As Brumas de A Vale ON

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Publicado Terça, 29 de Janeiro de 2019 às 07:24, por: CdB

Notícias de hoje dão conta de que ações da Vale ON chega a cair quase 20% na B3. De acordo com o jornal Valor Econômico, “as ações ordinárias da Vale recuavam 16,85% às 10h46 na B3, aos R$ 46,69".

Por Luciano Rezende - de Belo Horizonte Esses são os números que interessam aos donos da Vale. O desespero de seus acionistas é pela suspensão no pagamento de dividendos e pela queda nas ações. As perdas humanas, mera estatística.
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Não há mais lugar para a antiga Brumadinho das águas minerais
Pobre Brumadinho. Lembro-me com grande nostalgia das brumas (névoa) que cobriam a estrada que nos levava à terra natal de minha mãe, pouco depois da cidade de Bonfim, passando pelas serras da antiga Brumado Velho. Naquele tempo, passávamos pela chamada Via do Minério (rodovia MG-040), saindo da região do Barreiro em Belo Horizonte e recortando os municípios de Ibirité e Mario Campos. Após o asfalto ligar a BR 381 às cidades de Rio Manso e Bonfim, deixamos de passar por Brumadinho. Mas sempre me lembro daquela paisagem bucólica e de sua gente simples, em uma época em que a cidade ainda não havia sido vitimada pela gentrificação promovida pela indústria do minério. Gentrificação é aquele fenômeno que ao valorizar uma região, como se deu com a chegada das mineradoras, aumenta o custo de vida da população, dificultando a permanência dos antigos moradores, sobretudo aquela gente da roça, gostosamente caipira. Sai a comunidade de baixa renda e entram moradores das camadas mais ricas. Essa é a realidade de todos, absolutamente todos os municípios vítimas desta economia primária extrativista, altamente predatória, que só faz enriquecer um punhado de pessoas às expensas da grande maioria da população autóctone. Não à toa, principalmente após a viragem do milênio, Brumadinho passou a abrigar inúmeras pousadas de luxo, além do maior museu a céu aberto do mundo, Inhotim, que superou a expressiva marca de 2,5 milhões de visitantes desde sua fundação. Tudo isso alterou rapidamente o espaço e o lugar das antigas brumas que pairavam sobre a pacata gente local. No célebre livro As Brumas de Avalon, de autoria da escritora estadunidense Marion Zimmer Bradley, há uma passagem muito interessante contida no último capítulo (O prisioneiro da árvore) que aborda o fato de o personagem Artur ter deixado de lado os antigos costumes, o que teria feito a intrépida Morgana desejar retomar para Avalon suas velhas tradições. O novo mundo que engoliu Brumadinho, antes mesmo do mar de lama, é o chamado neoliberalismo. Neste sistema, o que vem antes de tudo é o lucro, os interesses privados. Abandonar este mundo, para trilhar um novo caminho, capaz de unir o moderno e tradicional, o sofisticado e o rústico, em síntese, um desenvolvimento sustentável que respeite a cultura local, é simplesmente impossível neste modelo neoliberal. Medidas paliativas serão tomadas, mas as catástrofes continuarão. A cobiça capitalista, a mesma que promove as mais variadas guerras pelo planeta afora, pouco se importa com vidas humanas, quiçá com as perdas materiais e imateriais de tantos sonhos perdidos e memórias apagadas em segundos pela lama tóxica dos parasitas do capital. Não há mais lugar para a antiga Brumadinho das águas minerais, umas das maiores fontes do mundo. Tampouco respeita-se o fato de aproximadamente um quarto da água que abastece toda a região metropolitana de Belo Horizonte vir dos mananciais da região. O motor que move as escavações de nossas montanhas é o neoliberalismo. O que sacia sua sede é o dinheiro fácil. O neoliberalismo é selvagem. Em seu favor, terceirizam-se as leis trabalhistas, afrouxam-se as fiscalizações, abrandam-se as punições. Esta catástrofe, portanto, não é obra exclusiva deste governo, mas de um modelo econômico que vigora por muitas décadas, ainda que com mais intensidade nos governos Collor, FHC e Bolsonaro. Avalon era conhecida como o País do Verão. Brumadinho, doravante, como a cidade da primavera interrompida. Uma linda cidade que pagou caro por suas riquezas minerais, saqueada por um Vale privatizada movida pelo lucro rápido de seus acionistas. Luciano Rezende, é
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