Bolsonaro vira ‘Füher’, mas não terá vida fácil até o fim do mandato

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Publicado Quinta, 08 de Outubro de 2020 às 13:22, por: CdB

Dois movimentos tornaram possível a mudança de rumo no discurso neofascista: a aliança com o 'Centrão' e a apropriação do auxílio-emergencial como se fosse uma ideia sua, o que lhe rendeu aumento de popularidade na base popular. Esses dois movimentos mostram que Bolsonaro obtém mais força política apostando na legitimidade do voto do que nas ameaças ideológicas golpistas.

Por Val Carvalho - do Rio de Janeiro
Sem precisar usar as ameaças dos bolsominions em frente ao Planalto, nem mudar a sua ideologia fascista, Bolsonaro está conseguindo dobrar o Congresso e o STF, e assim concentrar todo os três poderes da República em suas mãos.
charge-monero.jpg The Washington Post
As tendências nazistas do mandatário brasileiro já foram desenhadas fora do país, a exemplo da charge de Monero Rapé, no diário
O que lhe permitiu isso foi a guinada que deu na presidência, priorizando o caminho da política ao invés o das ameaças golpistas que vinham lhe isolando. Dois movimentos tornaram isso possível: a aliança com o Centrão e a apropriação do auxílio-emergencial como se fosse uma ideia sua, o que lhe rendeu aumento de popularidade na base popular. Esses dois movimentos, que mudaram a correlação de forças, mostram que Bolsonaro percebeu, depois de muito apanhar, que obtém mais força política apostando na legitimidade do voto do que nas ameaças ideológicas golpistas. Não importa que o quanto tal legitimidade tenha sido gerada em eleições duvidosas, ganhas porque seu principal corrente, Lula, foi impedido de disputar de forma arbitrária e ilegal e, mesmo assim, a sua vitória tenha precisado usar os esquemas criminosos das fake news.

‘Estado policial’

