As milícias de Hitler e as de Bolsonaro

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Publicado segunda-feira, 29 de junho de 2020 as 07:04, por: CdB

Neste artigo, Dalton Rosado detalha, com muita didática, a gênese, a função e o espírito das milícias hitleristas relacionando-as a seguir com as milícias brasileiras em formação, inspiradas pelo presidente  Bolsonaro. (Nota do Editor)

Dalton Rosado, de Fortaleza:
As milícias bolsonaristas querem repetir as violências hitleristas no Brasil

Como sabemos, as milícias são grupos paramilitares que começaram espalhando terror em nome de uma pretensa proteção aos cidadãos cuja segurança não estava sendo garantida pelo Estado, passando depois a explorar outras oportunidades de negócios… ilegais.

Enquanto o Estado não tiver a coragem de adotar pena de morte, o crime de extermínio será muito bem-vindo. E, snão houver espaço para ele na Bahia, pode ir para Rio de Janeiro. Se depender
de mim, terá todo o apoio(Jair Bolsonaro, em 2008)
Se o Estado, constitucionalmente constituído como esfera institucional da ordem social estabelecida, é opressor pela lei, as milícias são a expressão exacerbada e fora-da-lei de tal opressão.
E têm perigosos precedentes históricos. O Partido Nazista alemão, p. ex., começou a partir de grupos armados paramilitares que tentavam impor a sua ideologia pela terror contra seus oponentes.
É dessa fase inicial o chamado putsch da cervejaria, de 1923 em Munique, fracasso que fez o partido perder 16 de seus militantes (mortos) e vários dirigentes momentaneamente colocados fora de ação (casos de Adolf Hitler e Rudolf Hess, presos; e de Hermann Goering, ferido e exilado na Áustria).

As ideias nazistas foram se impondo aos poucos, favorecidas:
— em primeiro lugar, pelo descontentamento da população face às condições draconianas que os vencedores da 1ª Guerra Mundial impuseram à derrotada Alemanha e dificuldades econômicas para as quais elas concorreram (como a hiperinflação de 1923);
— e, depois, pela penúria que fustigou o país no período da grande depressão capitalista mundial iniciada com o crash de 1929 e que se prolongou pela década de 1930 adentro.

Hitler e seus asseclas surfaram na onda do resgate do orgulho alemão de predominância racial ariana, misturada com uma agressiva ação paramilitar contra judeus, ciganos, comunistas, etc. Assim, acabaram chegando ao poder pela via eleitoral, sem, contudo, abandonar as ações paramilitares de milicianos, a cargo das temíveis SA (Sturmabteilung, ou Destacamento Tempestade).

Já chanceler da Alemanha e um mês antes de tornar-se führer, com poderes ditatoriais, Adolf Hitler estava empenhado em a institucionalizar sua milícia, tornando-a uma espécie de guarda pretoriana inserida na estrutura de poder mas obediente apenas a ele e ao Partido Nazista.

Como Ernst Röhm, o líder das SA,resistisse à ideia, preferindo manter a milícia como força independente do Estado, Hitler ordenou o grande expurgo no qual foram assassinados Röhm e pelo menos 85 de seus camisas pardas: a noite das facas longas (2 de julho de 1934).

Röhn (no centro) queria manter as milícias fora do Estado

Sua função foi preenchida pelas sinistras SS (Schutzstaffel, ou Tropa de Proteção nazista), devidamente legalizadas e que tinham Heinrich Himmler como líder.

O que sucedeu, enfim, foi a ascensão ao poder, pela via eleitoral, desses grupos paramilitares alemães que se travestiam em partidos políticos de ultradireita, ostentando um nacionalismo xenófobo, racista e homofóbico (a homossexualidade de Ernst Röhm, chefe das SA, serviu, p. ex., como argumento para convencer a militância nazista de que sua execução havia sido necessária).
Vivemos, hoje, no Brasil, uma situação econômica e política assemelhada, pois:
— passamos pela mais aguda crise econômica de nossa história republicana, com o Banco Mundial projetando para 2020 uma drástica queda de 8% no PIB brasileiro (tende a ser maior ainda…);
— já atingimos o descomunal patamar de 17 milhões de desempregados;
— a Covid-19 ultrapassou o total de 56  mil mortes notificadas  em pouco mais de três meses e a atual média de óbitos é superior mil por dia;
— temos um presidente que, apesar de eleito pelo voto e dentro dos critérios democráticos burgueses, vive apoiando conspiradores contra essa mesma estrutura de poder, incitando golpes militares e estimulando o fechamento de instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal;
— temos um presidente que tenta controlar a Polícia Federal e transformá-la numa força militar a serviço de seus interesses particulares;
Bolsonaro apóia ato de hostilização ao Congresso Nacional

