Amazônia é hoje uma terra sem lei, avaliam analistas

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Publicado Quinta, 16 de Junho de 2022 às 13:53, por: CdB

O assassinato de Phillips e Pereira expõe ausência do Estado na região, disseram analistas ouvidos pela agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW). Discurso e ações do governo Bolsonaro teriam agravado desmonte da fiscalização e estariam por trás de clima de "liberou geral”.

Por Redação, com João Pedro Soares-DW - de Manaus
O desaparecimento e a revelação posterior dos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari expuseram ao mundo a realidade de que a Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, é hoje uma terra sem lei, apontam especialistas ouvidos pela DW Brasil.
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Os rios da Amazônia abrigam um dos mais sensíveis ecossistemas do mundo, ameaçado pela pesca ilegal
— As regras que valem ali são as do crime organizado. Ali atuam organizações criminosas com apoio dos políticos locais, estaduais, e tentáculos até nas altas esferas do governo brasileiro — atesta o delegado da Polícia Federal (PF) Alexandre Saraiva.| Saraiva conhece bem a região. O delegado atuou em diferentes estados da Amazônia por 10 anos, entre 2011 e 2021, quando deixou a chefia da Superintendência da PF no Amazonas. Ele foi responsável por comandar a maior apreensão de madeira ilegal da história do Brasil. Em dezembro de 2020, a Operação Handroanthus confiscou 226 mil metros cúbicos de toras na divisa do Amazonas com o Pará.

Notícia-crime

O resultado expressivo da ação não rendeu elogios, mas represálias do governo federal. Após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter se deslocado à região para prestar apoio aos madeireiros, o delegado apresentou notícia-crime contra Salles no Supremo Tribunal Federal (STF). Saraiva foi exonerado e afastado da Amazônia. Atualmente, ele está alocado em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Para o delegado da PF, as ações e discursos do governo sinalizam uma conivência com a atuação de grupos criminosos na região. — Nós tínhamos o Sistema de Documento de Origem Florestal (SISDOF), que monitorava o trânsito da madeira nativa pelo Brasil, e era público. Em maio do ano passado, foi retirado do ar e nunca mais voltou. É a mesma coisa que tirar da PM a possibilidade de consultar o site do Detran para ver se um carro é furtado ou não. Medidas como esta mostram que não existe nenhuma intenção de combater o crime na Amazônia — afirmou Saraiva.

‘Indústria da multa’

Após prometer acabar com a "indústria da multa" durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) desautorizou publicamente ações de combate ao crime ambiental na Amazônia. Em abril de 2019, primeiro ano de seu governo, o mandatário desautorizou uma operação do Ibama em andamento contra o roubo de madeira dentro da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia. — Não é para queimar nada — afirmou Bolsonaro, em referência à destruição de maquinário das atividades criminosas conduzidas por agentes do órgão. A medida, que tem previsão legal, foi repetidamente criticada pelo presidente. Naquele mesmo ano, Bolsonaro insinuou que poderia repreender agentes que aplicassem esse tipo de pena contra infratores, durante encontro com garimpeiros. — Quem é o cara do Ibama que está fazendo isso no Estado lá? Se me derem as informações, eu tenho como… — disse, sem completar a frase.

‘Liberou geral’

É recorrente ouvir de agentes da fiscalização ambiental que os discursos do presidente da República criaram um clima de "liberou geral" na Amazônia. — Às vezes, estamos 200 km dentro da mata e tem gente lá dizendo que não deveríamos estar lá porque o presidente falou que iria acabar com a fiscalização — relata Wallace Lopes, diretor da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional). Na avaliação de Lopes, que é servidor do Ibama desde 2009, o discurso antiambiental do governo é um dos principais motivos para a escalada do desmatamento na Amazônia desde 2019. — O que o presidente fala não muda a lei, mas as pessoas que estão dentro da floresta não entendem dessa forma. Quando o presidente critica a atuação do Ibama dentro de um garimpo, as pessoas lá dentro sentem que têm apoio do presidente para praticar atividades irregulares. É um incentivo — concluiu.
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