Após incêndio, SP interdita quarteirão e 80 famílias dormem ao relento

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Publicado Sexta, 22 de Outubro de 2021 às 10:12, por: CdB

O local foi atingido por um incêndio na manhã de quinta-feira. As chamas consumiram uma pequena fração do imóvel, alguns cômodos transformados em casas separadas, onde viviam seis das 80 famílias, que perderam todo o pouco que tinham.

Por Redação, com Brasil de Fato - de São Paulo

São 3h da madrugada de sexta-feira enquanto os jornalistas do Brasil de Fato redigem esta reportagem, de suas residências, em São Paulo. O termômetro marca 14 graus. Enquanto isso, crianças, idosos, homens e mulheres pertencentes a 80 famílias que foram retiradas de suas casas na quinta pela Guarda Civil Metropolitana, por ordem da prefeitura municipal, dormem ao relento.
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Moradores de imóvel que pegou fogo e de casas vizinhas no centro de São Paulo passam a noite sob o céu na madrugada
Elas são, ou eram, moradoras há 17 anos da chamada "Ocupação Carrefour", que ocupava um quarteirão inteiro na rua Alexandrino Silveira Bueno, no bairro do Cambuci, região central da cidade. Residiam todas em uma ex-sede de empresa e um galpão industrial onde já funcionou uma gráfica, tomada pela prefeitura em 2009, por dívidas tributárias. Em maio de 2010, a prefeitura tentou leiolar o imóvel e o terreno, conforme constou no Diário Municipal de São Paulo, e foi este o último documento público que a reportagem encontrou acerca de sua propriedade. O local foi atingido por um incêndio na manhã de quinta-feira. As chamas consumiram uma pequena fração do imóvel, alguns cômodos transformados em casas separadas, onde viviam seis das 80 famílias, que perderam todo o pouco que tinham. O laudo que determinará a causa do incidente deverá sair nos próximos dias. Fala-se em curto-circuito na fiação elétrica, mas ninguém sabe ao certo. Às 10h23 da manhã, os Bombeiros receberam um chamado e se dirigiram à ocupação. Antes da hora do almoço, o fogo estava apagado.

Área do imóvel atingida

[embed]https://twitter.com/BombeirosPMESP/status/1451188696946929666?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1451188696946929666%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2021%2F10%2F22%2Fapos-incendio-no-centro-de-sp-prefeitura-interdita-quarteirao-e-80-familias-dormem-ao-relento[/embed] Os bombeiros interditaram apenas a área do imóvel atingida pelo fogo, não o quarteirão todo, somente a parte atingida pelo fogo, onde viviam seis famílias. Liberados pelos soldados que combateram as chamas, os moradores voltaram às suas casas, se alimentaram, passaram café, prestaram a assistência possível àqueles que tinham perdido tudo. Horas depois, já no meio da tarde, chegaram as autoridades municipais. Eram funcionários da Subprefeitura da Sé, acompanhados de uma assistente social e escoltados por agentes e viaturas da Guarda Civil Metropolitana. Disseram que iriam interditar o imóvel todo, que ninguém mais adentrasse em suas casas, nem para pegar roupa, nem remédio, nem comida, nem nada. O Brasil de Fato chegou no local às 17h. Presenciou o momento em que os servidores municipais passavam faixas ao redor de tudo, determinando que ninguém mais entrasse no prédio. O próprio subprefeito Marcelo Vieira Salles também estava ali. Ele não quis falar com a reportagem, estava trabalhando, não tinha tempo para responder perguntas. Também ninguém mais da prefeitura tinha tempo, para falar com a reportagem ou com os moradores. Os atingidos pela tragédia, sim, tinham tempo para a reportagem, que ouviu e gravou uma série de relatos, todos de mesmo teor. Podem ser resumidos neste que segue: "Ele (o subprefeito) me disse: 'Faz o que você pode'. Depois, virou as costas e saiu", contou um dos moradores, que, assim como os demais, deu nome e sobrenome à repórter, que não serão publicados, para evitar eventuais retaliações. Com todo mundo na rua e a Guarda Municipal garantindo a inviolabilidade da interdição, uma assistente social da prefeitura foi falar com as famílias. Disse que seriam todos removidos para um albergue, onde passariam a noite. Não poderiam entrar mais em suas casas. Iriam com a roupa do corpo. Seus pertences seriam reunidos, transportados e devolvidos posteriormente, por agentes municipais. E depois disso, iriam para onde? E depois disso, poderiam voltar ao local onde moravam havia 17 anos? E enquanto isso, como fariam com os idosos e pessoas doentes, cujos remédios que tomam estavam ainda nas casas? E quanto aos objetos e pertences das crianças e necessários para seus cuidados, o que fariam quanto a isso? O que iriam comer nas próximas horas? Isso tudo a assistente social não respondeu. “Não deixaram a gente entrar no prédio para pegar o remédio das pessoas, não consegui pegar meus remédios, não consegui pegar nem uma roupa”, disse uma moradora. "A assistente social falou o que tinha que ser, mas ela não perguntou para nós ‘vocês querem ir?’, não, nada”, disse outro. Também o Brasil de Fato  quis falar com a assistente social. Fez uma série de perguntas. Ouviu uma só resposta: "Não posso dar informações". Sendo assim, os moradores disseram que não arredariam o pé dali, não iriam ser transferidos com a roupa do corpo a "um albergue". Responderam por sua vez as autoridades que, se era assim, caminhões e viaturas da prefeitura e da GCM iriam ao local no dia seguinte, esta sexta-feira. Tudo seria removido do local. E os moradores que decidissem o que iriam fazer, onde iriam dormir, o que iriam comer e qual remédio iriam tomar. Então, a assistente social foi embora, o subprefeito foi embora, todo mundo da prefeitura foi embora, menos os guardas da GCM e suas viaturas.

