Meu caro pai, quem vos escreve é seu primogênito, o Real, lembra-se de mim? Na verdade, nem sei se você é meu genitor. Você e o Itamar confundem a minha cabeça e me deixam instável e cheio de crises. Ruim mesmo é ter dois pais e não ter mãe. Ando por aí, de mão em mão, sujo, jogado, propinado, caluniado e ainda tenho que ouvir gozações dos es- peculadores. Sabe o que eles falam? Dizem que sou filho do Clinton com o FMI, batizado pelos investidores norte-americanos. Isso é humilhação, e pior que humilhação é ouvir das bocas pequenas que sou filho do Lula com o Enéas e não valho nada! E o senhor nem aí. Já vou completar nove anos e o senhor nunca fez uma festa de aniversário pra mim. Também com quem eu iria comemorar? Com os imprestáveis do Cruzeiro e do Cruzado? Ao invés disso, me deu de presente para os banqueiros falidos. Agora, tenho que agüentar essa invasão desse playboy americano que dominou minha área. Esse Dólar é um imbecil que só sabe subir às custas dos outros. Está aí, forte, malhado, conhece o mundo inteiro; e eu aqui, fraco, magricela, não valho nem um quilo de frango, só sirvo pra enfeitar cofres de empresa grande e só saio do Brasil para engordar as contas nos paraísos fiscais. E o povo, o que vai fazer comigo assim? Talvez um dia, meu caro pai, um dia eu suba...
Rio de Janeiro, Sexta, 29 de Março de 2024
Carta de um filho sem pai
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Publicado Sexta, 27 de Setembro de 2002 às 11:28, por: CdB
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