Carandiru encerra sua história com pompa e espetáculo

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Publicado domingo, 15 de setembro de 2002 as 23:43, por: CdB

De cabeças baixas e escoltados pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, os últimos 76 prisioneiros caminharam em direção aos camburões em meio a uma enxurrada de cliques de fotógrafos, no evento que marcou a desativação do maior presídio da América Latina neste domingo.

Os ex-habitantes do Complexo do Carandiru foram transferidos para 11 novas unidades carcerárias espalhadas pelo Estado de São Paulo, com um investimento de 100 milhões de reais para descentralizar o sistema penitenciário.

O local do Carandiru, situado na zona norte a dez minutos do centro da capital, palco de várias rebeliões, será transformado numa área de lazer e educação chamado Parque da Juventude.

“A desativação é uma medida correta. O Carandiru não oferecia mais segurança nem mesmo aos presos… E estava interditado pela higiene sanitária”, disse a repórteres o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, após assinar o decreto para o fim da Casa de Detenção.

Construída para 3.250 vagas, o Complexo formado por sete edificações chegou a comportar 8 mil presos e foi palco da morte de 111 detentos na rebelião de 1992, conhecida como “Massacre do Carandiru”.

“Aquilo foi horrível, deixou a gente muito frio. Não foi fácil subir as galerias e ver pilhas de corpos e no meio, um amigo seu”, lembrou Odair do Prado, 50 anos, há 13 como agente penitenciário do Carandiru.

“O dia-a-dia daqui nos deixa calejados da realidade. A família até estranha, diz que mudamos, estamos diferentes. Ficamos como uma geladeira.”

Os corredores sombrios do Pavilhão Oito foram tomadas pela comitiva da imprensa que seguia Alckmin na última visita ao local. Os entulhos pelos corredores e as celas reviradas de marmitas, garrafas plásticas e colchões exalavam ainda o cheiro de 46 anos de história.

“Não adianta nada, eles podem derrubar tudo isso, mas as memórias vão ficar. Tem coisa que passou por aqui que não dá para apagar”, acrescentou Prado.

Dentro das celas e adornando as entradas, fotos de Vera Fisher, Tiazinhas e Feiticeiras acompanham dizeres religiosos e símbolos de times de futebol. “Na solidão, os melhores companheiros”, comentou um ex-detento que preferiu permanecer anônimo.

SHOW DE ENCERRAMENTO

Ao som do choro da banda Jane do Bandolim e Miado do Gato, os convidados se reuniram no pátio de entrada e saída dos presos, conhecido como Divinéia, para presenciar a saída dos quatro últimos “bondes” –nome dado aos camburões.

“Está muito esquisito aqui”, disse um PM do Batalhão de Choque. “Os caras estão saindo com pompa de artista. Aqui está a elite, e do outro lado do muro o podre da sociedade, como um limbo”, criticou.

Conhecida como madrinha dos penitenciários, Rita Cadillac compareceu ao evento para dar seu último adeus ao Complexo que recebe seus shows desde 1985. “Vou guardar de lembrança todos os amigos que fiz por aqui, funcionários e presos”, disse ela.

Enquanto palmas e balões brancos encerraram o evento, o agente penitenciário Almir Pereira de Souza, 64 anos, há 30 no Carandiru, comentava: “Saudades daqui eu não vou ter, o que dá saudade são dos amigos que fizemos aqui”.