Publicado quinta-feira, 4 de junho de 2020 as 16:05, por: CdB
A força da consciência social posta em ação é imensamente maior do que a força das armas que venham a se lhe opor.
Danton Rosado, de São Paulo:
Já há esperança no Brasil
A consciência social, quando adquirida, é indestrutível porque emanada de um saber consistente e duradouro, capaz de demolir quaisquer obstáculos que se lhe oponham, principalmente aqueles decorrentes da opressão sistêmica.
A força das armas, por mais forte que pareça, é sempre passível de desintegração temporal graças à inconsistência moral dos seus argumentos, e sempre superável por uma força maior de igual natureza que se lhe venha a opor.
O levante social que estamos vendo nos Estados Unidos é algo sem precedentes na história daquela nação.
Trata-se do levante de uma população que assistiu, estarrecida, as imagens do covarde assassinato de um homem negro indefeso por um policial supremacista racial. A cena chocante foi como uma faísca em matagal seco: provocou um incêndio em todo o país, trazendo à superfície a indignação consciente e predominantemente pacífica de um sonoro basta!
Isto ocorreu no país com maior renda per capita do mundo, demonstrando quão injusta é a distribuição da riqueza abstrata por lá existente, além de evidenciar a existência de outras formas de opressão inerentes ao comando segregacionista de um ordem político-econômica fundada em pressupostos moralmente equivocados e reprováveis.
Que podemos dizer, então, dos países da periferia empobrecida dos EUA?
Vejamos alguns dados sobre o Brasil, que outrora era chamado de quintal dos americanos e ainda o continua sendo, com a diferença de que hoje não é de bom tom chamar as coisas pelo nome:
— mantém à frente da Fundação Palmares, criada para promover a justa integração social-racial, o sr. Sérgio Camargo, um afrodescendente que qualifica seus irmãos de etnia de uma escória miserável (ele não ocupa tal cargo a despeito de ser um negro racista, mas justamente por sê-lo, numa inversão de valores que é característica do bolsonarismo);
— tem índices econômicos preocupantes, como a previsão de queda de 10% no PIB em 2020;
— registrou retração de 18,8% em sua produção industrial no 1º trimestre, prevendo-se queda maior ainda no segundo trimestre;
— ultrapassou, em pouco mais de dois meses, a marca de 30 mil pacientes mortos pela Covid-19, estando agora com mais de mil óbitos/dia, o que não o impede de demitir médicos e colocar no comando do Ministério da Saúde um militar sem afinidade nenhuma com tal incumbência;
— está entregue ao desgoverno de um presidente que, embora eleito pelo sistema democrático burguês, a cada momento o violenta no afã de garantir a impunidade de filhos e ministros transgressores, além de chantagear o STF e o Congresso Nacional com ameaças de ruptura institucional;
— incensa, pela voz desse mesmo presidente, manifestações populares golpistas (cada vez menos numerosas) que infringem impunemente várias disposições legais;
— vê parte de sua população sentir-se aliviada com um mísero auxílio emergencial de R$ 600/mês, expondo cruelmente o quão empobrecida ela se encontra, com cerca de 17 milhões de desempregados;
— está no limite de uma convulsão social.
O capitalismo perdeu a capacidade de se manter minimamente viável; é isto que estão a demonstrar as manifestações de Nova York a Paris.
Ao buscar acesso às oportunidades de crescimento pessoal e coletivo, a juventude encontra as portas fechadas em razão do desemprego estrutural a da falência do Estado (o qual é incapaz de prover as demandas sociais e guarda os seus reduzidos recursos para a manutenção de força militar cada vez mais numerosa.
Em tal contexto, os jovens integrantes das populações segregadas são particularmente atingidos, daí estarem em pé de guerra contra a discriminação racial e outras causas de insatisfação inerentes a um contrato social saturado; este clama para que as atividades produtivas nos vários campos da vida social sejam adequadas ao imenso saber tecnológico adquirido pela humanidade.
O quadro geral é dos mais eloquentes:
— nas cidades de norte a sul dos Estados Unidos ocorrem manifestações com palavras de ordem como “eu não consigo respirar” (a queixa desesperada mas ignorada de George Floyd enquanto era sufocado por um psicopata fardado) e “a vida dos negros importa”;
— o mesmo ocorre nas ruas de Paris, tendo as frases idêntico conteúdo;
— no Brasil as torcidas organizados do futebol assumem a luta por uma verdadeira democracia, tomando o lugar de partidos, sindicatos e entidades estudantis que têm se mantido apáticos desde a virada do ano;
— em Hong Kong a população se levanta contra o autoritarismo governamental chinês;
— as populações da África, da América Central e da Ásia enfrentam a morte nas estradas e mares para chegarem às idealizadas ilhas de prosperidade do capitalismo (os países economicamente dominantes), sendo recebidas com cercas de arame, muros e policiais para prendê-los e confiná-los em acampamentos precários e prisões, etc.
De tudo isso podemos inferir que há algo de profundamente desequilibrado na atual forma (instituições políticas e militares) e conteúdo (modo de produção) das relações sociais mundiais (one world) existentes, que são basicamente idênticas na base, com diferenciações cosméticas quanto aos conteúdos políticos (mais tolerante ou ditatorial, conforme o caso).
Políticos insensíveis à nova realidade, como Donald destrumpelhado e Boçalnaro, o ignaro, eleitos em função do anseio inconsciente de seus votantes por uma volta ao passado (que verdadeiramente não era bom, mas, ainda assim, melhor do que o presente), logo se desmascaram como mercadores de ilusões irrealizáveis.
Nesse sentido, contribuem, sem o desejarem, para a conscientização popular de que o caminho a ser trilhado não é a volta ao passado conhecido, mas o avanço para um futuro verdadeiramente melhor.
Um futuro assentado em bases de sociabilidades humanistas que possam apropriar-se das conquistas sociais e científicas da humanidade e inseri-las no novo contexto gerado pela ruptura com o padrão escravista que nos tortura há milênios.
Vejo com incontida emoção o levante popular contra o sistema decadente.
Vejo como agradável surpresa os policiais a se ajoelharem perante manifestantes nos EUA, como que a dizerem “me perdoem pela minha farda opressora, por vocês sustentada, pois sou um de vocês e vítima da opressão sistêmica tanto quanto.
Vejo com a alma lavada os torcedores de futebol, sem nenhum engajamento político-partidário e sem bandeiras ultrapassadas, unindo-se espontaneamente e gritando em uníssono “Doutor, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano”.
Vejo com euforia a quebra do silêncio nas ruas pelos grupamentos que não se iludem com a ostentação patriótica oportunista (até porque nossa pátria é boa para alguns e péssima para a grande maioria!).
Sempre torci pelo Botafogo, mas de repente passei a gritar Vai, Corinthians!!!. (Dalton Rosado)
Dalton Rosado, colunista do blog Náufrago da Utopia.
Direto da Redaçãoé um fórum de debates, editado pelo jornalistaRui Martins.
We use cookies on our website to give you the most relevant experience by remembering your preferences and repeat visits. By clicking “Accept”, you consent to the use of ALL the cookies.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.