O país está desmoralizado e à deriva, o partido governista está despedaçado por conflitos internos e o índice de aprovação do presidente Eduardo Duhalde, um peronista, caiu para dígitos únicos. Em outras palavras, esse pode ser o momento perfeito para ressuscitar Evita Perón e tentar novamente unir a Argentina através de seus ideais e seu legado.
A mulher conhecida como “A defensora dos pobres” morreu há 50 anos, sucumbindo ao câncer quando tinha apenas 33 anos. Para lembrar a ocasião, o governo está abrindo um museu devotado à sua memória. O governo também está programando espetáculos, a apresentação de filmes e exibições de arte cuja mensagem subliminar é que a Argentina seria muito melhor hoje se apenas adotasse o que Evita representou.
O problema é que os argentinos ainda não concordam com o que Maria Eva Duarte de Perón realmente significava. Ela era a “Dama da Esperança”, retratada toda brilhante e em olhos esperançosos em pôsteres de propaganda peronista, ou ela era “A mulher com o chicote”, uma frase que seus caluniadores sempre usavam para descrevê-la como uma mulher cruel e conivente.
Os visitantes do museu, que abre ao público nesta sexta-feira, assistirão trechos dos filmes em que Evita atuou quando era atriz, fragmentos de seus discursos políticos e uma gravação do anúncio oficial de sua morte pouco antes das 9 horas da noite do dia 26 de julho de 1952. Imagens de Evita levando comida de uma próspera e poderosa Argentina para uma Europa destruída pela guerra serão exibidas de forma destacada.
O museu foi montado em duas mansões vizinhas, o French Beaux-Arts e o Italian Renaissance, em um dos bairros mais elegantes da cidade. Elas são monumentos do legado populista de Evita, adquiridas por sua fundação no final da década de 40 e transformado em uma casa para mães solteiras. Evita, também, havia nascido de um casamento fracassado e sofreu por isso.
“O cardápio de almoço será baseado nas refeições que eram servidas às mulheres que viviam aqui”, disse Gabriel Miremont, curador-chefe da exposição. Os fãs de Evita poderão se deliciar com lentilhas, arroz e feijão, entre outros pratos. A moderna loja instalada no museu venderá objetos que lembram Evita. A decoração do restaurante traz à memória a década de 40 e um bar temático irá tocar tangos.
Como a mulher do general Juan Perón, Evita foi a verdadeira co-comandante da Argentina quando ele tomou o poder em 1946. Depois de sua morte – mas muito antes do musical criado por Andrew Lloyd Weber e do musical com Madonna dar a ela um status de ícone pop internacional – ela permaneceu como um poderoso símbolo político do movimento peronista. Mesmo hoje, não é incomum se deparar com os chamados “altares populares” em todas as partes da Argentina dedicados à “Santa Evita”.
Essa adoração a transformou em algo como “Elvis em Graceland”, disse Julie Taylor, antropóloga da Universidade Rice que escreveu um livro sobre os mitos que a cercam. A ênfase está em sua morte prematura, e no bizarro desaparecimento de seu corpo por muitos anos para evitar que ele fosse usado como um objeto de protesto político. Ao mesmo tempo, “Eva Perón continua sendo uma figura ameaçadora em contato com a pulsação popular”, disse Taylor.
Para os fiéis peronistas que a adoram, a abertura de um museu em sua homenagem oferece uma resposta quase instantânea para um momento no qual a Argentina enfrenta sua mais violenta e humilhante crise econômica dos tempos modernos.
“Na época de Evita, a Argentina sabia que era um país e ocupava uma posição de respeito e dignidade no mundo”, disse Cristina Alvarez Rodriguez, diretora do Instituto de Pesquisa Histórico Nacional Eva Perón, e bisneta de Evita. “Hoje estamos vivendo uma recaída que nos faz parar para repensarmos nossas vidas”.
Para responder a essa questão, outro museu foi recentemente aberto em San Vicente, a cerca de 56 quilômetros da capital, em um local que também é considerado um símbolo do peronismo. Ele era o refúgio