Chefes dos partidos da base aliada substituem deputados amigos por adversários de Temer na CCJ, às vésperas de nova denúncia.
Por Redação – de Brasília
A falta de pagamento às obrigações contraídas por Michel Temer, para evitar que seu mandato fosse encerrado por uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), tem levado os principais líderes da base aliada, na Câmara, a realizar o troca-troca de deputados alinhados com o Planalto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por seus adversários.
A série de mudanças ocorre às vésperas da nova denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o presidente de facto. Da primeira vez, Temer escapou da denúncia de corrupção passiva com a liberação de perto de R$ 14 bilhões em emendas parlamentares. Até agora, porém, grande parte desses recursos não foram liberados. Os cargos prometidos também não se efetivaram, ainda, apesar da onda de substituições evidente no Diário Oficial da União, nos últimos dias. O PR e o PSD foram as primeiras legendas a exercer as substituições na CCJ.
Base aliada
O fato é que os deputados que evitaram a degola do governo Temer querem realizar as promessas feitas. Nem sempre é possível, no entanto, satisfazer os interesses das bancadas que votaram contra a investigação do peemedebista. Os deputados ruralistas, que fecharam apoio a Temer, por exemplo, cobram a liberação do Programa de Regularização Tributária (PRT). Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que, juntos, eles devem mais de R$ 135 milhões à União.
O site Olho nos Ruralistas, em publicação nesta quinta-feira, traz detalhes sobre a situação de dois desses deputados: Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), relator da comissão sobre o Refis, e Alfredo Kaefer (PSL-PR), autor da emenda que libera o crédito aos latifundiários. Ambos lideram a bancada do Refis. E estão no topo da lista daqueles que mais devem à União, entre os parlamentares da Comissão Mista. Ainda segundo o site, ambos são réus no STF, acusados de crimes contra a ordem tributária.
Leia, adiante, os principais trechos da matéria de ‘Olho nos Ruralistas’:
Ao todo, as dívidas das empresas vinculadas aos senadores e deputados chegam a R$ 3 bilhões, informou a Folha. O perdão da “MP do Refis” pode chegar a R$ 220 bilhões. Essa possibilidade existe porque o Programa de Regularização muda o prazo e a regra do parcelamento das dívidas e pode conceder descontos de até 99% em multas e juros na Dívida Ativa da União.
Segundo o jornal paulista, esse grupo endureceu as negociações com o governo exigindo alguns “pontos inegociáveis” por ter dado 54 votos para barrar a denúncia de corrupção contra o presidente no Congresso. Tanto Cardoso como Kaefer votaram com entusiasmo pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
‘Pontos inegociáveis’
Um dos pontos inegociáveis que constam no relatório aprovado pela Comissão é a anuência para que devedores que respondem por crimes tributários possam aderir ao programa. A medida beneficiaria diretamente Cardoso e Kaefer, membros ativos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), réus no STF.
Outro ponto polêmico é a manutenção do desconto de juros e a ampliação do limite mínimo para aderir ao programa. A MP original prevê uma entrada de 20% para dívidas acima de R$ 15 milhões e de 7,5% para dívidas abaixo desse valor. Os parlamentares exigem aumentar o valor mínimo de R$ 15 milhões para R$ 150 milhões, no primeiro caso. E que nos casos restantes a porcentagem da entrada obrigatória diminua para 5% da dívida.
O governo esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões com o programa, para tentar diminuir o rombo fiscal de R$ 159 bilhões em 2017. Mas teve de diminuir suas expectativas. Em troca por ter barrado “as denúncias passadas e as próximas”, disseram os deputados à Folha, o Planalto precisará se contentar em perder de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões na arrecadação.
Newton Cardoso
Relator da Comissão Mista e principal porta-voz do grupo, o deputado Newton Cardoso Jr. deve R$ 83,5 milhões ao Fisco. Isto somando as dívidas tributárias e previdenciárias das empresas onde aparece como presidente, diretor ou sócio-administrador. Segundo a planilha da Procuradoria-Geral da Fazenda, somente a Companhia de Siderúrgica Pitangui, na qual ele figura como presidente, possui uma dívida de R$ 49,7 milhões.
E tem mais: a NC Participações e Consultoria, onde o deputado é diretor, deve R$ 2,3 milhões. Duas outras empresas ligados ao deputado devem valores mais tímidos, como a Rio Rancho Agropecuária S.A e a Goody Industria de Alimentos S.A. Somadas, elas devem R$ 830 mil em impostos.
“Por um país melhor e fiscalmente responsável”: o entusiasmo de Newton Cardoso Jr. na votação do impeachment.
Mas e a Pitangui Agro-Florestal Ltda? A empresa de celulose – o deputado lidera também a Frente Parlamentar da Silvicultura – possui uma dívida de R$ 10,7 milhões. Embora não tenha o deputado como diretor ou presidente na planilha da Procuradoria-Geral, a empresa está listada no Linkedin do Grupo Newton Cardoso como uma de suas “14 empresas administradas com profissionalismo, modernidade e rigor no cumprimento às obrigações tributárias e trabalhistas”.
Ex-governador
Nas eleições de 2014, a empresa doou R$ 130 mil ao deputado. A devedora Rio Rancho Agropecuária S.A foi a empresa que mais doou para a campanha: investiu R$ 498 mil.
