Dentro de alguns dias, o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, um dos mais prestigiosos e importantes festivais do mundo, anunciará os filmes selecionados para a competição internacional, escolhidos a dedo entre as maiores produções para este ano. Haverá filme brasileiro? Nada transpirou até agora e não tenho bola de cristal, mas uma coisa é certa: durante seus quatro anos de governo, Bolsonaro tudo fez para destruir o cinema brasileiro.
Por Rui Martins
Em setembro, ao propor o orçamento para este ano, Bolsonaro previa o corte da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica, Condecine, que arrecada o equivalente a 1,2 bilhão de reais anuais. A maior parte desse dinheiro é destinado à Ancine, a Agência Nacional de Cinema, criada em 2000. O apoio ao cinema com arrecadação pública vinha de 1960 com o Instituto Nacional de Cinema e, em 1980, com a Embrafilme incluindo a participação das televisões.
O plano geral do ministro Paulo Guedes consistia em enxugar as despesas estatais, privatizar e desonerar o capital privado, e isso incluía, a pretexto de gerar mais competividade, zerar as atividades financiadoras de atividades culturais e restringir ao ensino básico as atividades educacionais. Logo no começo do governo, Guedes falou mesmo na privatização das praias. A medicina, paga no estilo norte-americano, com o fim do SUS, fazia parte de seus planos. “A cultura, a civilização, elas que se danem…” como ironizava Gilberto Gil de maneira premonitória no seu Brasil tropical…
Mas o assassinato do cinema nacional preconizado por Bolsonaro respondia também aos anseios de sua base religiosa fundamentalista evangélica, insatisfeita com a temática “pecadora” dos filmes. Entretanto, a opção de se utilizar a Ancine para a produção de filmes bíblicos carolas, como gostariam seus pastores apoiadores, deve ter sido logo descartada – os filmes nunca seriam convidados para os festivais internacionais e se tornariam um marcante fracasso de bilheteria dentro do Brasil.
A hipótese de serem exibidos nas igrejas seria concorrência desleal com os cinemas, exigiria um alvará especial, e, pior que isso, tiraria dos pastores o palco ao qual estão acostumados. A variante já existente, sem o mesmo impacto, é o uso online doméstico de filmes religiosos ou gospel, capazes de reter um público de fiéis idosos, mas olhados com indiferença pelos jovens.
No Festival de Cinema de Locarno, onde estive em agosto, eu já comentava que os filmes brasileiros ali presentes tiveram de ser feitos com o apoio estrangeiro, principalmente da França. Esse retrocesso do cinema brasileiro, provocado por Bolsonaro, cujo governo não tinha praticamente um ministro da Cultura, ocorreu justamente num momento de grande expansão e aceitação internacional.
Vamos agora ter esperança com a ministra Margareth Menezes, da Cultura, cujo orçamento total é de 10 bilhões, pois Bolsonaro dera apenas 1,67 bilhão de reais para a Cultura em 2022. O ex-presidente sem formação, inculto e ignorante, não valorizava atividades intelectuais, não entendia e não apreciava as artes, no que se parece com seus seguidores, que destruíram quadros e objetos de arte no ataque às sedes dos três poderes, dia 8 de janeiro, em Brasília.
Estarei no Festival Internacional de Cinema de Berlim, do 16 ao 26 de fevereiro, onde retornarei depois de dois anos de ausência e uns 30 anos de presença. No momento, posso dar algumas informações, como me enviou a Berlinale, enquanto espero a divulgação dos filmes em competição:
Berlim começará com estreia de comédia nova-iorquina
O 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim começará, dia 16 de fevereiro com a estreia mundial de uma comédia romântica norte-americana, “She Came to Me” (Ela veio até mim), dirigida pela cineasta Rebecca Miller, também autora do roteiro.
Para os diretores da Berlinale, Mariëtte Rissenbeek e Carlo Chatrian, trata-se de uma comédia irresistível que se baseia nos conflitos cotidianos da sociedade ocidental. Os personagens, concebidos por Rebecca Miller e encarnados por atores fantásticos, optam por seguir a inspiração do momento em vez de serem conduzidos pelos ditames da sociedade. Como um filme pré-codificado de Hollywood, “She Came to Me” é uma “ode mágica à liberdade de expressão”.
O filme conta um elenco de estrelas internacionais, como Peter Dinklage, Marisa Tomei, Joanna Kulig, Brian d’Arcy James e Anne Hathaway.
A deliciosa comédia sobre o amor em todas as suas formas une as histórias de um charmoso elenco de personagens que vivem na romântica e movimentada Nova York. Conta como o compositor Steven Lauddem (vivido por Peter Dinklage) sente-se criativamente incapaz de terminar a composição da trilha sonora da grande ópera de abertura da temporada. A pedido de sua esposa Patrícia, a atriz Anne Hathaway, ex-terapeuta, ele sai em busca de inspiração. O que ele descobre é muito mais do que poderia esperar ou imaginar.
O filme de estreia da Berlinale, “Ela veio até mim” (“She came do me”) será exibido fora da competição, no Berlinale Palast.
A realizadora e argumentista Rebecca Miller foi recentemente convidada da Berlinale em 2016, na mostra Panorama, com o filme “Maggie’s Plan”, depois do seu filme “The Private Lives of Pippa Lee” ter sido exibido na competição em 2009.
