A interlocução constante entre Arraes e o PCdoB em Pernambuco, há precisos 26 anos, desde que retornou do exílio, um rico aprendizado, forjou um relacionamento pautado pela confiança mútua e pela amizade.
Por Luciano Siqueira - de Brasília
Na quarta-feira, os pernambucanos celebraram os 105 anos de nascimento de Miguel Arraes, de marcante presença na cena política nacional. Presto aqui minha modesta homenagem republicando o texto que segue (publicado no Vermelho em 18/08/2005 e incluído no meu livro de crônicas “Como o lírio que brotou no telhado”, publicado pela Editora Anita Garibaldi).Trajetória de lutas
Na trajetória de lutas de uma nação há combatentes que se salientam em algum momento. Poucos, entretanto, têm presença marcante por largo período, como Miguel Arraes, influente líder político por mais de cinco décadas. Muito se tem escrito sobre ele, após o seu falecimento, sábado último, aos 88 anos. Mas pouco se tem comentado sobre três das suas melhores qualidades: a defesa persistente e conscienciosa da soberania nacional; uma enorme sensibilidade para com as condições de existência do povo e a manutenção de duradoura aliança com os comunistas, mantida em diferentes situações. Firmeza na defesa de suas convicções é sem dúvida uma virtude, quando não resvala para a intransigência cega ou o anacronismo infenso às transformações da realidade. A compreensão de Arraes acerca da questão nacional, nas suas diversas dimensões, ao contrário de alguns outros nacionalistas, jamais cheirou a naftalina. Ele cuidou de atualizá-la no tempo histórico e de fundamentá-la através do estudo acurado dos problemas.Periferias urbanas
A paciência para ouvir e a sensibilidade para captar o sentimento e as necessidades dos habitantes das periferias urbanas e do meio rural, em muito atenuou, nas três vezes em que governou Pernambuco, as limitações inerentes a um governante apegado a concepções e métodos de gestão antiquados, ultra centralizadores. Isso se refletia no trato com membros do governo, que considerava ineficientes se incapazes de aliar a competência técnica ao relacionamento direto com o povo. Líder inorgânico, praticamente sem intermediários na sua relação com o eleitor, nunca se empenhou em organizar partido político. Frequentou alguns e só se ocupou em dirigir, de alguns anos para cá, o PSB, que presidia. No entanto, queixava-se da fragilidade da estrutura partidária brasileira e costumava mencionar o PCdoB como exemplo de organização lúcida e disciplinada. Em ocasiões de crise, quando a dispersão das correntes populares parecia predominar, sugeria que o Brasil poderia romper com a dominação estrangeira se se unissem os comunistas e as Forças Armadas em torno de um projeto nacional capaz de galvanizar o povo e amplos segmentos da sociedade. A interlocução constante entre Arraes e o PCdoB em Pernambuco, há precisos 26 anos, desde que retornou do exílio, um rico aprendizado, forjou um relacionamento pautado pela confiança mútua e pela amizade, inabaláveis mesmo quando afloravam divergências e seguíamos caminhos discrepantes.Luciano Siqueira, é Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB
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