provocar emoções baratas em homens e mulheres, com a fantasia do sexo fácil na grande cidade entre um garanhão bonitão e uma multidão de mulheres sedentas de atenção. Como no original, dirigido por Lewis Gilbert e adaptado por Bill Naughton da peça de sua própria autoria, o anti-herói Alfie fala diretamente à câmera, tecendo reflexões sobre a vida e os costumes (ou a ausência deles). Querendo ou não, viramos seu confidentes ou cúmplices.

Alfie nos conduz num passeio por sua vida: seu apartamento simples de solteiro, onde raramente passa uma noite, os ternos de estilista comprados por uma pechincha, a empresa de limusines onde trabalha com seu único amigo homem, Marlon (Omar Epps). Os bancos de trás das limusines têm espaço de sobra para encontros prazerosos com donas de casa solitárias como Dorie (Jane Krakowski). Quando Alfie sente falta de um pouco de carinho e comida caseira, visita a sensata Julie (Marisa Tomei), sua “quase namorada”.

Em Liz (Susan Sarandon, luminosa), uma empresária bem-sucedida de idade incerta, ele encontra uma “adversária” à altura: uma mulher tão libidinosa e promíscua quanto ele. Nikki (Sienna Miller, numa estréia estonteante) é seu “milagre de Natal”, que chega justamente quando parece que ele teria de passar o Natal sozinho. Mas seu grande erro é a linda Lonette (Nia Long), a namorada que rompera com Marlon e de quem mesmo Alfie deveria manter distância. Uma noite passada com ela leva à sua gravidez, o que faz Alfie questionar – pelo menos temporariamente – o que tem feito da vida.

Na realidade, ele se questiona com frequência no diálogo que mantém com o espectador, dizendo coisas como “minha vida pertence a mim, mas não tenho paz de espírito”, ou então “ultimamente, mentir está ficando cada vez mais fácil, até mentir para mim mesmo”. O melhor que o espectador tem a fazer é relaxar e curtir os cenários filmados com ternura pela diretora de fotografia Ashley Rowe, frequentemente à noite, o horário em que Manhattan fica mais bela, e as canções de fundo dos poderosos Mick Jagger, Dave Stewart e John Powell.