Ocupação Carrefour

Sobraram também os ex-moradores da Ocupação Carrefour, transformados em 80 famílias sem teto, a reportagem do Brasil de Fatoe uma série de pessoas comovidas com a situação, que passaram a levar comida, barracas, colchonetes, mudas de roupa e cobertores para aquelas pessoas. A bondade de estranhos, não o poder público, conferiu-lhes as condições mínimas para passar a noite. Já passa das 5h da manhã e a reportagem aguarda ainda as respostas a todas as perguntas que fez à Subprefeitura da Sé. Os questionamentos foram feitos três vezes: diretamente aos funcionários no local, por e-mail ao longo da tarde de quinta e em outro email na noite da mesma quinta. Nenhuma resposta. Abaixo, seguem esses questionamentos. Caso o município responda, as informações serão incluídas nesta página. De quem é a propriedade cartorária de imóveis e terreno ora interditado por esta subprefeitura, nº 128 da Rua Alexandrino da Silveira Bueno, esquina com as Rua Valentim do Amaral e François Coty, conjunto constituído pelos lotes 23, 24 e 25 da quadra IX, no Cambuci, 12º subdistrito? Moradores residentes no referido local, parte deles atingidos por incêndio e todos por uma interdição municipal, relataram, e a reportagem constatou, ausência de informação, diálogo e atendimento por parte de equipes de Assistência social e da subprefeitura, enviadas pela prefeitura ao local, que chegaram cerca de três horas após o incidente e limitaram-se a interditar o imóvel e impedir que moradores retirassem seus pertences de suas casas. A subprefeitura gostaria de comentar os relatos e a constatação da reportagem? O procedimento seguiu o padrão de atendimento do município para incidentes como este? Moradores de todas as idades pernoitam no local em lonas, barracas e colchonetes fornecidos por terceiros comovidos pela situação. Por que a subprefeitura não forneceu qualquer tipo de assistência aos atingidos pela interdição municipal? Para qual local a subprefeitura pretende levar os moradores? Por quanto tempo? O que será feito com seus pertences? O que acontece com as pessoas que necessitam retirar medicamentos e roupas para idosos e crianças passarem a noite ao relento? Os moradores das casas que não foram atingidas pelas chamas - residentes no local há 17 anos - poderão voltar ao imóvel após vistoria? - Há processo judicial em tramitação de reintegração de posse do imóvel? Se sim, qual é o número? A subprefeitura é parte na ação? Se sim, pode franquear o inteiro teor dos autos com a reportagem? Se não, por que não? Moradores relatam que a última vistoria de órgão público no local foi feita em 2020, quando a compra de extintores foi recomendada aos residentes. A subprefeitura confirma esta informação? Se não, quando foi feita a última vistoria? A subprefeitura pode franquear com a reportagem o laudo público da última vistoria feita no local? Se não, por que não? Qual sua numeração de identificação e onde o público interessado deve buscá-lo para ter acesso?
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