As crônicas mais bonitas são canções

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Publicado Sábado, 02 de Dezembro de 2017 às 13:00, por: CdB

Temos um colunista bem político e bem provocador. Não preciso dizer o nome, pois quem lê o Direto da Redação já percebeu de quem se trata. Porém, temos um colunista romântico e sonhador. Da última vez, e infelizmente a atualidade me impediu publicá-lo com maior frequência, ele nos embalou com poesias. Hoje ele vem com canções. Vale a pena ler. (Nota do Editor)

Por Apóllo Natali, de São Paulo:

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Nada melhor que uma bela canção de amor
Ah, esses homens e mulheres tocados pelo gênio e seu maravilhoso jogar conversa fora, punhados delas,  embebidas de arte, emoção, paixão. A revirar o fundo das nossas almas. 
 
Crônica, o que é? É jogar conversa fora. 

Gentes agraciadas pela divindade, esses cronistas! Trilham por todos os mais escondidos caminhos do planeta azul. Pena não chegarem até nós todas as suas delirantes mensagens. Elas se perderão nas noites do tempo.
 
Na  macia alcova de seus sentimentos, esses seres especiais celebram casamentos. Contraem núpcias um punhado de  palavras de mãos dadas com  ricas melodias e seus intérpretes.  E assim nascem as mais belas crônicas, as canções, puras rezas dos corações cheios de ais.  
 
O cronista põe a letra.
 
O compositor empresta a música.
 
O cantor passa o recado.
 
Mistura explosiva, essa.
 
Esqueça-se a aborrecida história da crônica, quando em seu berço era aquela montanha de letras em rede, cansativamente apinhadas no papel jornal, um martelar enfastiante de pseudo saber político.
 
Então, canções. São elas:

Um: conversas fiadas em torno da mesmice chorosa de amores perdidos. Dois: pranto repetitivo  da paixão que não deu certo, por isso mesmo paixão eterna, viva para sempre. Três: corações a chorar.
 
Atenção: um bando de linhas, mais música, mais  intérprete e dá-lhe gemidos de amor.  É a conjugação do verbo doer, do inflamante verbo querer. Eu, tu ele, nós vós, eles, queremos, gememos. 
 
A crônica musical é o hino do fechar do peito pelos golpes da traição, o bambolear das pernas com a separação, a aflição do abandono, as lágrimas do ir embora, a pancada na alma do não te quero mais. Ela já não gosta mais de mim. A aflição dos rejeitados. 
 
A seguir, alguns escassos exemplos de  incendiadas conversas fiadas. 
 
[Antes de seguir, miserável homem sou eu, a cometer  injustiça aos cronistas musicais e seus intérpretes habitantes de todos as esquinas deste nosso, por enquanto, ainda planeta azul, por não poder alinhar todas as suas preciosas conversas jogadas fora,  tantas, tantas, recheadas de amor, graça, paixão, gemidos, gritos por justiça, anseios por um mundo melhor.]

Seguindo.
— gemidos de amor, a começar pelo homem dono de mais de mil mulheres sem aquela que ele tem no coração. Esse homem não é ninguém. Ele está na crônica-samba de Ataufo Alves: mulher a gente encontra em toda a parte, mas não encontra a mulher que a gente tem no coração
 
— o choro do tudo perdido: ela já não gosta mais de mim, mas eu gosto dela mesmo assim. Que pena, Jorge Ben Jor, cronista, músico, intérprete. 
 
— perdido na vida: buscando um novo rumo que faça sentido nesse mundo louco. Charles Brown Jr. 
 
— o estigma do querer: não sei porque insisto tanto em te querer se você sempre faz de mim o que quer. Fagner 
 
— o sufoco da ausência: não vejo mais você faz tanto tempo, que vontade que eu sinto de olhar em seus olhos, ganhar seus abraços. Caetano Veloso.
 
— amarga é a aproximação do adeus: me dê motivo para ir embora, estou vendo a hora de te perder. Tim Maia. 
 
— e a malvada faca do ciúme, a furar a nossa alma: me sentindo enamorado e saber que outro ao teu lado pronto pronto te falará de amor. Carlos Gardel.
 
— não há ponto final numa história de amor: tudo entre nós terminou, a vida não continuou para nós dois, caminhemos, talvez nos vejamos depois. Francisco Alves.
— o jovem sonhador com sua pequenina crônica Imagine, pequenina no tamanho, a imaginar grandiosamente um novo mundo: eu espero que algum dia você se junte a nós e o mundo será um só. John Lennon.
 
Continha de somar: palavras, mais música mais intérprete, igual a três professores a registrar a História. Se não vejamos: 
 
— ah, aquelas pranteadas conversas fiadas ecológicas, benditas defensoras do planeta, temerosas por sua destruição: Será que no futuro haverá flores? Será que os peixes vão estar no mar? Será que os arco-íris terão cores? E os passarinhos vão poder voar? Toquinho.
— ah, aquelas rezas encharcadas de ais contra a tirania: Morte, vela, sentinela sou do corpo desse meu irmão que já se foi. Revejo nessa hora tudo que aprendi, memória não morrerá. Longe, longe, ouço essa voz que o tempo não vai levar. Fernando Brant. 
 
— letras, músicas e intérpretes de autoria de combatentes da liberdade e da justiça, a alimentar revoluções: Todo jornal que eu leio me diz que a gente já era, que já não é mais primavera. Oh baby, oh baby, a gente ainda nem começou. Raul Seixas.
 
— o recado falado e cantado a tirar o sossego dos usurpadores da vida: Seu moço, tenha cuidado com sua exploração, se não lhe dou de presente a sua cova no chão. Gilberto Gil. 
— o poder de cantar abate o poder das ditadura: Tanta vida pra viver, tanta vida a se acabar. Com tanto pra se fazer, com tanto pra se salvar. Você que não me entendeu, não perde por esperar. Geraldo Vandré.
 
Tal é a espada afiada da crônica musical.
Ah,  pudéssemos ouvir, cantar, rezar todas as canções nascidas nos mais ocultos cantos e  recantos da nossa morada terrestre, brotadas em mil e um corações dedicados a falar o idioma da emoção. 
 
 
Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmente para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

 
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