— temos um presidente que utilizou um partido de aluguel para eleger-se, abandonando-o em seguida para tentar viabilizar um novo partido, concebido à sua imagem e semelhança;
— temos um presidente que favorece o armamento indiscriminado da população, na esperança de que venham a ser utilizadas na viabilização de seus planos totalitários de poder absolutista, aproveitando-se da derrocada da democracia burguesa e da própria crise econômica do capitalismo, para, assim, promover o retrocesso político e civilizatório;

— temos um presidente que empregou e condecorou notórios milicianos e seus familiares, mantendo relações promiscuas com a criminalidade que agora estão sendo desmascaradas pela polícia e pela Justiça, devendo em breve determinar seu afastamento do poder;
— temos um presidente que nomeia ministros os mais obtusos, a zurrarem sandices ideológicas incabíveis para a realidade de depressão econômica, crise sanitária e preocupação ecológica mundiais, como se estivéssemos regredindo ao isolacionismo colonialista do século 18.
Isso tudo sem falar no assassinato da vereadora Marielle Franco por pessoas cuja origem em muito se assemelham com a dos parças condecorados. Chega ou preciso desenhar?
Milícias e facções criminosas têm muito em comum.

As primeiras (antes de abrirem o leque de suas atividades criminosas) surgiram vendendo proteção a uma população apavorada com o índice de criminalidade do Brasil, onde a média tem sido de 60 mil cidadãos por assassinados ao ano. Quem não tem uma ou mais história(s) de assalto para contar, seja de si mesmo(a) ou de pessoas próximas?

Este é o atestado de que vivemos sob a égide de uma sociedade doente, que precisa se reinventar, e não vai ser pelas mãos de milicianos e seus conceitos criminosos que isso há de acontecer.
É desse caldo de cultura que resultaram as milícias. E, quando começam a estender as suas garras criminosas ao comando político, ocorre uma degenerescência completa da ordem político-institucional como subproduto do capitalismo decadente.

Sob o comando das milícias, em conexão com a influência política, ocorre a o casamento entre a  corrupção com o dinheiro público e a exploração de atividades comerciais criminosas de reserva de mercado.

Isso somente poderia proliferar sob critérios sociais em decomposição: nossa ordem econômica é concentradora de riqueza e excludente de oportunidades de crescimento individual, situação agravada pela opressão promovida por um Estado cada vez mais endividado e incapaz de prover demandas sociais mínimas.

Há uma convergência implícita de interesses entre o crime organizado das facções que exploram o tráfico de entorpecentes, de armas, munições e jogos de azar; e as milícias, que vendem segurança (contra criminosos e contra elas mesmas), água, botijões de gás, internet clandestina e outros produtos, além de se inserirem no contexto do tráfico de drogas local e de se constituírem em braço paramilitar político.

A diferença é que as milícias aspiram o comando do poder político e as facções criminosas querem apenas corromper alguns políticos que lhes servem de apoio e fazer fortuna.
Entretanto, uma alimenta a outra, já que as guerras entre traficantes pelo controle do mercado cada vez mais vitimam inocentes, alavancando a venda de proteção armada pelas milícias, que crescem financiadas por essa barbárie socialmente instalada.
Certamente você já percebeu a semelhança de práticas negativas do período que ora vivemos com as ocorridas na Grande Depressão do século passado. Pode acreditar que não é mera coincidência, mas sim a reprodução de terríveis consequências de circunstâncias críticas, cuja repetição devemos evitar a todo custo.
Este é o resultado do capitalismo em fim de festa.
Dalton Rosado, carioca de Fortaleza, colaborador do blob Náufraqgo da Utopia
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins

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