Ao lado do corrupto 'Centrão' (do “é dando que se recebe”), a sua inflexão política se revela na determinação de criar a partir de 2021 um simulacro de Bolsa Família, a chamada “Renda Cidadã”, visando unicamente as eleições de 2022. A natureza neoliberal dessa renda mínima reside no fato de seus “beneficiários” não terem possibilidade de emprego digno, não contarem com nenhum direito social ou trabalhista nem garantia de saúde e educação pública. Mesmo assim, num cenário de desemprego, fome e morte causado pela pandemia, o colchão fino da Renda Cidadã neoliberal representa um meio para reduzir temporariamente as contradições de classes mais agudas entre o povo pobre e a oligarquia dos super-ricos. Permite a Bolsonaro acomodar grande parte da base popular em seu autoritário projeto populista de direita.  Quando Renan disse que Bolsonaro está “desmontando o Estado policial” criado em torno de Moro e da Lava Jato, faltou acrescentar que ele faz isso porque está montando o seu próprio Estado policial, mais amplo e totalizante, no sentido fascista desse conceito. Grande mídia Mas ao desmontar o enorme poder adquirido pelas corporações do judiciário e do Ministério Público que cresceu com o apoio unânime da grande mídia golpista, mas também em virtude do republicanismo ingênuo dos governos do PT, Bolsonaro faz a coisa certa, mas pelos motivos totalmente errados. Lula e Dilma, aprisionados pela lógica de poder dessas corporações, sequer conseguiram usar a suas prerrogativas de presidente para indicar para a PGR e mesmo para o STF nomes mais identificados com o projeto político eleito pelo voto soberano do povo.  E a presidenta Dilma ainda fez aprovar um sistema de delação premiada cheio de brechas que, junto com a independência absoluta do Ministério Público e o apoio da grande mídia se tornou meios modernos de tortura para incriminar nosso governo, Lula e o PT. Evangélico A desistência de Moro de disputar a presidência e a sua saída do país representa para Bolsonaro uma vitória de grande alcance político. Somando a isso, a atuação de Aras como Procurador Geral do “presidente”, a domesticação do STJ, a ocupação do STF com a indicação de Kassio com o apoio de Gilmar Mendes e Toffoli e a aliança com o Centrão cortando as asas de Rodrigo Maia, vemos como Bolsonaro conseguiu finamente derrotar a direita liberal, representada pela Globo e montar, peça a peça, o seu projeto de ser o ‘Führer’ desse Brasil mergulhado nas trevas do retrocesso histórico. Claro, ele sabe que o preço para chegar nesse ponto foi o de colocar de lado os bolsominions mais fanáticos, aqueles que orbitam em tornam de Olavo de Carvalho e de prejudicar parte da igreja fundamentalista, como Malafaia, que gostaria de ter indicado para o STF alguém “terrivelmente evangélico” e não o católico Kassio, ligado ao Centrão.  Mas Bolsonaro julga que valeu a pena, e nesse caso está certo, pois a sua liderança nunca esteve tão forte, apesar da sistemática destruição ambiental, econômica, social, democrática que promove no Brasil e em sua soberania nacional. Pandemia Mesmo amenizada pelo auxílio-emergencial e provavelmente também pela futura “Renda Cidadã”, a contradição de classe do capitalismo bolsonarista com a base popular continua se aprofundando com o avanço do desemprego, da precarização do trabalho, da exclusão social e com volta do país ao Mapa da Fome. Ao lado dessas desgraças estruturais a pandemia segue produzindo mortes, principalmente entre os pretos e pobres, a população mais vulnerável entregue à própria sorte pelo presidente Bolsonaro. E essa contradição de classe tende a se ampliar para as classes médias durante a crise social do pós-pandemia, pois Bolsonaro pretende criar a “Renda Cidadã” não com recursos do orçamento, por causa da barreira do Teto dos Gastos, nem com da taxação dos super-ricos, que ele representa no governo, mas arrochando funcionários e programas sociais, com grandes reflexos negativos nas classes médias. Como se sabe, ao contrário do “povão”, as classes médias têm um tempo de reação muito rápido e grande capacidade de influência política para quem está abaixo dela na escala social. Ao lado dessas contradições de classe continuam se desenvolvendo, com ritmo variado, as contradições secundárias entre as frações da burguesia, em primeiro lugar, entre a ultra-direita e a fração da direita liberal. Esta última, fiel a sua ortodoxia neoliberal, tenta enquadrar Bolsonaro no Teto de Gastos e continua defendendo a Lava Jato, pois é o que lhe resta para manter a desgastada narrativa contra Lula e o PT. Desigualdade Não podemos deixar de considerar o grande peso do fator internacional tanto no poder de Bolsonaro quanto na oposição a ele. De um lado, Bolsonaro amarrou o seu destino ao presidente Trump e se este perder a próxima eleição, ele sofrerá todas as consequências dessa absurda decisão. De outro lado, temos os governos e a Comunidade Europeia juntos com o Partido Democrata americano na oposição aberta a Bolsonaro principalmente por causa da destruição da Amazônia. Esse é o pano de fundo, mas nesse momento eleitoral vemos toda essa grande burguesia golpista brasileira unida para fazer suas emissoras de rádio e TV suspenderem os debates no primeiro turno visando com isso excluir a esquerda do segundo turno. Querem conduzir as eleições municipais como uma disputa interna da Casa Grande. Liderada por Lula, a esquerda renovada avança em algumas capitais importantes e levanta a proposta da taxação das grandes fortunas e ganhos de capital como a fonte de recursos para a reconstrução econômica e social do Brasil. O combate à desigualdade social não pode se dar sem que os super-ricos paguem por isso. Essa é a exigência do mundo social contra o mundo econômico no pós-pandemia. Val Carvalho é articulista do Correio do Brasil.
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