No caso da Previdência Social há duas empresas endividadas em que Cardoso aparece como presidente: a Companhia Siderúrgica Pitangui, que deve R$ 16 milhões; e a Goody Industria de Alimentos S.A, com uma dívida de R$ 3 milhões.
O deputado responde no STF por crimes contra a ordem tributária na Ação Penal 983/2016. O Ministério Público Federal (MPF) pede o bloqueio de seus bens. Ele se tornou réu na Ação Penal 987/2016 porque as empresas ligadas ao Grupo Newton Cardoso respondem por crimes contra o meio ambiente e falsidade ideológica.
E não acaba por aí. No inquérito 3480, o deputado é alvo de investigação por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica na transferência de ações – referentes à empresa Remplus Empreendimentos e Participações S.A – ao seu pai, o ex-governador e ex-deputado Newton Cardoso (PMDB).
Alfredo Kaefer
“Pela liberdade, pela democracia, por um futuro melhor”: Alfredo Kaefer, marcando posição (durante a votação do impeachment da presidenta deposta Dilma Rousseff), em 2016.
Em 2014, o deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR) foi considerado o parlamentar mais rico entre os eleitos. Possuía um patrimônio de R$ 108 milhões. Somente na campanha esbanjou R$ 4,7 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele é outra liderança ruralista na comissão com uma dívida milionária, segundo a planilha da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
O deputado está quebrado. Dono de um dos maiores abatedouros de aves do país, o Diplomata, ele possui uma dívida de R$ 52,8 milhões. Em 2014 – mesmo ano em que foi eleito – ele viu a falência de suas empresas ser decretada pela Justiça paranaense.
A empresa Super Dip. Distribuição e Vareja Ltda, onde Kaefer aparece como sócio administrador, possui uma dívida em aberto de R$ 21,7 milhões. Na Diplomata Agro Avicola Ltda a dívida é de R$ 4,7 milhões, segundo os dados da Procuradoria-Geral. Outras cinco empresas em que o deputado figura como fundador, administrador ou diretor somam uma dívida de mais R$ 1 milhão.
E ainda há as dívidas para a Previdência. Cinco empresas do deputado devem R$ 22,8 milhões. As três principais são o Instituto Alfredo Kaefer (R$ 1 milhão), a Super Dip. Distribuição e Varejo Ltda (R$ 17,3 milhões) e a RCK – Comunicações Ltda (R$ 4,7 milhões). A empresa Kaefer Agro Industrial Ltda doou R$ 150 mil para a campanha do deputado, que já foi descrito como “o rei do baixo clero”. Mas não está mais ligada diretamente ao seu CPF. Além de carregar seu sobrenome, ela possui uma dívida milionária de R$ 27,6 milhões com o Fisco.
Baixo clero
No caso do STF, o deputado está mais enroscado que seu colega Newton Cardoso Jr. Ele é réu na Ação Penal 892/2014 sob a acusação de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional e por formação de quadrilha. De acordo com a denúncia do MPF, o deputado fraudou as contas do Conselho de Administração da Sul Financeira, quando ocupava o cargo de presidente, para autorizar empréstimos irregulares para a Diplomata Industrial e Comercial Ltda – empresa dele mesmo. A ação corre em segredo de justiça.
O Inquérito 3678/2013 investiga Kaefer por estelionato e fraude contra credores. E ainda há mais dois inquéritos no Supremo, ambos abertos em 2016: o 4304/2016 apura crime contra a ordem tributária; o 4298/2016 investiga falsa decretação de falência a partir da ocultação de patrimônio.
É antiga a imagem de mau pagador do deputado. Piorou quando surgiram os boatos de recuperação judicial. “Daí todo mundo começou a correr para tentar receber, vieram os piquetes nas portas das empresas”, disse um ex-funcionário da Diplomata à revista Piauí, na reportagem O Rei do baixo clero.
O outro lado
Perguntado pelo repórter da revista Piauí se os parlamentares não estariam legislando em causa própria, o deputado Alfredo Kaefer respondeu: “Como muitos empresários devem, muitos deputados que são empresários não fogem a essa regra”. À Folha, o parlamentar do PSL usou a mesma argumentação.
Newton Cardoso Jr. não se pronunciou após a reportagem da Folha. Sua assessoria respondeu da seguinte forma para o site Congresso em Foco, após a reportagem De investigados a investigadores: deputados da CPI da Lei Rouanet com acusações criminais: “O deputado informa que, em todas as ações mencionadas, já apresentou defesa e tem convicção de que será comprovada a sua conduta correta e dentro da lei”.
Mais devedores
A planilha da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aponta outros parlamentares da bancada ruralista na “bancada do Refis”. Com menos protagonismo específico e com dividas menores. São eles:
• Senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO): R$ 1,3 milhão
• Senador Ciro Nogueira (PP-PI): R$ 143,4 mil
• Senador Romero Jucá (PMDB-RR): R$ 81,9 mil
• Senador Armando Monteiro (PTB-PE): R$ 36 mil
• Senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE): R$ 33 mil
• Deputado Alexandre Baldy (Pode-GO): R$ 23 mil