O filme de abertura do festival foi produzido por Damon Cardasis, Pamela Koffler, Christine Vachon, Rebecca Miller, Len Blavatnik e Anne Hathaway. A Protagonist Pictures cuida das vendas internacionais.
Kristen Stewart vai chefiar o júri internacional da Berlinale 2023
A atriz, roteirista e diretora americana Kristen Stewart será a presidente do Júri Internacional do 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim.
“Estamos empolgados com Kristen Stewart assumindo essa tarefa distinta. Ela é uma das atrizes mais talentosas e multifacetadas de sua geração. De Bella Swan à Princesa de Gales, ela deu vida a personagens eternos. Jovem, brilhante e com um trabalho impressionante, Stewart é a ponte perfeita entre os Estados Unidos e a Europa”, dizem os diretores do festival Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian.
Kristen Stewart é considerada um dos maiores jovens talentos de Hollywood. Em 1999, aos nove anos, comemorou sua estreia nas telas. Apenas três anos depois, estrelou ao lado de Jodie Foster em “O Quarto do Pânico”, de David Fincher, e alcançou grande reconhecimento público. Sua descoberta internacional veio com a saga Crepúsculo em cinco partes (2008–2012). Em 2010, participou da Berlinale com a produção independente “Welcome to the Rileys” (dirigida por Jake Scott). Nesse mesmo ano, ela recebeu o Prêmio Orange Rising Star de Melhor Revelação no BAFTA.
Em 2014, atuou ao lado de Juliette Binoche em “Clouds of Sils Maria”, dirigido pelo autor francês Olivier Assayas, e em 2015, se tornou a primeira americana a receber o prêmio César do cinema francês por sua atuação no filme. Kristen continuou seu trabalho com Assayas em 2016 em “Personal Shopper”, no qual desempenhou o papel principal. No ano seguinte, comemorou sua estreia na direção e como roteirista com o curta “Come Swim” e, em 2018, integrou o Júri Internacional do Festival de Cinema de Cannes.
Em 2019, fez uma incursão no gênero de ação em “Charlie’s Angels” (dirigido por Elizabeth Banks) e com uma atuação fascinante na cinebiografia “Seberg” (dirigida por Benedict Andrews), cuja estreia mundial foi no Festival de Cinema de Veneza.
Em 2020, apresentou seu próximo trabalho como diretora – o curta “Grilos”. Recentemente, encantou o público como a princesa Diana no drama de Pablo Larraín, Spencer, recebendo indicações ao Oscar e ao Critics Choice Awards de Melhor Atriz. Kristen acaba de concluir a produção de “Love Me”, contracenando com Steven Yeun e finalizou a produção de “Love Lies Bleeding”, dirigido por Rose Glass.
Stewart se tornou uma das mais eminentes atrizes internacionais, emocionando o público e a crítica. Está atualmente trabalhando em seu longa-metragem de estreia na direção, a adaptação cinematográfica do best-seller “The Chronology of Water” de Lídia Yuknavitch.
“Miçangas”, curta-metragem brasileira estreará no Festival de Berlim
O filme curta-metragem brasileiro, “As Miçangas”, de Rafaela Camargo e Emanuel Lavor foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema de Berlim, onde será exibido em meados de fevereiro.
Essa produção de Catarina Accioly, com Daniela Marinho, filmada em Brasília, faz parte faz parte de um grupo de vinte filmes curta-metragens, entre ficção e documentários, de diversos países.
Participam do curta as atrizes Pâmela Germano, Tícia Ferraz e Karine Teles, que trabalhou na telenovela Pantanal. O curta é dirigido por Rafaela Carmelo, já premiada no Festival de Brasília com “A arte de andar pelas ruas de Brasília”, e Emanuel Lavor, que já dirigiu “O pequeno chupa dedo”.
O tema envolve questões femininas: duas jovens se retiram para uma remota casa de férias. Enquanto uma delas faz um aborto médico, a outra cuida dela silenciosamente.
Enquanto isso, uma cobra desliza em torno delas, despercebida.
O prêmio do melhor curta-metragem será conhecido dia 25 de fevereiro. Concorrem curtas da França, Inglaterra, Áustria, Estados Unidos, Espanha, Ucrânia, Estônia, Alemanha, China, Ruanda, Suíça e Austrália.
“A Rainha Diaba”, de Antonio Carlos da Fontoura, em cópia restaurada
Também este ano, um Fórum Especial complementa o programa principal da seção independente da Berlinale. Dois trabalhos de longa-metragem recentemente restaurados exploram diferentes aspectos da cultura negra. O Harvard Film Archive restaurou o documentário de 1982 de Dick Fontaine, “I Heard It through the Grapevine”. Com James Baldwin ao seu lado, o cineasta viaja pelos estados do sul dos EUA para descobrir o que aconteceu com as promessas do movimento pelos direitos civis.
“A Rainha Diaba”, de Antonio Carlos da Fontoura, de 1974, é uma fatia do cinema de gênero queer do Brasil. Embora o filme tenha sido feito durante a ditadura militar, ele é surpreendentemente sincero e extravagante, com o astro negro Milton Gonçalves, falecido em maio, brilhando no papel principal.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.